Aconteceu ontem e hoje (11 e 12) em Vilnius, Lituânia, mais uma reunião dos chefes de Estado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A reunião era bastante esperada em função das importantes decisões que deveriam ser tomadas ao longo desses dois dias.
Algumas questões dominaram a pauta. Em primeiro lugar, estava pendente o problema do ingresso da Suécia na aliança, o que foi resolvido ainda antes do encontro em uma reunião entre o primeiro-ministro da Suécia Ulf Kristersson, o secretário-geral da OTAN Jens Stoltenberg e o presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan. A Turquia vinha barrando a entrada da Suécia na OTAN em função das relações que o país nórdico tem estabelecido com a diáspora curda, nação oprimida na Turquia. Erdogan estava disposto a vender caro a autorização para o ingresso da Suécia (qualquer novo membro deve ser aprovado por unanimidade entre todos os participantes da aliança), e conseguiu. Após anunciar que enviaria o protocolo de adesão da Suécia à aliança ao parlamento turco para ratificação, o secretário de Defesa dos Estados Unidos Lloyd Austin telefonou para o colega turco Yasar Guler e anunciou que os Estados Unidos passaria a considerar a venda para a Turquia de 40 caças F-16, uma antiga reivindicação de Ancara.
Mas as grandes questões diziam respeito, claro, à segurança europeia e à guerra na Ucrânia.
Em seu comunicado final, a aliança anunciou o que já era esperado. As portas para Ucrânia seguem abertas, mas o país não se tornará membro da aliança enquanto estiver em guerra com a Rússia. Foi acertado um procedimento simplificado para que Kiev possa pleitear o ingresso, mas sem garantias ou prazo definido. Aliás, Stoltenberg afirmou com todas as letras que o ingresso da Ucrânia na OTAN só tem sentido se o país vencer a guerra.
A decisão, obviamente, não agradou Zelenski, que estava presente na reunião e vinha pleiteando um convite para o ingresso imediato à aliança. A compreensão que acabou prevalecendo é que a entrada da Ucrânia na OTAN ainda em estado de guerra acionaria o Artigo 5 do tratado, que obriga todos os países da aliança a defenderem um membro agredido, o que por sua vez acarretaria uma guerra de grandes proporções com a Rússia, coisa que ninguém quer.
A escalada no conflito
No entanto, seria errado pensar que o não ingresso da Ucrânia na OTAN por agora aponta para um caminho de pacificação do conflito. Ao contrário. Os líderes da OTAN foram unânimes em aprovar um novo pacote plurianual de ajuda militar à Ucrânia, além de tomarem uma série de medidas para reforçar a segurança europeia, como planos específicos de defesa para as regiões norte, centro e sul da Europa e elevação do grau de prontidão de até 300 mil soldados estacionados na Europa. Fala-se também da instalação de mais equipamentos da OTAN em países chaves fronteiriços com a Rússia, como Finlândia e países bálticos. Outra medida adotada é a elevação do padrão OTAN de financiamento militar para o mínimo de 2% do PIB dos países membros.
Todas as decisões, somadas à ajuda que já vinha sendo prestada e à recente resolução norte-americana de fornecer bombas de fragmentação à Ucrânia, devem significar uma escalada no conflito.
De maneira geral, já se observa um aumento das tensões no último período. Um dos pontos de conflito gira em torno da situação da usina nuclear de Zaporojia, sob controle russo na região de mesmo nome. A Ucrânia acusa a Rússia de preparar uma provocação envolvendo a usina. Chegaram a anunciar que os russos estariam minando o território da planta e até o teto de um dos reatores para provocar uma explosão. Essa tese, no entanto, não foi confirmada pelos técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), que visitaram as instalações na usina recentemente. A Rússia, por sua vez, acusa a Ucrânia de preparar um ataque contra a mesma usina, a partir de mísseis de cruzeiro. O ex-presidente russo e hoje vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvédiev chegou a afirmar que, caso haja um ataque contra a planta de Zaporojia ou qualquer outra instalação atômica russa, a Rússia deveria revidar com um ataque a outra instalação nuclear no território ucraniano. Lembremos que explodir usinas não é um tabu nesta guerra. Vide a destruição da represa de Kakhovka, ocorrida no início de junho e até agora sem elucidação. A única diferença é que Kakhovka era uma usina hidrelétrica. Zaporojia é uma usina nuclear.
Também recentemente, o presidente do Conselho de Política Externa e de Defesa, uma espécie de think tank com importante peso na Rússia, e reitor da Faculdade de Economia Mundial e Assuntos Internacionais da Escola Superior de Economia de Moscou, Serguei Karagánov, defendeu em artigo que a Rússia realize um ataque nuclear preventivo contra o Ocidente como meio de vencer a guerra defintivamente. Segundo Karagánov, existem todas as chances de que o Ocidente não revide, o que colocaria Rússia na condição de vencedora absoluta do conflito. Se por um lado Karagánov não ocupa qualquer cargo oficial no governo, por outro, seu artigo – com grande repercussão, diga-se de passagem – ajuda a normalizar na opinião pública russa a ideia de um ataque nuclear. Ou seja, as portas do inferno não se abriram totalmente, mas já se sente o calor das fornalhas pelas frestas.
Mas não são somente os russos os vilões. Em geral, alianças militares são a antessala da guerra e não deveriam existir. Lembremos que a OTAN é uma organização militar que se proclama “de defesa”, mas cujo orçamento é de US$ 1,26 trilhão, mais do que a soma de todos os outros orçamentos militares do mundo. Ela já colocou US$ 165 bilhões no conflito Rússia-Ucrânia e provou agora na prática que está disposta a muito mais. Independente do resultado da guerra, a Ucrânia que sairá do conflito será um país destruído pelas bombas, mas também por uma dívida que levará décadas para ser paga.
Assim, como viemos afirmando neste site desde o início do conflito, trata-se de uma guerra de duplo caráter. Por um lado, há uma invasão promovida por um país historicamente opressor contra um país historicamente oprimido e essa invasão, obviamente, deve ser condenada. Por outro, há um conflito interimperialista entre a Rússia e a OTAN, que desde 1999 tem se aproximado das fronteiras russas como parte da preparação para esta guerra. E este aspecto também deve ser denunciado. Nesse segundo sentido, é uma guerra por procuração que só tem conduzido à morte e ao sofrimento da população ucraniana e ao aumento da repressão na Rússia.
De todo modo, o conflito parece não ter solução militar. Mais do que nunca, é preciso um cessar-fogo que abra caminho para as negociações paz e permita a retomada da vida normal da população. Uma paz democrática, sem anexações, baseada na retirada das tropas russas das regiões ocupadas e da OTAN de todo o leste europeu.
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