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A GPU e a IV Internacional nos anos 30

Paulo Aguena
Instituto Internacional de História Social (https://search.iisg.amsterdam/)

Leon Trotsky, em seu exílio em Prinkipo, na Turquia. À sua esquerda, Adolf Senin (na verdade o agente Abraham Sobolevicius. À sua direita, Roman Well, codinome do Ruvin Sobolevicius, e Zina, filha de Trotsky

Stalin estava arrependido de ter deixado Trotsky seguir para o exílio no início de 1929. No início dos anos 30 estava cada vez mais preocupado com sua persistência em construir uma alternativa de direção internacional (ver artigo no EOL “A fundação da IV Internacional”). Assim, lançou uma ofensiva infiltrando agentes secretos da GPU (a partir de 1934, NKVD) na direção dos agrupamentos trotskistas e no próprio centro internacional.

Alguns desses agentes promoveram intrigas, provocaram fracionamentos e mesmo cisões; outros foram simplesmente informantes; já outros foram diretamente responsáveis por assassinatos, sequestros e desaparecimentos. A identidade de alguns deles pôde ser revelada no momento, enquanto outros somente muitos anos depois. Sobre alguns ainda seguiram pairando dúvidas ou desconfianças nunca comprovadas. Mas, seguramente, sobre boa parte deles nunca pesou qualquer suspeita. 

Paul Okun, M.Mili ou Jacques Obin

Todos os homens que conseguiram chegar mais perto de Trotsky e seu filho, Liova (apelido de León Sedov, cujo nome completo era Lev Lvovitch Sedov), tinham alguns aspectos em comum: eram judeus nascidos nos países limítrofes com a Rússia, conheciam e falavam o idioma russo, o que foi fundamental para ganhar a confiança deles.

Jean van Heijenoort (1) escreveu sobre um deles – não o único, como veremos. Trata-se de Paul Okun, também conhecido como Obin. Ele era um judeu do sul da Ucrânia, vivendo como refugiado em Bruxelas, que havia mostrado simpatias ao trotskismo. (2)

Raymond Molinier (3) conseguiu que ele viesse a Paris no começo de dezembro de 1930. Em junho do ano seguinte, escreveu para Léon Sedov (Liova), então em Prinkipo (Turquia) – onde Trotsky vivia seu primeiro exílio – recomendando seu trabalho. Ele sabia alemão, francês e russo, o que o tornava um dos mais capacitados para a tarefa de secretário. Ao final, ele não chegou a morar em Prinkipo, mas fez uma visita de várias semanas. Trotsky gostava de trocar memórias de infância em russo com Mili. Voltando a Paris, logo se envolveu com o trabalho do Secretariado Internacional: primeiro com o francês Pierre Naville e o italiano Suzo e, posteriormente, junto a León Sedov. Ele passou a usar o nome de Mili numa referência ao povoado onde teria nascido, Milovoyé.

Em meados de 1932, Obin entrou em negociações com a embaixada soviética em Paris para retornar à Rússia. Ele recebeu permissão para voltar e morar em Kharkov, onde tinha parentes. Isso não deixou dúvidas sobre sua relação com Moscou, embora não fosse possível concluir se era um capitulador ou espião.

Isaac Deutscher, que erroneamente identificou Mili como um “americano” (“Mill”), parecia ter menos dúvidas que Jean Van Heijenoort sobre sua verdadeira identidade. Ele comentou que “Mili acabou sendo denunciado como um stalinista …”. (4) Georges Vereeken (5) também estava convencido de que Mili já era um agente stalinista quando trabalhava junto ao Secretariado Internacional. Ele insistiu que Mili contribuiu bastante para a ruptura que veio a ocorrer entre Léon Trotsky e Alfred Rosmer (6) , que era um dirigente importante do grupo francês. Alguns anos depois, Rosmer reatou relações com Trotsky, vindo a soldar uma amizade política para toda a vida. Apesar de já não ser parte movimento, por razões de segurança, foi na sua casa em Paris que se realizou a Conferência de fundação da IV Internacional.

