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MUNDO

Tucker Carlson entrevista Putin para agitar o cenário político americano

Gibran Jordão, historiador e colaborador do Esquerda Online
Tass

No dia 08 de fevereiro, semana passada, quando o Brasil se preparava para viver o maior espetáculo artístico-cultural do planeta, que é o carnaval. O conhecido apresentador Tucker Carlson, ex-Fox News, foi a Moscou realizar uma entrevista que durou mais de duas horas com o atual presidente da Rússia, Wladimir Putin. Pelo tom cordial e pela condução despreocupada em tensionar o presidente russo, essa entrevista foi para Putin um golaço. Possibilitou furar relativamente a bolha do controle midiático exercido pelo estado americano no mundo, com potencial de atrapalhar ainda mais os planos dos democratas num ano eleitoral. 

A agressividade dos comentários sobre essa entrevista, que partiu dos principais meios de comunicação ligados aos democratas nos EUA foi brutal. Praticamente todas as manchetes e principais analistas acusaram Carlson de ser pró-Rússia e tentaram a todo custo desmoralizar o apresentador. Não poderia ser diferente, a desenvoltura de Putin foi muito boa nas respostas sobre a guerra contra a Ucrânia, como também na exemplificação dos erros geopolíticos dos EUA cometidos no passado como na atual administração Biden. A preocupação com a repercussão dessa entrevista é muito grande, pois o governo norte americano nesse exato momento tenta conseguir convencer o seu congresso de aprovar mais um pacote bilionário para ajudar a Ucrânia na guerra contra a Rússia, embora tenha sido aprovado no senado, terá dificuldades de ser aprovado na câmara dos deputados. Perguntada sobre a repercussão da entrevista, Hilary Clinton chegou a usar as expressões “idiota útil” e “cachorrinho de Putin” para se referir ao papel do apresentador Tucker Carlson nessa entrevista. Analistas do New York Times, CNN e Washington Post foram na mesma linha de criticar a postura do apresentador diante do chefe do estado russo. A imprensa brasileira majoritariamente fingiu que essa entrevista simplesmente não aconteceu e a repercussão no Brasil ficou a cargo de canais e veículos que buscam analisar a guerra na Ucrânia por lentes alternativas, como essa plataforma no qual você lê esse texto. 

Outro beneficiado pela grande repercussão dessa entrevista é o ex-presidente Donald Trump, as criticas de Putin à condução que a administração Biden tem feito no apoio a Ucrânia, demonstrando como as sanções contra a Rússia não funcionam e acabam se voltado contra o próprio EUA, de alguma forma acabam fortalecendo a candidatura de Trump a presidência. Alguns dias após a entrevista de Putin, em discurso na Carolina do Sul, o líder dos republicanos fez uma declaração que abalou todos os aliados do atlântico norte. Segundo Trump, perguntado por um presidente de um país membro da Otan se as forças militares dos EUA os protegeria mesmo em caso de inadimplência com os fundos da Otan, Trump diz ter respondido o seguinte: Não, eu não protegeria você”… “Na verdade, eu os encorajaria a fazerem o que diabos quiserem. Vocês têm que pagar. Têm que pagar suas contas.” No mesmo dia a Casa Branca emitiu uma nota publica condenando essa declaração de Trump. 

Nitidamente há um racha entre a elite que comanda os EUA, inflamada nesse período eleitoral, que expressa uma diferença em lidar com vários assuntos internos e determinados temas que envolve a política externa, a disputa de hegemonia global, o que acaba envolvendo a própria relação com a OTAN. O fato dos EUA estarem atolados na Ucrânia e a Rússia estar dando todos os sinais de que está no seu melhor momento na guerra, é um prato cheio para os republicanos baterem duro na administração Biden. As pesquisas eleitorais mostram Trump a frente, e qualquer ofensiva militar que demonstre mais avanços de Putin no território ucraniano nos próximos meses poderá ser mortal para as pretensões eleitorais dos democratas. 

Vamos então analisar alguns pontos fundamentais dessa entrevista que para além de incidir no cenário político americano, acabou trazendo vários temas mais densos aos quais toda a esquerda e as organizações socialistas devem refletir sobre o cenário global. 

