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Colunas

Relato 27: “(Ainda e Sempre) por uma sociedade sem manicômios!”

Que Loucura!

Coluna antimanicomial, antiproibicionista, abolicionista penal e anticapitalista. Esse espaço se propõe a receber relatos de pessoas que têm ou já tiveram alguma experiência com a loucura: 1) pessoas da classe trabalhadora (dos segmentos de pessoas usuárias, familiares, trabalhadoras, gestoras, estudantes, residentes, defensoras públicas, pesquisadoras) que já viveram a experiência da loucura, do sofrimento psicossocial, já foram atendidas ou deixaram de ser atendidas e/ou trabalham ou trabalharam em algum dispositivo de saúde e/ou assistência do SUS, de entidades privadas ou do terceiro setor; 2) pessoas egressas do sistema prisional; 3) pessoas sobreviventes de manicômios, como comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos, e outras instituições asilares; 4) pessoas do controle social; 5) pessoas da sociedade civil organizada, movimentos sociais Antimanicomiais, Antiproibicionistas, Abolicionistas Penais, Antirracistas, AntiLGBTFóbicos, Anticapitalistas e Feministas. Temos como princípio o fim de tudo que aprisiona e tutela e lutamos por uma sociedade sem manicômios, sem comunidades terapêuticas e sem prisões!

COLUNISTAS

Monica Vasconcellos Cruvinel – Mulher, feminista, militante da Resistência/Campinas e da Coletiva Nacional de Mulheres Antimanicomiais – CONAMAM;

Laura Fusaro Camey – Militante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA);

Se você quer compartilhar o seu relato conosco, escreva para [email protected]. O relato pode ser anônimo.

Por Luciano Marques Lira

Eu sou Luciano Marque Lira, paulistano, tenho 49 anos de idade, nasci no dia 27/10/74, filho de mãe solteira, hoje mãe solo. Há 50 anos atrás ser mãe solo era ser vista como uma puta. Minha mãe foi doméstica e me colocou no orfanato até 9 anos de idade. Em 1984, com 10 anos, eu morava em Alagoas, terra da minha mãe. Em 1987, fui atropelado – acidente que atingiu a minha bexiga e em decorrência do qual precisei fazer uma cirurgia. Em 1989 voltamos para São Paulo, capital e lá trabalhei como office boy, vendedor de salgadinhos, fui engraxate, vendi picolé e depois arrumei emprego de porteiro, trabalhei nos Correios, já concursado. 

Minha adolescência foi difícil, eu era muito revoltado com minha família, principalmente, com minha mãe. Eu tinha vergonha de mostrar meu documento de identidade, pois nele não constava o nome do meu pai.

Em 1996 eu tive um surto, síndrome do pânico, ouvia vozes negativas e positivas, perdi o posto nos Correios e só fiquei em casa chorando, sem dormir e sem comer, com pensamentos suicidas. A doença mental é invisível, não se diagnostica na hora, leva tempo. 

Nesta época, eu morava em São Paulo pagando aluguel e eu vim para o Campinas, onde já moravam minha irmã e minha prima. Vimos um pequeno terreno, no qual caberia um cômodo só e construímos o nosso lar. Graças a Deus saímos do aluguel da casa. Moro em Campinas desde o dia 19 de abril de 1987.

Em 1998 eu tive uma experiência horrível. Fiquei internado por 30 dias em um manicômio, o Tibiriça, na região de Joaquim Egídio. Lá pude ver os pacientes se lambuzando com suas próprias fezes e urina e, a partir de então, comecei a dar mais importância para minha família. Minha mãe, minha tia, minha irmã e meus primos foram me visitar. Eu vi a importância da família. Hoje eu amo minha família. Aquela revolta do passado acabou.

Tenho três sobrinhos maravilhosos: um rapaz de 23 anos e as meninas de 18 e 20 anos. Hoje eu percebo que se não estamos bem com nossa família, lá fora não vai ser diferente. 

Faço tratamento no CAPS há 27 anos, tenho diagnóstico de esquizofrenia desde 2002. Doença não tem cura, mas tem controle. Faço parte do primeiro grupo de Ouvidores de Vozes do Brasil, em Campinas. Sou radialista do programa de rádio Maluco Beleza, no Cândido Ferreira. Quem poderia imaginar que há 30 anos atrás, um manicômio, teria um estúdio de rádio?

Eu já adoeci no início da reforma psiquiátrica. O que eu tive, o meu diagnóstico, se fosse na década de 30, 40 ou 70, teria sido confinado em um manicômio e eu não estaria aqui para contar a história de tudo que passei e os desafios que superei. Já fiz parte do GAM, pesquisa que implementava a Gestão Autônoma de Medicamento. Inclusive, cheguei a ir ao Canadá com este projeto de pesquisa. E, atualmente, trabalho em um projeto de pesquisa de Suporte de Pares, em um convênio da UNICAMP e da Universidade de Yale. Meu sonho é que daqui uns anos, todas as pessoas usuárias deste atual projeto de pesquisa possas ir aos Estados Unidos. Agradeço à todas/os pesquisadores do Projeto de Suporte de Pares pela parceria.

Gosto sempre de terminar com o slogan “Por uma Sociedade Sem Manicômios”!