Os irmãos Sobolevicius

Jean van Heijenoort, no entanto, não tinha nenhuma dúvida sobre os Sobolevicius: “Os irmãos Sobolevicius, Abraham e Ruvin, conhecidos na organização trotskista com os nomes de [Adolf] Senin e Román Well, apareceram no grupo trotskista alemão em Leipzig em 1929. Como é sabido agora, eles eram agentes da GPU recrutados e treinados há dois anos. Eram judeus lituanos.  (…) os irmãos Sobolevicius cresceram rapidamente na organização internacional. (…) Well assumiu a responsabilidade pela circulação do Boletim da Oposição na Alemanha. Liova [León Sedov] logo passou a contar com Well para a circulação da revista na própria Rússia e nos países fronteiriços, o que era muito mais grave. Os dois irmãos participaram da direção do grupo trotskista alemão e do trabalho do Secretariado Internacional.” (7)

Os Sobolevicius tiveram a confiança de Trotsky durante os três primeiros anos em que esteve exilado em Prinkipo. Segundo Deutscher, eles não eram iniciantes nos círculos trotskistas. Na Rússia, Senin foi correspondente do Saechsische Arbeiterzeitung, publicação da ala esquerda, momento em que pode se aproximar da oposição alemã em 1927. (8) Agrupados em torno do jornal Der Komunist, Well (ou Jack Soblen) e Senin ou (Robert Soblen) dirigiam um dos quatro grupos expulsos do PCA que, em 1930, fundaram a Oposição de Esquerda Unificada na Alemanha.

Van Heijenoort argumentou que os irmãos Sobolevicius, tal como Mili, sabiam utilizar muito bem o trabalho fracional para ascender nas organizações e, ao mesmo tempo, provocar ou aprofundar as crises. Na França, opunham-se ao grupo de Naville-Rosmer. Com isso, aproveitavam-se para ficar em torno de Trotsky que, durante um bom tempo, apoiou a ala de Molinier. Este, em 2 de dezembro de 1930, escrevia a Liova: “Román Well tem um ódio terrível contra Naville. (9)  Mili tem agora também um ódio muito grande contra Naville”. Produto desse enfrentamento, em 1930, Rosmer veio a romper com o grupo e, como dito acima, também com o próprio Trotsky. Isso contribuiu para debilitar muito o desenvolvimento do grupo francês, permanentemente marcado por conflitos e rupturas. 

Na Alemanha, os irmãos Sobolevicius contribuíram enormemente para o debilitamento da organização. Nas inúmeras controvérsias que havia sempre ficavam do lado de Trotsky contra o ultra-esquerdista Leninbund, outro grupo que havia dado origem à Oposição de esquerda alemã. Com o tempo, foram se inclinando cada vez mais para uma inquietante posição conciliadora com o stalinismo que, ao final, tornou-se assustadora. “Em 1932, os desacordos e as discussões se multiplicaram no grupo. Well e Senin organizaram uma ala de militantes que os seguiam. O diário do grupo trotskista alemão era Die permanente revolution. Em janeiro de 1933, Well e Senin publicaram um número falso do diário (…) que reclamava o retorno ao stalinismo e foi reproduzido, com os comentários apropriados, no principal diário do Partido Comunista alemão, Die rote Fahne. Às vésperas da chegada de Hitler ao poder, o grupo trotskista estava em pedaços”. (10)

Trotsky, aparentemente, não suspeitava das conexões da GPU com os irmãos Sobolevicius. Tanto é assim que Isaac Deutscher observou que, após a deserção de Mili do Secretariado Internacional, “Trotsky então procurou reformulá-lo com a ajuda de Senin-Well Sobolevicius.” (11) Em novembro de 1932, Senin chegou a ter um encontro com Trotsky em Copenhague para defender-se da acusação de ser um agente stalinista. No entanto, Trotsky o tratou como adversário político, já que ele o acusava de subestimar “as realizações industriais de Stálin e os efeitos duradouros da coletivização.” (12)  Ao que parece terminaram chegando a um acordo sobre o tema.