“O ESTADO UCRÂNIANO É UMA INVENÇÃO DOS BOLCHEVIQUES…”

Putin inicia a entrevista fazendo uma longa exposição de elementos históricos que segundo ele, confirmam que a Ucrânia é parte constituinte do povo russo, considerando então que não existe um povo ucraniano, que essa denominação nunca teve o objetivo de designar um grupo étnico. Especialmente pelo fato de terem o território, a religião, uma língua, vários elementos culturais e históricos comuns desde a fundação do estado russo no ano de 862. Evidentemente essa aula de história sobre a formação do estado russo feita por Putin, é um argumento bem elaborado para poder legitimar a anexação de territórios ucranianos feitos recentemente como a Crimeia, Donbass e porque não justificar uma possível anexação de toda a Ucrânia. 

É importante chamar a atenção do leitor, que não é um conhecedor íntimo de como é formado a população russa, sobre as várias nacionalidades e etnias que mesmo em minoria, compõe historicamente essa população. Essa unidade de povos distintos em vários momentos da história foi motivo de conflitos, guerras, disputas de territórios, tensão política e opressão da maioria sobre as minorias.  Nesse tema, Putin faz questão de delimitar uma diferença com a política dos bolcheviques, especialmente com a posição de Lenin sobre a questão das nacionalidades. Para o atual chefe do estado russo, a política elaborada por Lênin na questão das nacionalidades era equivocada e contribuiu para a quebra da unidade do estado russo, citando a Ucrânia como exemplo de uma espécie de invenção dos soviéticos. 

Não é a primeira vez que Putin faz questão de expressar essa diferença com Lênin, em discurso que antecedeu a invasão da Ucrânia, ele cita categoricamente a política leninista sobre as nacionalidades. Em texto que escrevemos sobre tensões geopolíticas atuais, chegamos a citar trechos desse discurso que demonstra como Putin pensa totalmente diferente de Lênin nesse tema, ver em: https://esquerdaonline.com.br/2024/01/24/geopolitica-sob-alta-tensao-uma-3o-guerra-mundial-se-aproxima/.  

Os bolcheviques durante a queda do império czarista e nos anos iniciais da formação do estado soviético, defendiam em geral uma política que admitia o direito a auto determinação das nacionalidades que estavam participando do processo de formação do estado soviético. Lenin era contra a submissão forçada dos povos não-russos, e que esses deveriam ter o direito inclusive da separação do estado soviético e formar o seu próprio estado caso fosse a vontade de determinada nação. O pensamento leninista acreditava que a tolerância as nações oprimidas e minorias, era a política mais acertada para ganhar a confiança desses povos na construção do estado soviético. Tratava-se de estabelecer uma relação estatal superior e diferenciada ao tratamento que o império czarista e o próprio imperialismo burguês submetia nações menores e oprimidas. 

Em seus últimos anos de vida, já com debilidades de saúde, a questão das nacionalidades incomodava muito Lenin, em cartas que foram ditadas para suas secretárias ao final de 1922, era notório sua insatisfação com Stalin na questão da Geórgia. Se não vejamos alguns trechos: 

Em tais condições, é muito natural que a “liberdade de sair da união”, com a qual nos legitimamos, se revelará um documento vazio, incapaz de defender as outras nacionalidades da Rússia da invasão daquele homem genuinamente russo, do chauvinista grão-russo, enfim, do patife e opressor que constitui o típico burocrata russo. Não há dúvidas de que o ínfimo percentual de operários soviéticos e sovietizados afundará nesse mar de canalhas grão-russos e chauvinistas, como a mosca no leite…

“…Em defesa dessas medidas, dizem que se dividiram os comissariados do povo diretamente concernentes à psicologia e à educação das nacionalidades. Mas aí existe a questão sobre se é possível dividir plenamente esses comissariados, e a questão sobre se nós tomamos, com o cuidado suficiente, medidas para realmente defender as outras nacionalidades do leão-de-chácara genuinamente russo. Julgo que não tomamos essas medidas, embora pudéssemos e devêssemos tomá-las. Penso que desempenharam aí um funesto papel a precipitação e o fervor burocratista de Stalin, bem como sua exasperação contra o tão falado “social-nacionalismo”. Via de regra, a exasperação costuma desempenhar na política o mesmo papel danoso…

“…Eu já havia escrito em minhas obras sobre a questão nacional que não serve para nada avançar a questão do nacionalismo de forma genérica e abstrata. É necessário distinguir entre nacionalismo de nação opressora e nacionalismo de nação oprimida, entre nacionalismo de nação grande e nacionalismo de nação pequena…

