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BRASIL

Jantar e vacina para empresários, cultos e missas no auge da pandemia: Bolsonaro segue sua ofensiva genocida

Ações mostram a eterna busca de consenso do neofascismo brasileiro

Rafael Rabelo, de Fortaleza, CE
Reprodução

Dois fatos na semana passada mostram a ação do governo Bolsonaro para se legitimar diante do grande capital e enfrentar o desgaste causado pela condução criminosa da pandemia. O primeiro foi o jantar, promovido pelo empresário Washington Cinel no dia 07 de abril, que reuniu o presidente e um grupo de empresários, e o outro foi o uso do aparato jurídico de Estado (a Procuradoria Geral da República e Advocacia Geral de União), no dia 08, para que governos e prefeituras não tivessem autonomia para proibir celebrações religiosas presenciais no auge da pandemia.  

A iniciativa do jantar mostra o impacto negativo da carta assinada por 500 empresários, banqueiros e economistas exigindo do governo federal medidas mais efetivas no combate à COVID-19. O manifesto foi sentido no Palácio do Planalto. Como já tratado em outro artigo, aparentemente o PIB nacional começou a “precificar” o custo econômico das centenas de milhares de mortes causadas por uma pandemia sem controle e, colocando na balança, percebeu que ele é maior a médio e longo prazo do que o custo das medidas de isolamento social propostas por governos locais. 

O jantar foi proposto pelo Palácio do Planalto, tendo como anfitrião o proprietário de uma empresa de segurança privada, no sentido de reforçar a ideia de que Bolsonaro, mesmo enfraquecido e acuado pelo “centrão”, conserva o apoio de parte significativa do PIB nacional. 

Além daqueles que já costumeiramente lucram com a política da morte bolsonarista, como os grupos de segurança privada (FS Security, GOCIL), do agronegócio (Granja Faria, COSAN) e dos habituais apoiadores, como Flávio Rocha (Riachuelo) e Ricardo Mello (CEAGESP); é importante destacar entre os presentes grupos de comunicação como o SBT, CNN e Jovem Pan, empresas de saúde privada, como Albert Einstein, EMS, Hapvida; a especulação imobiliária (MRV), bancos (Bradesco, Inter, Safra), o setor de varejo (Multiplan); bem como o presidente da FIESP, Paulo Skaf.    

Apesar de contar com apenas nove dos 65 bilionários brasileiros segundo a revista Forbes e de possuir nomes considerados do “núcleo duro” neofascista, a lista é bastante representativa do capital brasileiro e a sua composição não é aleatória, ela trabalha em nome da legitimidade política de Bolsonaro.

Demonstra ainda uma demarcação de posição interburguesa entre Dória e Bolsonaro, fato este que pode ser confirmado pelas transcrições das falas dos presentes e do próprio presidente, a sua maneira grotesca, no sentido das duras críticas às medidas de isolamento propostas por governadores e prefeitos, mas com foco no governador de São Paulo. 

A curto prazo, a ganância e a falta de planejamento de nossa burguesia, aliado a inépcia do governo federal e do Congresso na aprovação de medidas de apoio ao pequeno e médio empresário tem levado à falência centenas de milhares de negócios e aumentado expressivamente o desemprego e a pobreza. Estes setores pequenos e médios, obviamente, não estiveram representados no jantar da última quarta-feira, mas este sentimento de “desespero” foi habilmente instrumentalizado pelos presentes. 

Camarote da vacina: “vacinação precoce” da burguesia

Outro ponto da reunião foi o Projeto de Lei 948/2021, chamado PL “Titanic”, que trata da compra de vacinas pela iniciativa privada com flexibilização tanto na necessidade de doação dos imunizantes para o SUS quanto na certificação pela ANVISA. O texto havia sido aprovado naquele dia pelos deputados federais. Obviamente todo o séquito presidencial concorda com a medida, defendida pelo empresariado e que, segundo os presentes, teria sido “mal compreendido” pela população. 