Deutscher observa que uma ruptura aberta entre eles e Trotsky veio a ocorrer em dezembro de 1932, quando Senin “moveu uma moção dissociando o Secretariado Internacional da Oposição de um dos ataques agudos de Trotsky contra Stalin”. De acordo com Deutscher, no entanto, “mesmo agora Trotsky não suspeitava de nenhum jogo sujo (crime), mas achava que Senin estava cedendo à ‘atração do partido’ e que isso poderia levá-lo à capitulação … Ele, evidentemente, lamentou perder um seguidor inteligente e útil, mas o rompimento se consumou e dentro em pouco Senin desaparecia do horizonte de Trotsky.” (13) De acordo com Van Heijenoort, somente após o primeiro julgamento de Moscou (1936), Trotsky começou a suspeitar que os irmãos Well e Senin pudessem ter sido espiões da GPU nas fileiras trotskistas. (14) 

Até 1935, Senin passou certo tempo na Rússia e ajudou a GPU na repressão aos trotskistas deportados. Durante os primeiros anos da guerra civil espanhola, soube-se que Well fazia constantemente o trajeto entre Toulouse e Barcelona. “Poderia escrever-se um livro inteiro sobre esse agente.”(15) . A identidade dos irmãos Sobolevicius veio à tona nos anos 1950. Román Well, até então conhecido como Robert Soblen, esteve envolvido no caso Rosenberg de espionagem atômica ocorrida em 1950 e recebeu uma sentença de trinta anos de prisão, da qual ele cumpriu dezoito anos. Seu irmão, Abraham, que passou a ser chamado de Jack Soblen, também foi preso nos Estados Unidos em 1957 e recebeu uma sentença de sete anos de prisão como agente de espionagem soviética. (16) 

Mark Zborowski

O caso de Mark Zborowski (conhecido como Étienne) foi, no entanto, o mais grave de todos. Após a ascensão de Hitler ao poder, León Sedov mudou-se de Berlim para Paris e foi, nos cinco anos seguintes, a figura mais importante do Secretariado Internacional. Durante a maior parte do tempo, Zborowski era seu colaborador mais próximo e continuou, após a morte de Sedov, a ser uma peça-chave no Secretariado Internacional.

Deutscher afirma que Zborowski era um “(…) jovem bem-educado, que estudara medicina e filosofia e trabalhava na organização sob o nome de Etiénne, ajudando a publicar o Bulletin [da Oposição de Esquerda Internacional] e participando de um pequeno comitê russo, que supostamente se ocupava da Oposição na URSS. Sendo de origem polonesa-ucraniana, Etiénne conhecia o russo e tinha bastante intimidade com os assuntos soviéticos – o que lhe permitiu prestar a Trotsky muitos serviços menores e ganhar a confiança de Liova”. (17) 

Jean Van Heijenoort agrega que “Zborowski havia chegado a Liova através do grupo trotskista francês. Ele se apresentou como estudante que tinha simpatias trotskistas e havia entrado no grupo. Jeanne (18) soube que ele sabia russo e o apresentou a Liova”.(19) 

O modus operandi de Zborowski era muito diferente dos irmãos Sobolevicius. Van Heijenoort observou: “minha impressão definitiva é que Zborowski nunca fez a Liova uma pergunta que pudesse provocar uma discussão política de qualquer tipo ou mesmo levar uma conversa séria sobre um assunto político. Ele foi prestativo, sempre disposto a cumprir as tarefas que Liova havia lhe confiado. Nada havia nele que se pudesse destacar, salvo sua insignificância.” (20) 

Tal era a confiança que Liova depositava em Etiénne que ele era o único que tinha a chave da sua caixa postal e, inclusive, uma parte do arquivo de Trotsky se encontrava em sua casa. Certa vez a GPU roubou parte do arquivo que, a pedido de Trotsky (por dinheiro e por segurança), havia sido levado para o escritório francês do Instituto Holandês de História Social. Considerando as pessoas que sabiam da transação (além de Etiénne, Boris Nikolaievsky, chefe do Instituto, e Madame Estrine, funcionária) a polícia desconfiou de Etiénne. No entanto, Sedov o defendeu dizendo que ele estava acima de qualquer suspeita: “prova disso é que no momento do mesmo [do assalto] guardava as partes mais valiosas do arquivo em sua casa”. (21) Possivelmente o objetivo do roubo era para impedir que o arquivo continuasse a ser transferido e, ao mesmo, tempo aumentar a confiança de Sedov e Trotsky em Etiénne. 

