Pular para o conteúdo
MOVIMENTO

OPINIÃO | O que é ser um militante?

Por: Giambatista Brito*, de Fortaleza, CE

A primeira coisa é que um militante, milita. As causas podem ser as mais diversas, o antirracismo, o feminismo, o orgulho LGBT, a luta antimanicomial, a luta por moradia, a defesa dos direitos humanos e um largo et cetera. Pode ser uma militância coletiva ou pode ser individual, mas um militante milita. Dedica nem que seja uma pequena parte de seus dias, talento e energia para uma causa.

Se alguém acha justa e apoia uma luta, vai até a uma outra passeata e posta aqui ou acolá em suas redes sociais uma menção a uma campanha ou assina abaixo assinados no papel ou virtuais, isso, por si só, não o torna um militante. Simpatizante seria o termo mais adequado para essa modalidade. Um militante milita. Assume tarefas de acordo com suas capacidades e faz o possível para cumpri-las.

Um militante é algo ainda maior. Ele não simplesmente assume uma causa. Ele vai além. Sabe que sozinho sua militância é absolutamente ineficaz. Não se dispõe a ser o beija-flor buscando gotas de orvalho para apagar o incêndio na floresta. Não se satisfaz com o “estou fazendo a minha parte” enquanto todos os demais nem se dão conta, até porque não se trata de convencer, responder, satisfazer ou consolar a si próprio, se trata verdadeiramente de “apagar o incêndio”. Leva tão sério sua causa, porque sabe que ela é justa e necessária, que junta-se a outros e constrói laços de solidariedade e coletividade. Um militante é em si um ser coletivo que não se basta a si mesmo, que se organiza e atua com outros. Não busca sonhos mas realidade.

Se dispõe a enxergar coletivamente os meandros e dificuldades para alcançar seus propósitos e fazer valer seus princípios. Faz de tudo para viver o coletivo porque sabe que para opinar e decidir os rumos da luta que é não só sua, mas de todos, é preciso estar presente. Enfrenta as dificuldades para estar junto até porque nessa vida corrida imposta pelo capitalismo, onde tempo é dinheiro, encontrar condições para reunir-se com outros é por si só já um grande ato de subversão. E quando mesmo enfrentando as dificuldades, não consegue vencê-las e precisa fazer-se ausente, avisa aos seus que dessa vez não será possível e sente-se na obrigação de superar-se no próximo enfrentamento.

Sabe que para ser militante no capitalismo, não basta doar tempo e talento, é preciso levantar fundos financeiros para a luta coletiva. Além de tempo doado para estar, pensar e agir junto, também se move na garantia de finanças coletivas, algumas vezes como parte de seu tempo trabalhado na forma de cota, outras fruto de campanhas individuais ou coletivas.

Leva tão a sério, que ainda que discorde dessa ou daquela tarefa, ou dessa ou daquela linha discutida coletivamente, aceita fazê-la valer se assim for a conclusão da maioria de seu coletivo. Existem aqueles que o fazem inclusive independente da opinião da maioria do coletivo, bastando que um “superior” diga que é pra fazê-lo. No fim conspira contra a própria causa coletiva, sendo um imenso contrassenso, e mesmo não sendo o melhor tipo de militância segue o sendo, até pelo menos virar puro seguidismo digno de seitas e não organizações militantes.

Entre as causas mais dignas que um militante pode abraçar está a causa do socialismo que tem exatamente o tamanho do mundo inteiro e que só pode ser vencida a muitas e muitas mãos. A causa do socialismo abrange a luta contras as opressões de todas as espécies porque não existe capitalismo sem opressão. A luta por um teto pra morar, terra pra plantar, escola pra aprender, hospital pra cuidar e vida boa e digna pra viver passa pelo socialismo que almeja o fim da propriedade privada que garante toda a riqueza criada para o tal 1%. A luta pelo fim definitivo da escravidão e por direito a trabalho digno é a luta pela destruição do capitalismo. A própria batalha pela sobrevivência da humanidade e pelo planeta em que vivemos com toda sua diversidade e beleza passa por parar esse sistema maldito criado por nós e pela sua substituição por um outro modo de viver, trabalhar e partilhar os frutos do trabalho, de “cada um conforme sua capacidade” e “a cada um conforme suas necessidades”.

Se existe uma luta que precisa e vale a pena ser lutada, a muitas mãos e de forma organizada, é a nossa, a causa dos socialistas. Digna de multidões de simpatizantes mas ávida por militância coletiva e orgânica. Pois organizemo-nos. Há uma batalha maior logo a frente no meio dessa longa guerra.

*Texto publicado originalmente no site da Nova Organização Socialista (NOS), uma das organizações que se fundiram na criação da Resistência-PSOL, corrente interna do PSOL
Leia também a série de textos sobre a militância socialista escrita por Valério Arcary:
Sobre a militância 1
Sobre a militância 2
Sobre a militância 3 –
Sobre a militância 4 – A esquerda e a diferença política
Sobre a militância 5 – Não somos maniqueístas
Sobre a militância 6 –
Sobre a militância 7 – Militância não é religião
Sobre a militância 8 – O olhar da militância socialista para a religiosidade
Sobre a militância 9 – A esquerda precisa de finanças
Sobre a militância 10 – Militantes de esquerda não precisam ser amigas, mas precisam ser camaradas
Sobre a militância 11 – Militância não precisa ser sacrifício; deve ser realização plena, mas não é indolor
Sobre a militância 12 – A renovação de líderes na esquerda
Sobre a militância 13 – A segurança da esquerda está em perigo
Sobre a militância 14 – o fracionalismo é uma doença política perigosa
Sobre a militância 15 – A esquerda e o escracho pessoal
Sobre a militância 16 – A militância e a saúde mental
Sobre a militância 17 – Embrutecimento e esperança 
Sobre a militância 18 – Contra o anti-intelectualismo