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BRASIL

A demissão de Mandetta e a nomeação de Nelson Teich: um balanço sobre as mudanças no Ministério da Saúde

Jorge Henrique e Karine Rodrigues, de Brasília, DF
Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, cumprimenta o ex- ministro, Luiz Henrique Mandetta, na posse

Depois de inúmeras especulações, a crise entre Bolsonaro e Mandetta chegou ao fim na quinta-feira, dia 16/04. Mandetta foi demitido após se contrapor, publicamente, às posições do presidente da República. Ele, à frente do Ministério da Saúde, evitou, muitas vezes, comentar as posturas de Bolsonaro que minimizavam os efeitos do coronavírus no Brasil, assim como endossou, em outros momentos, as posturas do chefe do executivo.

Com a tentativa do presidente de flexibilizar a quarentena para retomada das atividades econômicas e com o avanço da pandemia em território nacional, constatado com o flagrante aumento no número de contaminados e de mortos, Mandetta abriu uma crise que vinha tentando administrar, após muitos governadores se oporem às atitudes de Bolsonaro.

Antes de assumir o Ministério da Saúde (MS), Luiz Henrique Mandetta, articulou, como deputado federal pelo DEM, juntamente com Jair Bolsonaro, a aprovação da PEC do Teto de Gastos, hoje, conhecida como Emenda Constitucional 95, a qual congela e reduz, por 20 anos, os investimentos no SUS.

Mandetta foi um crítico ferrenho e envidou todos os esforços para o fim do Programa Mais Médicos. Agiu, também, como lobista dos planos privados de saúde, quando sinalizou, em 2019, a mudança na lei que regulamenta o setor para restringir a cobertura de determinados procedimentos e doenças, assim como permitir reajustes a clientes acima de 60 anos. Ainda esse ano, solicitou ao governo federal a liberação de R$ 10 bilhões aos planos de saúde, em meio à pandemia.

O ex-ministro da Saúde alterou a forma de financiamento da Atenção Primária em Saúde, antes cristalizada sobre as necessidades de saúde dos entes federativos em sua dimensão epidemiológica, socioeconômica, geográfica e demográfica, agora centrada tão somente em um público previamente cadastrado, com a possibilidade de aumentar as desigualdades regionais. Além disso, acabou com os estímulos financeiros por parte do MS aos Núcleos de Apoio à Estratégia Saúde da Família e à lógica do apoio matricial.

Mandetta, apesar de Bolsonaro, passou a ser elogiado pelo seu trabalho frente à pandemia, pois do ponto de vista técnico, seguiu à risca as orientações da Organização Mundial da Saúde, da comunidade científica internacional e nacional, defendendo, incondicionalmente, o isolamento social como principal ferramenta de combate ao coronavírus. Ele foi um lampejo de racionalidade em meio ao negacionismo anticientífico do presidente e sua família. Caiu por expor o obscurantismo mais cruel de Bolsonaro, que é apoiado por aqueles que pensam primeiro nos lucros antes das vidas.

A nomeação de Nelson Teich, apesar de sua formação acadêmica, não guarda nenhum critério técnico como pensam alguns incautos.

A nomeação de Nelson Teich, apesar de sua formação acadêmica, não guarda nenhum critério técnico, como pensam alguns incautos. Em primeiro lugar, está vinculada à necessidade de alinhamento do Ministério da Saúde com a Presidência da República, ou seja, Bolsonaro quer ter a certeza da fidelidade ideológica a sua empreitada anticientífica, antipopular e pró-mercado. Em segundo lugar, é corolário da sua relação com o setor empresarial da saúde, o qual o apoiou nas eleições e que o tem como porta-voz.

Nelson teve sua aproximação intermediada por Paulo Guedes, quando começou a atuar como consultor para a área de saúde na campanha de Bolsonaro e como assessor da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde durante o seu governo. Além disso, é amigo do empreiteiro Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa, que doou para a campanha de Bolsonaro e que vinha fazendo lobby junto ao Presidente para que Teich assumisse o ministério.

Teich possui graduação em medicina pela UERJ e especialização em oncologia pelo INCA. É doutor em Ciências e Economia da Saúde pela Universidade de York, no Reino Unido. De 1990 até 2018, foi fundador e presidente do GRUPO COI (Clínicas Oncológicas Integradas) – adquirido pela United Health Group/Amil em 2015. Além disso, foi gestor de empresas da saúde e representante da United Health Group no Brasil.

O atual ministro é considerado um dos principais oncologistas do País pela Sociedade Brasileira de Oncologia e um profissional tecnicamente preparado para assumir a pasta, apesar da sua pouca experiência com o Sistema Único de Saúde. Ele defendeu, recentemente, o isolamento social como principal estratégia para o momento, mas afirmou não ser possível prever quando será o pico de casos no Brasil, demonstrando seu desconhecimento sobre o comportamento de doenças infecciosas e sobre vigilância epidemiológica, já que é possível entender, calcular e prever as tendências de transmissão da doença, assim como é feito com a dengue e a H1N1.

Em sua primeira aparição ao lado do presidente, o substituto de Mandetta afirmou que o uso da cloroquina está subjugado aos estudos científicos, desmentiu a afirmação de Bolsonaro de que 60% da população já foi imunizada, defendeu a realização de testes em massa, reafirmou a importância da ciência no combate ao coronavírus e defendeu uma proposta mediada de retorno às atividades econômicas. Mas em nenhum momento ressaltou a importância do SUS como a principal ferramenta de combate à pandemia no País.

Em sua posse, os representantes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) foram barrados na porta do Palácio do Planalto. Foi a primeira vez que isso aconteceu na história do SUS, mostrando que a colegialidade da gestão com estados e municípios não será respeitada.

É verdade que nenhum lobista de planos e empresas privadas de saúde assume o cargo de ministro com a ideologia de fortalecimento do SUS. Pode até defender os critérios mínimos de avaliação técnica da situação sanitária do País para adotar políticas de combate ao coronavírus, sob pena de causar um genocídio da população. Mas isso não será feito sem que o novo ministro amplie o poder do setor privado da saúde e muito menos sem novos ataques ao SUS.

O lobby empresarial da saúde estendeu, mais uma vez, seus tentáculos sobre o SUS e, para além da pandemia, tentará subjugá-lo aos seus interesses.

Não se sabe, ao certo, se Nelson Teich será um novo Mandetta, opondo-se ao obscurantismo de Bolsonaro e sua família; se será um elemento de barganha do mercado para pressionar o Governo; ou se será apenas um títere na mão do presidente. O fato é que o lobby empresarial da saúde estendeu, mais uma vez, seus tentáculos sobre o SUS e, para além da pandemia, tentará subjugá-lo aos seus interesses.

Mas o SUS é forte! Ele dispõe de uma rede de instituições de ensino e pesquisa como universidades, institutos e escolas de saúde pública, possui um legado de avanços no sistema de vigilância em saúde, na vigilância sanitária, no sistema de informação, na assistência farmacêutica, nos transplantes, no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), no controle de doenças infectocontagiosas e de hemoderivados. Ainda tem a Atenção Primária em Saúde (APS) e tem o maior programa de imunização do mundo. Por tudo isso, o SUS viverá! Mandetta que o diga!

 

 

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