Zborowski esteve implicado na morte de vários dirigentes trotskistas pela GPU, a começar pelo próprio León Sedov. Foi ele quem deu todo apoio ao plano fatal de Liova de procurar uma clínica médica russa quando acometido por uma crise de apendicite, em 08 de fevereiro de 1938. Sem o conhecimento do grupo francês, com cuja direção ele se encontrava em conflito, acreditou ser menos arriscado se dirigir a uma clínica russa que a uma francesa, devendo apresentar-se com um nome falso. Para despistar a GPU se identificou como um engenheiro francês (monsieur Martin), embora seu sotaque russo fosse indisfarçável. 

A cirurgia terminou transcorrendo bem, mas depois de quatro dias teve uma recaída com dores que o levou a perda de consciência. No dia 13 foi encontrado caminhando seminu e com alucinações no corredor do hospital. Agonizou durante dias até encontrar a morte em 16 de fevereiro. O boletim médico apontou como causa mortis complicações pós-cirúrgicas (“oclusão intestinal”) que, encontrando o paciente com uma saúde já bastante debilitada e o coração fraco, o mesmo não pôde resistir. 

Ocorre que a tal clínica era dirigida por médicos russos exilados, sendo a maioria funcionários da oposição branca e agentes stalinistas. Jeanne, sua companheira, acreditava que ele havia sido envenenado pela GPU. Policiais e médicos negaram que pudesse ter ocorrido envenenamento ou qualquer outro tipo atentado. No entanto, o próprio médico de Liova chegou a levantar a hipótese de suicídio, mas, estranhamente, logo se calou. Jeanne queria pedir um novo inquérito policial, mas Trotsky, não sem a influência de Etiénne, não a apoiou. O próprio Etiénne atuou para evitá-lo. Apresentando-se à polícia como o mais íntimo amigo de Sedov, logo tratou de descartar a possibilidade de qualquer atentado. 

No entanto, depois da morte de Sedov, Etiénne não teve dificuldade em substitui-lo: ficou responsável pelo Boletim internacional, passou a ser o principal correspondente de Trotsky na Europa, sendo também quem mantinha o contato com os novos refugiados do terror stalinista. (22)

Isaac Deutscher levantou a possibilidade de que Zborowski também estivesse relação com assassinato de Rudolf Klement, responsável de todo o trabalho administrativo do Secretariado Internacional. Segundo Heijenoort, por meio de Etiénne, com certeza, a GPU sabia da importância do papel de Klement quando dos últimos preparativos da Conferência de fundação da IV Internacional que ocorreria em setembro. (23) Em 18 de julho ele desapareceu, sendo seu corpo encontrado esquartejado no rio Sena alguns dias depois.

Robert Alexander afirma que Emanuel Geltman (Emanuel Garret), membro do SWP norte-americano, foi uma das últimas pessoas a ver Klement vivo. Ele também suspeitava que Zborowski era provavelmente quem havia se livrado dele. Estando em Paris envolvido com o trabalho preparatório para a Conferência de fundação da IV Internacional, participou de uma reunião na qual Zborowski e Klement estavam presentes. Geltman se afastou deles após o término da reunião, mas Zborowski e Klement seguiram juntos. Geltman observa que, desde então, Klement nunca mais foi visto com vida. (24)