“…O que importa para o proletário? Ao proletário não é apenas importante, mas também vitalmente necessário, garantir o máximo de confiança por parte dos povos subjugados na luta proletária de classes. O que é preciso para tanto? Para tanto é necessária não somente a igualdade formal, mas também compensar de uma forma ou outra, em suas declarações e concessões relacionadas às outras nacionalidades, a desconfiança, a suspeita e os ressentimentos infligidos no passado histórico por quem governava o povo da grande potência…

…É por isso que, em tal situação, é melhor pecar pelo excesso de transigência e brandura para com as minorias nacionais do que pela falta delas. É por isso que, nesse caso, o interesse fundamental da solidariedade proletária e, por conseguinte, da luta proletária de classes exige que nunca incorramos em formalismo ante a questão nacional e que sempre levemos em conta a impreterível diferença de abordagem entre o proletário de nação oprimida (ou pequena) e o de nação opressora (ou grande)…

…Uma coisa é a necessidade de coligarmo-nos contra os imperialistas do Ocidente, que defendem o mundo capitalista; dela não se pode duvidar, e não preciso repetir como eu apoio irrestritamente essas medidas. Outra coisa é quando nós mesmos recaímos, ainda que em detalhes mínimos, na abordagem imperialista para com as nacionalidades oprimidas, assim quebrando completamente toda nossa franqueza de princípios, toda nossa defesa ideológica do combate ao imperialismo. E o dia de amanhã na história mundial será exatamente o dia em que os povos oprimidos pelo imperialismo finalmente começarão a despertar e em que começará a longa e penosa luta decisiva por sua libertação.

(Trechos de cartas que constam em W.Lenin, Obras Completas, 5º edição de 1970. Moscou, Editora Politizdat)

Em 2024 faz 100 anos da morte de Lenin, e essas ultimas elaborações sobre a questão nacional tem elementos proféticos. Para o principal líder da história soviética, a revolução deveria criar uma união de republicas que fosse um exemplo de respeito e convivência mutua de distintas nacionalidades que sempre foram oprimidas. Ao ponto de se tornar uma referência real de alternativa ao imperialismo burgûes capitalista. Podemos considerar que o ódio contemporâneo dos povos de vários países do leste europeu ao que eles conheceram como socialismo, leia-se: stalinismo. Permite que façamos um duro balanço, no qual os princípios leninistas foram jogados na lata do lixo, sendo portanto, uma das razões principais da restauração capitalista no leste europeu. 

Nunca podemos esquecer que apesar de ser hoje um contra ponto ao imperialismo norte americano e a Otan, o governo Putin na Rússia é produto da restauração capitalista, em outras palavras, é uma consequência da derrota do comunismo no leste europeu. Fato que é confirmado pelo próprio Putin nessa entrevista, no qual ele pergunta ao entrevistador, como se perguntasse ao próprio imperialismo norte americano: “Não somos mais comunistas, somos burgueses, porque ainda nos rejeitam? Porque não podemos entrar na Otan? Porque não podemos criar um sistema antimísseis em conjunto? Porque vocês apoiam as forças anti-russia na Ucrânia?”. 

Tucker Carlson chega a dizer que sente em Putin uma certa amargura e pergunta quais seriam os motivos de tal rejeição. Putin responde que não se trata de amargura, que entende que os EUA não querem uma parceria e que portanto vão construir as relações de outra forma. Quanto aos reais motivos, Putin pede ao entrevistador que pergunte aos seus lideres os motivos. 

PUTIN ACUSA O OCIDENTE DE COMEÇAR A GUERRA COM O GOLPE DE 2014 – EUROMAIDAN. 

A política externa imperialista dos EUA e aliados da OTAN tem sido tão agressiva, que os erros por excesso tem muitas vezes gerado consequências que tem se voltado contra eles mesmos nesse momento da história. Ao tentarem submeter o mundo militarmente e economicamente criaram tantos inimigos e guerras infinitas que hoje estão com dificuldades preocupantes no terreno militar e econômico. A guerra na Ucrânia, os horrores e tensões que podem escalar na região do mar vermelho, os levantes contra a França no continente africano, a questão da imigração, os problemas econômicos na Alemanha e consequentemente na União Europeia são sinais de que as coisas não vão nada bem. Demonstrando uma tendencia ao aprofundamento da crise de hegemonia do capital no mundo… 

