Poucos sabem, mas hoje, 12 de abril, é o dia da “cosmonáutica”, como se chama, em russo, toda a teoria e a prática da exploração espacial. O dia é reconhecido pela ONU, mas quase não se comemora fora da Rússia. É hoje porque no dia 12 de abril de 1961, o cosmonauta soviético Iuri Gagarin foi lançado ao espaço em uma cápsula metálica, deu uma volta inteira ao redor da Terra, a 315 km de altura, a uma velocidade de cerca de 28.000 km/h, em um voo que teve duração de 108 minutos, e retornou à superfície são e salvo. Dois anos depois, em 1963, uma operária tecelã chamada Valentina Terechkova, que gostava de saltar de para-quedas com as amigas nos fins de semana, repetiria o feito e se tornaria a primeira mulher a viajar pelo espaço.
No Brasil, a chegada do homem à Lua, ocorrida em 1969, sempre teve um peso muito maior no imaginário popular do que o voo de Gagarin de 1961. É compreensível, devido à nossa condição de semi-colônia norte-americana. Mas é, para dizer o mínimo, uma injustiça com Gagarin. Não se pode menosprezar o feito de Armstrong. Mas o pioneirismo do cosmonauta soviético é maior. Ele mostrou que, em princípio, a sobrevivência de um ser humano no espaço era possível. Seu voo não foi a única revolução na conquista do Cosmos. Houve várias outras depois. Mas apenas depois. Ele abriu uma janela infinita de possibilidades e horizontes até hoje inexplorados.
Filho de um marceneiro e de uma operária da indústria leiteira, Gagarin era dotado de uma enorme coragem pessoal. Morreu ainda jovem, em 1968, fazendo o que mais gostava: pilotando aviões de teste. Dizem que seu carisma e simplicidade eram absolutamente cativantes. Foi receber uma medalha por bravura no Kremlin com os cadarços desamarrados. O detalhe foi capturado pelas câmeras, o que acrescentou ainda mais simpatia à sua figura. Até hoje, alguns monumentos a ele reproduzem esse curioso detalhe que ficou tão marcado na memória das pessoas. Durante a reentrada na atmosfera, a cápsula em que se encontrava Gagarin começou a se desmontar e ele viu pela escotilha feixes de metal derretido escorrendo pelo vidro. Quase morreu, mas no final apenas machucou o supercílio.
O voo de Gagarin abriu um período de otimismo e esperança na história soviética, marcado pelo degelo khruschoviano da repressão stalinista e pela promessa de construção breve do comunismo em escala nacional. Tais esperanças não se justificaram, sabemos hoje, mas é impossível exagerar seus efeitos nos corações e mentes daquela geração soviética chamada “sessentista”.
Gagarin esteve no Brasil poucos meses depois do voo para ser condecorado por Jânio Quadros. Saiu com uma ótima impressão do país e disse que Brasília parecia outro planeta, por causa da arquitetura modernista. A história que conhecemos omite ou diminui o grande feito de Gagarin. Talvez para alguns seja difícil aceitar o fato de que o primeiro ser humano a ir ao espaço vestia um capacete com a terrível sigla “CCCP”. Depois de Gagarin, o mesmo sistema social que “não deu certo” enviou várias sondas a Vênus, tantas outras a Marte e colocou em órbita uma estação espacial que até pouco tempo atrás estava em pleno funcionamento e que só foi suplantada pelo esforço conjunto de várias nações, que construíram a atual estação espacial internacional.
O capitalismo pode ter bons argumentos, mas foi uma economia nacionalizada, onde não existia propriedade privada, que enviou o primeiro objeto construído pelos seres humanos ao espaço, o “sputnik”, antecessor dos atuais satélites que mostram se o seu Uber está longe ou perto da sua casa.
Fala-se muito hoje da exploração de Marte e já se trabalha para retornar à Lua, mas a primeira foto da superfície de outro planeta foi tirada pela sonda soviética Venera, em 1975. É pouco provável que o robô Curiosity, que hoje desbrava as planícies e crateras do planeta vermelho, sobrevivesse aos 450ºC da superfície de Vênus, à pressão de 90 atmosferas terrestres e às tempestades de ácido sulfúrico enfrentadas pela Venera há quase 50 anos.
A corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética foi em muito um produto da Guerra Fria, é verdade. Mas não só isso. Esse é apenas um aspecto da história. Os programas espaciais norte-americano e soviético foram também um esforço genuíno empreendido por cientistas, pilotos, administradores, matemáticos, programadores, engenheiros e operários comuns para fazer a humanidade avançar na compreensão e conquista do Cosmos. Eles foram uma pequena demonstração das possibilidades oferecidas pela ciência e engenharia na luta por resolver os grandes problemas da humanidade.
O grande cientista norte-americano Carl Sagan disse certa vez que a visão da Terra desde o espaço é a mais verdadeira porque nela não se vê fronteiras artificiais e quase não há traços da ação humana. Do espaço, a Terra aparece em toda a sua grandeza, mas também em toda sua fragilidade.
Gagarin foi o primeiro a ter essa visão. Seu voo foi mais uma entre tantas provas da grandeza do espírito humano e das potencialidades do socialismo. Foi hoje, há 62 anos.
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