Geltman também estava convencido de que Zborowski organizou o assassinato de Ignaz Reiss, chefe de uma rede de espionagem soviética na Europa que renunciou ao seu cargo como protesto aos expurgos de Stalin vindo e se aliou aos bolcheviques-leninistas (como se autodenominavam os trotskistas). Em 18 de julho, Reiss enviou uma mensagem ao CC do PCUS anunciando seu rompimento e a adesão à IV Internacional. Seis semanas depois, ele foi encontrado morto com o corpo crivado de balas numa estrada suíça perto de Lausanne. Numa tentativa de persuadir seus ex-colegas, havia marcado um encontro com Gertrud Schildbach, agente soviética residente na Itália, amiga sua há vinte anos. Encontraram-se, ela fingiu simpatia, mas tornaram a marcar um novo encontro, quando então a GPU armou a cilada fatal. (25)

Segundo Deutscher, a polícia comprovou que a quadrilha que matou Reiss foi a mesma que vinha seguindo Liova. Em janeiro de 1937, chegou-se a planejar um atentado que terminou fracassando: Liova adoeceu, e a viagem que tinha como objetivo encontrar um advogado suíço em Mulhouse, foi, por isso, suspensa.

Ao verificar o inquérito sobre o assassinato de Reiss, chamou a atenção de Liova a rapidez e a precisão com que a GPU era informada de todos seus planos e movimentos. Alguns trotskistas já vinham suspeitando de que havia um espião infiltrado nos círculos mais íntimos de Liova e a desconfiança recaía sobre Etiénne. Hendrik Sneevliet, parlamentar e dirigente da seção holandesa, tinha tal desconfiança que quando Reiss o procurou para manifestar sua decisão de romper com o stalinismo, evitou colocá-lo em contato com o centro em Paris com medo de que a GPU o localizasse. Apesar de que Etiénne tivesse informado que havia trabalhado na Sociedade para a Repatriação de Emigrados Russos – reconhecidamente um abrigo de agentes secretos da GPU –, Liova não aceitou que qualquer suspeita pesasse sobre seu “melhor camarada, o mais digno de confiança”.(26) Depois da morte de Liova, Zborovski ainda seguiu trabalhando para afastar Sneevliet de Trotsky. Numa carta o acusava de divulgar o boato de que Liova fora o responsável pela morte de Reiss. Trotsky que tinha dissenções políticas com Sneevliet, chamou este de “caluniador”. (27)

No momento em que a Conferência de Fundação da IV Internacional se reunia pesava a suspeita de que Zborowski fosse um agente da GPU, já que Sneevliet o havia acusado publicamente. De acordo com Rodolphe Prager, do grupo francês, Zborowski foi levado ao verdadeiro lugar da Conferência de Fundação somente no último minuto. No entanto, pode participar das sessões e chegou a se postular para membro do Comitê Executivo Internacional como representante da Seção Russa, mas a proposta foi rejeitada. (28)

Segundo Robert Alexander, Trotsky chegou a receber uma informação anônima de que Zborowski era um agente da GPU. Alexander Orlov, que havia sido o principal agente da GPU na Espanha e tinha desertado para os Estados Unidos, escreveu a Trotsky uma carta da Filadélfia, datada de 27 de setembro de 1938, alertando-o sobre Zborowski. Orlov escreveu que “este agente provocador foi por muito tempo o colaborador de seu filho Leon Sedov”. (29) E seguia: “Ele era literalmente a sombra de Sedov; ele informava à Cheka [GPU, depois NKVD] sobre cada passo de Sedov, até mesmo suas atividades e correspondências pessoais, que o provocador lia com a aprovação de Sedov. Esse provocador conquistou a total confiança de seu filho e ele sabe por meio dele tudo sobre as atividades de sua organização. Graças a ele, muitos chekistas foram condecorados. (…) É este Mark que roubou uma parte de seus arquivos que estavam com Nikolaievsky (…). Esses documentos foram transferidos para Moscou (…) este agente provocador tem entre trinta e dois e trinta e cinco anos de idade. Ele é um judeu nascido na parte russa da Polônia, escreve russo bem. Ele usa óculos, é casado e tem um bebê”. (30) Era difícil não o identificar como Zborowski. Mas como a carta de Orlov era anônima, Trotsky parece não ter tomado nenhuma providência. 