Em relação a guerra da Ucrânia, Putin vai desenhando as decisões dos EUA desde 2008 de expandir a Otan para o leste europeu, mas precisamente a partir da cúpula de Bucareste na Romênia e no apoio concreto às forças anti-russia na Ucrânia, incluindo aí organizações ukronazis que atuaram no golpe de estado em 2014 que derrubou um governo mais aliado da Rússia, empossando Zelenski que atua alinhado com Washington. O caso da Ucrânia, facilita a resposta da indagação dos motivos pelos quais a Russia nunca foi aceita no clubinho imperialista da OTAN, pois os planos para os russos são categoricamente outros. Só é possível os EUA resolver a crise de hegemonia do sistema capitalista se conseguirem impor o seu domínio submetendo a Rússia e a China economicamente e militarmente. Podem até errar a mão e acabar não atingindo esses objetivos, pode haver diferenças táticas na cúpula norte-americana de como avançar com suas pretensões imperialistas e pode até ser que se consolide então no mundo uma época multipolar com tensões permanentes. Mas até agora tem predominado a estratégia imperialista de consolidar bases da Otan nas fronteiras russas, estabelecer sanções econômicas a cada reclame ou resposta russa e agitar uma forte propaganda contra Putin em toda a mídia global para tentar isolar e desmoralizar o líder russo. 

Acertadamente Putin na entrevista faz questão de demonstrar que os erros dos EUA e aliados, estão prejudicando eles mesmos, numa tentativa de conversar com o próprio publico norte americano e europeu. Citando exemplos num tom orgulhoso de que mesmo com as sanções, a economia russa se tornou a quinta maior do mundo e a maior da Europa, que a China já é o maior PIB do mundo em paridade de poder de compra e que os Brics estão se desenvolvendo muito rápido. Também no terreno militar Putin fez questão de destacar que o fato dos EUA se recusarem a criar um sistema antimísseis comum, obrigou a Rússia desenvolver um sistema de mísseis super sônicos capaz de superar os EUA e qualquer outro país do mundo. Todos esses dados não foram inventados, trata-se de números oficiais que não tem como ser refutados. 

O entrevistador demonstrando preocupação, acaba perguntando se essa situação não poderia causar uma terceira guerra mundial, indaga se há pretensões de atacar outros países para além da Ucrânia. Putin responde que só atacaria a Polônia por exemplo se a Rússia fosse atacada, e também confirma que a guerra poderia escalar para uma situação imprevisível se soldados norte americanos entrassem em solo ucraniano para lutar contra os russos. Situação que na opinião de Putin não vai acontecer, assim como não há como a Ucrânia vencer a guerra e que os governantes dos EUA e os países da Otan precisam rever sua atual política. Para o governo russo, o que eles estão fazendo é uma operação militar especial para acabar com a guerra que os EUA e a UE começaram quando apoiaram o Euromaidan em 2014. 

Putin chega a destacar que um dos objetivos da sua “operação militar especial” na Ucrânia, é a desnazificação do país. Claro que não é o único objetivo, e do ponto de vista da propaganda dos interesses russos, dar enfase a esse elemento, dialoga com a comunidade internacional. Mas de fato, é importante para a Russia desmantelar os grupos neonazistas ucranianos como o batalhão AZOV, afinal os povos eslavos, especialmente os russos, sempre foram alvos da estratégia nazista ao longo da história. Não há como a Rússia controlar parte ou todo o território Ucraniano com os Ukronazis fortalecidos e em operação. Obviamente essa desnazificação não significa que na Rússia não exista uma audiência de massas para forças de extrema direita, como o próprio partido de Putin que é ultranacionalista e conservador, a relação com o grupo Wagner não é por acaso. Mas explorar essas contradições não estava entre os objetivos do entrevistador, que pegou muito leve em toda a entrevista, e sabemos que não foi por mero despreparo. 

BIDEN OU TRUMP?

Essa pergunta foi feita a Putin, que respondeu dizendo que a personalidade não importa muito, pois é a política defendida pela elite norte americana que determina a relação com a Russia. Chegou a insinuar que em várias ocasiões seja com presidentes republicanos ou democratas, mesmo tendo uma bom relacionamento, era a burocracia governamental que decidia a política e não necessariamente os chefes de estado. Sutilmente tentou jogar uma desconfiança sobre a própria democracia estadunidense. 

Biden ou Trump? Essa é a decisão, a pergunta que o povo norte americano terá que responder esse ano, ainda que Trump esteja a frente das pesquisas, é difícil prever o que vai acontecer. Mas obviamente essa entrevista serviu tanto para Putin tentar furar bolhas, como para desgastar o governo Biden que nessa ocasião, é quem está dirigindo o apoio da OTAN a Ucrânia e isso interessa muito a Putin. 