Na verdade, o PL “Titanic” foi muito bem compreendido, como uma alternativa de “vacinação precoce” por parte da classe dominante brasileira. Como já dito em outro texto, aparentemente o discurso negacionista e anti-vacina chegou no seu limite frente à realidade objetiva. A questão é que, além de permitir este sistema privado de “fura-fila”, o Projeto de Lei autoriza a compra de imunizantes sem comprovação da ANVISA e chega ao limite de não restringir vacinas com nível de maturidade baixo de acordo com a OMS. Apesar de restringir a vacinação aos ambientes de trabalho das empresas, fica claro que parte do empresariado nacional quer se vacinar antes e, ao mesmo tempo, quer imunizar seus trabalhadores com o que há de pior e menos comprovado no mercado. É uma questão de economia. 

Este fato demonstra nitidamente o caráter desta fração bolsonarista da burguesia brasileira, que ainda vê no presidente a melhor alternativa para a implementação de uma agenda ultraliberal, custe as vidas que custar. 

Para as igrejas: “O Estado é nosso, usem sem moderação”

Como “aparelho privado de hegemonia”, as igrejas têm um papel importante de manutenção de determinados projetos políticos, como faz a maioria do movimento evangélico neopentecostal em relação ao projeto bolsonarista. O bolsonarismo reconheceu a força e capilaridade deste movimento bem antes da campanha de 2018 e atuou para instrumentalizar a fé de centenas de milhares de brasileiros, convertendo o capitão em um “bom cristão”. 

Neste sentido, a polêmica em relação a autonomia dos governos locais na proibição de celebrações religiosas presenciais como medidas de contenção da COVID-19, trazida à tona pelo julgamento da ADPF 811 no dia 08, impetrada no Supremo Tribunal Federal pela ANAJURE (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), é bastante ilustrativa. 

A “Associação”, fundada há nove anos pela ministra Damares Alves na perspectiva de defender “os ideais do Estado Democrático de Direito e os valores do Cristianismo”, ampliou fortemente seu lobby político a partir da ascensão de Bolsonaro ao poder, em 2019, e tem trabalhado fortemente para “transformar o Brasil em um Estado teocrático”. Apesar destes elementos, o julgamento da ADPF 811 foi o primeiro caso em que a estrutura do Estado foi diretamente usada para defender um posicionamento privado da ANAJURE, por este motivo o fato, por si só, é bastante relevante.         

Com 351.469 mortes e uma média de 3.025 óbitos por dia resultantes da COVID-19, nada parece mais escandaloso do que se determinar que medidas restritivas que suspenderam as celebrações são questões referentes à liberdade religiosa e não à saúde pública. O uso da AGU e da PGR neste tópico, bem como as próprias falas apaixonadas de Augusto Aras e em especial de André Mendonça, são assustadoras. Bolsonaro, ao que parece, avançou um degrau na cooptação de instituições públicas à interesses privados.   

Compreender o movimento evangélico, dentro da sua força e capilaridade como “correia de transmissão” da política bolsonarista já era importante. Agora que esta questão envolve a saúde pública e o caos sanitário, é fundamental. 

O movimento neopentecostal tem se mostrado um fiel aliado do projeto bolsonarista e é um elemento importante na manutenção do impressionante número de aprovação do presidente, mesmo com a atual tragédia humanitária. No centro do projeto de poder do bloco neofascista brasileiro está a busca por sua legitimação como alternativa política, econômica e cultural frente às principais vertentes da classe dominante em nosso país. As contradições da nossa burguesia, a instabilidade política e a polarização que se estabeleceu principalmente após o golpe institucional de 2016 são, ao mesmo tempo, elementos que potencializaram a vitória eleitoral de Bolsonaro e entraves para sua legitimidade no poder. 

Bolsonaro busca ativamente o consenso para implementar seu projeto, custe as vidas que custar.

 

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