Zborowski sobreviveu para migrar para os Estados Unidos, onde ganhou fama como antropólogo. Em setembro de 1955, o ex-general da GPU Alexander Orlov, testemunhando perante o subcomitê de Segurança Interna do Senado dos Estados Unidos, falou a respeito do fato de Zborowski ter sido um agente da GPU. Observou que ele havia sido considerado de grande importância para a GPU, mantendo Stalin pessoalmente informado de suas atividades. Cinco meses depois, o próprio Zborowski testemunhou perante o mesmo comitê do Senado. Ele admitiu ter sido agente da GPU durante o período de sua relação com León Sedov e o Secretariado Internacional, embora tenha procurado minimizar a importância de seu papel. (31) Confessou sua participação na morte de Liova, esclarecendo que assim que chamou a ambulância informou a GPU que Liova se dirigia ao hospital.

 

FOTO: Zborowski tenta afastar câmera diante de sua residência, em 1975.

Outros casos

Jakob Frank, ou Graef, chegou em Prinkipo em 29 de maio de 1929, onde permaneceu por volta de cinco meses como secretário de Trotsky. Segundo Heijenoort (32), ele veio sob recomendação de Raissa Adler, de origem russa, esposa do psicanalista vienense, Alfred Adler. Frank era um judeu lituano. Quando Raissa o indicou no verão de 1929, ele era membro do partido comunista austríaco e havia trabalhado até outono de 1927 como economista na representação comercial soviética em Viena. Trotsky viu nesse passado (que ele não escondia) muito mais como uma recomendação do que uma desconfiança. Numa carta datada de 27 de janeiro de 1930, três meses depois da partida de Frank, Trotsky escreveu para um membro do grupo tchecoslovaco que ele era de sua “absoluta confiança”. (33) Nesse mesmo ano, Frank chegou a escrever um artigo sobre a situação econômica russa que foi publicado no Boletim da Oposição nº 11.

No entanto, com o passar do tempo, Frank começou a manifestar cada vez mais simpatias ao stalinismo até se distanciar da Oposição. Não se sabia se ele era um capitulador ou um agente da GPU, embora houvesse indícios de que a segunda versão fosse bastante plausível. 

Numa carta de Molinier a León Sedov (Liova), datada de 13 de janeiro de 1930, informa que Román Well (Ruvin Sobolevicius) que estava em contato com Frank, pediu para se encarregar diretamente da difusão do Boletim [da Oposição] na Alemanha. Assim, Well se valia do nome de Frank para oferecer seus serviços a Liova. O próprio Well escreveu em 30 de agosto de 1930, quando já estava infiltrado no grupo trotskista alemão: “Já escrevi a vocês para que o camarada Frank fosse cooptado para a direção nacional do grupo trotskista alemão”. Frank, por sua vez, em 17 de dezembro de 1930, depois de já ter deixado Prinkipo, escreveu a Trotsky dizendo: “Román Well de Leipzig dá boa impressão. Trabalha como um touro.” (34)

Outro infiltrado foi Kharin, empregado da embaixada soviética em Paris que havia manifestado simpatia pelo trotskismo. Heijenoort acredita que serviu de intermediário entre Trotsky e os trotskistas de Moscou. Em julho de 1929, Trotsky lhe enviou desde Prinkipo o texto datilografado do primeiro Boletim da Oposição para ele imprimir. O mais grave é que também enviaram documentos originais trazidos da Rússia para que fossem reproduzidos por fac-símile no Boletim. Tratava-se de documentos entregue por Krupskaya após a morte de Lenin. Trotsky precisou do documento para ser apresentado à Comissão Dewey, quando então se recordou que o mesmo havia se perdido em meio aos trabalhos de elaboração dos boletins.

Trotsky veio a denunciar Kharin como provocador numa mensagem enviada a Blumkin (35), alto funcionário do Departamento de Assuntos Estrangeiros da GPU que nutria grande admiração por ele. Blumkin se encontrou com Trotsky em Prinkipo por intermédio de León Sedov. Externou suas aflições – a dificuldade de conciliar sua posição na GPU com sua simpatia pela Oposição –, alertou Trotsky sobre os perigos que corria, e se propôs a levar mensagens aos trotskistas russos. No entanto, Blumkin terminou sendo denunciado. Seis semanas depois do encontro foi preso e executado em Moscou sob o grito “Viva Trotsky”. Desde então tornou-se comum que os executados gritassem este slogan. Isso foi confirmado por Ignaz Reiss. 