Certamente o presidente russo não tem garantias que se Trump vencer, que automaticamente será formada uma situação favorável para a Rússia, seja na guerra ou em outros temas. Geralmente o que se diz em campanhas eleitorais, não necessariamente é o que acontece na vida real quando se ganha uma eleição e passa a governar. Democratas e Republicanos são faces de uma mesma moeda, sendo assim, torna-se um elemento absolutamente tático e circunstancial ter que escolher ou não entre essas duas alternativas de poder na eleição presidencial nos EUA. 

A TENSÃO GEOPOLÍTICA GLOBAL PERMANENTE… 

Ainda que tenhamos consciência de que o governo Putin é autoritário, conservador, burguês e de aspiração imperialista (e já existe gente séria que o classifique como imperialista). Seria muito problemático dar razão a OTAN em todo esse conflito na Ucrânia, está mais do que obvio que desde 2008, após a crise econômica mundial mais séria do século XXI, que os EUA tem intensificado suas intervenções políticas e militares para favorecer suas posições, os seus interesses e retomar seu absoluto protagonismo no mundo. 

É verdade que a Rússia é uma gigante potencia militar capaz de rivalizar com a OTAN, seu bom desempenho na guerra da Ucrânia demonstra isso. Da mesma forma a China está consolidando o seu protagonismo econômico no mundo, buscando construir relações diplomáticas diferentes do que vem estabelecendo os EUA, como uma forma talvez de ganhar uma confiança momentânea de outras nações na qual a disputa geopolítica exige. Essas duas potencias militar e econômica estão forjando um outro polo que disputa a hegemonia do capital ameaçando de alguma forma os EUA, transformando a situação geopolítica global numa tensão permanente, onde guerras regionais, guerras civis, golpes de estado e o fortalecimento de forças de extrema direita estão se tornando mais comuns como consequências dessa disputa global. 

Ao confrontar os EUA e obter resultados positivos, ainda que momentâneos, o polo Russia-China está sendo visto com muita simpatia e como uma alternativa política global por vários países de distintas posições ideológicas, até mesmo por parte da esquerda mundial, em especial setores social democratas moderados como o PT no Brasil, inclui aí também algumas organizações comunistas que reivindicam uma estratégia revolucionária ( ainda que essas sejam hoje ultra minoritárias no mundo). Isso tudo significa que o seculo XXI, diferentemente do seculo passado, sem a existência dos estados operários e de organizações revolucionárias com influencia de massas, coloca a classe trabalhadora e os povos oprimidos numa situação mais difícil e mais complexa no qual as encruzilhadas da tensão global permanente parecem não dar margem para direito de escolha. 

Trata-se da expressão de um retrocesso histórico. Em primeiro lugar é muito cedo para dizer que estamos diante de uma definitiva situação de multipolaridade global, essa nova configuração ainda está em encarniçada disputa, que para dizer o mínimo, está custando a vida de milhares de famílias Ucranianas e Palestinas nesse exato momento, podendo escalar para um descontrole geral. Em segundo lugar, não é possível prever quanto tempo vai durar essa tensão global permanente e quanto de prejuízo custará a humanidade, pois como consequência temos menos paz, mais armas nucleares, menos direitos humanos e mais catástrofes humanitárias, menos direitos democráticos, mais golpes de estado, menos direitos trabalhistas, mais desigualdade social em várias regiões do globo. Finalmente em terceiro lugar, uma possível superação da hegemonia norte americana no mundo, também não nos garante que vamos ter uma situação política melhor para a classe trabalhadora mundial, como também a garantia de ampliação de direitos civis e democráticos. Rússia e China não são bons exemplos de países que tem garantido direitos civis, democráticos e trabalhistas para sua própria população, porque estariam dispostos a garantir para seus “parceiros”? 

O momento exige muita cautela para evitar capitulações grosseiras, numa disputa global nos marcos do sistema capitalista, que nitidamente não está fazendo bem para o mundo, ficando ainda pior após uma pandemia mundial catastrófica. Embora Tucker Carsol tenha seus interesses próprios e cumpriu um papel importante para agitar o cenário político americano em ano eleitoral, a entrevista de Putin ajudou a revelar ao mundo as contradições e perigos que o imperialismo norte americano representa. Como também expôs de maneira mais nítida para esquerda mundial quais os objetivos estratégicos da Rússia, aos quais, não tem mais nada a ver com o pensamento de Lênin.