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COLUNISTAS

Líbano: Manifestações pedem eleições livres já

Apenas a saída do Primeiro-Ministro não resolverá impasse político. Protestos podem continuar caso novo governo seja escolhido pelo parlamento

André Freire, do Rio de Janeiro, RJ

Apenas poucos dias após a terrível explosão na Zona Portuária de Beirute, no dia 4 de agosto, fortes manifestações populares tomaram conta da Capital do Líbano. No último final de semana, a força e radicalização dos protestos aprofundaram a crise política no país. Na segunda-feira, dia 10 de agosto, veio a confirmação do que já estava sendo esperado nos últimos dias: o Primeiro-Ministro Hassan Diab renunciou ao cargo, dando fim ao seu curtíssimo governo, de cerca de 9 meses.

Este processo de mobilização no Líbano se iniciou ainda no segundo semestre de 2019, como parte de uma nova onda movimentos de rua que questionaram os regimes políticos também no Sudão e na Argélia. Este movimento defendia melhores condições de vida para o pobre pobre libanês, afinal o país vive sua maior crise econômica desde o fim da guerra civil (1975-1990), com terríveis consequências sociais. Por exemplo, estima-se que o desemprego chegou na casa dos 30%.

Entretanto, as manifestações de rua pediam também uma profunda mudança no regime político, fortemente marcado pelo sectarismo de cunho religioso. Para se ter uma ideia, até os dias de hoje, o presidente do Líbano deve ser obrigatoriamente escolhido entre políticos de origem Maronita (Cristão), o Primeiro-Ministro de origem Sunita (Muçulmano) e o Presidente da Câmara dos Deputados de origem Xiita (Muçulmano).

Nas ruas, o povo libanês vem construindo um movimento forte e unificado, passando por cima, inclusive, das profundas diferenças religiosas. Com a juventude à frente, e com importante presença das mulheres, vem enfrentando a repressão de um regime político autoritário.

As manifestações de 2019 acabaram derrubando o Primeiro-Ministro anterior, Saad Hariri. Ou seja, com a renúncia de Diab, no início desta semana, já são dois Primeiros-Ministros derrubados no Líbano, pela força das ruas, em menos de um ano. Como não houve nenhuma mudança significativa realizada pelo governo que estava no poder até a última segunda-feira, os protestos já tinham voltado a acontecer em junho deste ano, mesmo em meio a pandemia da Covid-19.

Explosão foi o estopim

A terrível explosão no Porto de Beirute já matou pelo menos 171 pessoas, deixou 6 mil feridos e cerca de 300 mil desabrigados. Aproximadamente metade da Capital do Líbano teve seu território atingido por consequência dos efeitos da explosão.

De acordo com as informações disponíveis até o momento, a explosão foi gerada por um incêndio que atingiu um depósito onde se encontrava estocadas 2,7 mil toneladas de nitrato de amônio, substância utilizada para a confecção de fertilizantes, mas que pode ser usada também na fabricação de explosivos com objetivos militares.

Fontes do próprio governo regional de Beirute, informam que esta enorme quantidade de nitrato de amônio estava estocada no Porto desde 2012, após uma apreensão de um carregamento que tinha como destino o território da Síria, para ser utilizado na terrível guerra civil que até hoje assola a população deste país. Portanto, era um material com finalidades militares.

Mesmo que seja confirmado a hipótese provável de que a explosão tenha sido gerada por um acidente, há uma evidente responsabilidade a ser apurada. Afinal, armazenar um material com forte capacidade destrutiva, por tanto tempo e sem rigorosas regras de segurança, se trata de um grave crime de responsabilidade, que evidentemente caiu principalmente sob o atual governo.

Este fato foi suficiente para reacender fortes protestos nas ruas de Beirute, durante o último final de semana. Já no sábado, assistimos o chamado “Dia da Fúria”, onde pelo menos 10 mil manifestantes participaram de protestos. Houve uma ocupação da sede do Ministério das Relações Exteriores e os manifestantes tentaram ocupar também a sede do parlamento, mas foram duramente reprimidos.

Os protestos continuaram no domingo, provocando a renúncia de 5 ministros e colocando o Primeiro-Ministro Hassan Diab contra a parede. Ele chegou a anunciar a antecipação das eleições, mas a crescente crise política levou a sua renúncia, já nesta última segunda-feira.

O Presidente do Líbano, Michel Aoun, aceitou a renúncia de Diab, mas pediu que ele continuasse no cargo até que o atual parlamento indicasse um novo governo, gerando uma enorme dúvida acerca da proposta de antecipação das eleições.

A ajuda financeira anunciada por governos europeus e pelos EUA para reconstruir Beirute, vem sempre acompanhada de exigências para aplicação de ajustes econômicos que vão aprofundar ainda mais a já terrível condição de vida da maioria do povo do Líbano.

Entretanto, a voz das ruas pede uma mudança profunda tanto na política econômica como no regime político, muito além de uma mera substituição de governo, ainda mais definida pela atual elite política, corrupta e reacionária. Na verdade, especialmente a juventude libanesa, sob os gritos de “revolução”, pede o fim do atual regime político, no mínimo com a antecipação imediata de eleições livres. Nem o Hezbollah (Partido de Deus, de origem Xiita), que atualmente ocupa importantes postos no governo, vem sendo poupado pelos manifestantes.

Portanto, as tensões políticas estão longe de terminarem no Líbano, ainda mais devido ao aprofundamento da crise econômica e social, agravadas pela terrível explosão e, também, com as consequências sanitárias da pandemia. Caso não sejam anunciadas novas eleições antecipadas e mudanças significativas no regime político, os protestem podem continuar nas próximas semanas, ampliando ainda mais a atual crise política.

As organizações de esquerda e os movimentos sociais devem intensificar uma campanha internacional de solidariedade, que deve ter sim, em primeiro lugar, um caráter humanitário, mas deve também se estender ao apoio político aos protestos populares no Líbano.

Referências:

https://brasil.elpais.com/internacional/2020-08-10/primeiro-ministro-do-libano-anuncia-sua-demissao-apos-catastrofe-em-beirute.html

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2020/08/10/governo-do-libano-renunciaem-meio-a-furia-de-manifestantes-apos-explosao-em-beirute.htm

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/08/11/aumenta-para-171-numero-de-mortos-em-explosao-no-porto-de-beirute.htm

https://esquerdaonline.com.br/2019/10/28/libano-o-povo-exige-a-queda-do-regime/

https://esquerdaonline.com.br/2020/01/29/ha-um-enorme-potencial-progressista-nas-revoltas-do-mundo-arabe/

https://esquerdaonline.com.br/2020/08/05/a-tragedia-humanitaria-no-libano-e-as-tensoes-politicas-no-pais/

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Líbano