A GPU e a crise do movimento trotskista

A atuação da GPU junto ao movimento trotskista contribuiu muito para desorganizá-lo e debilitá-lo. Boa parte dos pequenos grupos que estavam sendo construídos a duras penas, já com pouca implantação no movimento operário controlado pela socialdemocracia e pelo stalinismo, muitos deles em crise, acabaram sendo praticamente destruídos pelo acionar dos agentes infiltrados. 

Além disso, muitos quadros revolucionários da nova geração que se propuseram continuar à luta dos velhos bolcheviques que estavam sendo presos e executados pelo terror stalinista tiveram a vida ceifada. Assim, a crise de direção revolucionária foi se tornando cada vez mais aguda até culminar no assassinato do próprio Trotsky em 1940. 

A atuação dos trotskistas durante a II Guerra Mundial mostra até que ponto chegaram as dificuldades que uma nova geração de jovens revolucionários teve que encarar ao aceitar o desafio – com inúmeros erros, mas não sem uma enorme dose de heroísmo – de reconstruir a IV sem Trotsky

A desaparição física de ao menos duas gerações de revolucionários, dentro e fora da URSS – uma parte de uma terceira que lutava para construir a IV sucumbiu em meio à II Guerra sob as botas do nazi-fascismo e do próprio stalinismo que seguiu atuando –, vieram marcar para sempre a vida da IV Internacional. Boa parte desse trabalho contrarrevolucionário se deve a GPU.

 

NOTAS

1 – Heijenoort, Jean Van (1912-1986): foi um dos principais secretários de León Trotsky desde 1932 até 1939. Depois da morte de Trotsky foi responsável pelo Secretariado da IV residente em Nova York (EUA). Em 1946 foi expulso na 12ª Conferência do SWP junto com a fração de Félix Morrow. Nos anos 50, depôs contra ex-agentes da GPU nos EUA. Com o tempo veio a se afastar do trotskismo e do marxismo. Nos EUA, tornou-se um renomado matemático e, em 1967, publicou uma obra de lógica matemática que lhe rendeu uma grande reputação. Com a abertura dos arquivos de León Trotsky na universidade de Harvard, em 1980, se dedicou a estudá-los. Junto com Pierre Broué, trabalhou também nos arquivos de León Sedov abertos em 1984. 

2 – Heijenoort, Jean Van. “Con Trotsky de Prinkipo a Coyoacán. Testimonio de sete años de Exilio”. Edicones IPS, pág. 91.

3 – Molinier, Raymond (1904-1944): um dos pioneiros da oposição de esquerda na França, foi um dos fundadores da Liga Comunista (abril de 1930), organizada em torno do jornal “La Verité” (1929). Cumpriu um papel importante de apoio ao trabalho de Trotsky tanto no seu primeiro exílio na Turquia (1929-1933), quanto na França (1933-1935). Trotsky nutria por ele um enorme apreço devido a sua grande capacidade de iniciativa e organização. Porém, depois de estar mais próximo dele na França, sua opinião foi se modificando, tanto pela forma administrativa e burocrática com que tratava as relações na organização, quanto pelas atividades financeiras consideradas imorais. Em 1936, Molinier dirigiu uma cisão dando origem ao Partido Comunista Internacionalista (PCI). Depois de uma reunificação na qual se integrou ao POI, seção da IV, Trotsky rompeu relações com ele quando insistiu com suas atividades financeiras. Depois as veio a abandonar, tornando-se motorista de táxi. Antes de morrer, Trotsky respondeu a uma de suas cartas vindo a perdoá-lo e aceitando restabelecer relações.

4 –  Deutscher. Isaac. Trotsky, o profeto banido. Civilização Brasileira. 2º edição. Pág. 67, nota 75. 

5 – Vereeken, Georges (1896-1978): membro do CC PC belga, organizou a Oposição de Esquerda no país e, posteriormente, sua sucessora a Liga Comunista Internacional (1928-1935). Rompeu pela primeira vez com o movimento trotskista em 1935, passando a construir o grupo Spartakus. Em 1937, voltou para seção belga da IV, o PSR, sendo secretário entre 1937-1938. Nesse ano, rompeu oficialmente com a IV, constituindo o grupo Contra a Corrente. Tinha relações com o trotskista holandês Henry Sneevliet e com o POUM da Espanha.

6 – Rosmer, Alfred (1877-1964): sindicalista revolucionário francês, conheceu Trotsky durante a I Guerra Mundial. Apoiou a revolução russa e os bolcheviques, tornando-se representante dos comunistas franceses perante a Internacional Comunista em seus primeiros anos. Foi da ala esquerda do PCF, sendo expulso em 1925. Fundou a Oposição de Esquerda na França – o jornal La Verité (1929) e a Liga Comunista (1930), vindo a romper, logo em seguida, por conflitos com outra ala da organização encabeçada por Raymond Molinier (vide nota 3). Ficou magoado com Trotsky por não o ter apoiado, ficando anos sem conversarem. Rosmer, no entanto, manteve até o fim sua simpatia política e uma profunda amizade com Trotsky. Estava na casa de Trotsky em Coyoacán (DF México) no momento de seu assassinato.

7 – Heijenoort, Jean Van. “Con Trotsky de Prinkipo a Coyoacán. Testimonio de sete años de Exilio”. Edicones IPS, págs. 90 e 91.

8 – Deutscher. Isaac. Trotsky, o profeto banido. Civilização Brasileira. 2º edição. Pág. 34-35.

9 – Idem, págs. 91 e 92.

10 –  Idem, págs. 92 e 93. 

11 –  Deutscher. Isaac. “Trotsky, o profeto banido”. Civilização Brasileira. 2º edição. Final da nota 75, pág, 68.

12 –  Idem, pág. 195.

13 – Idem, pág. 202 e 203.

14 – Heijenoort, Jean Van. “Con Trotsky de Prinkipo a Coyoacán. Testimonio de sete años de Exilio”. Edicones IPS. Pág 93.

15 – Idem, pág. 94.

16 – Alexander, Robert J. “International Trotskyism – A documented analysis of the movement (1929-1985) . Págs. 282-283. 

17 – Deutscher. Isaac. “Trotsky, o profeto banido”. Civilização Brasileira. 2º edição. Pág. 360. 

18 – Jeanne era casada com Raymond Molinier, mas durante uma estadia em Prinkipo veio a estabelecer uma relação amorosa cm Liova. Trotsky se irritou muito com o filho por conta disso. Depois Jeanne veio a se separar de Molinier e viveu com Sedov até sua morte, em 1938. 

19 – Heijenoort, Jean Van. “Con Trotsky de Prinkipo a Coyoacán. Testimonio de sete años de Exilio”. Edicones IPS. Pág 94.

20 – Idem, pág. 95.

21 – Deutscher. Isaac. “Trotsky, o profeto banido”. Civilização Brasileira. 2º edição. Pág. 361.

22 – Idem, pág. 418. 

23 – Heijenoort, Jean Van. “Con Trotsky de Prinkipo a Coyoacán. Testimonio de sete años de Exilio”. Edicones IPS. Pág. 116.

24 – Alexander, Robert J. “International Trotskyism – A documented analysis of the movement (1929-1985) . Pág. 283.

25 – Deutscher. Isaac. “Trotsky, o profeto banido”. Civilização Brasileira. 2º edição. Pág. 402.

26 – Deutscher. Isaac. “Trotsky, o profeto banido”. Civilização Brasileira. 2º edição. Pág. 403.

27 – Idem, pág. 419. 

28 – PRAGER, Rodolphe , “Os congressos da IV Internacional”, t. 1, pág. 33-37. 

29 – Alexander, Robert J. “International Trotskyism – A documented analysis of the movement (1929-1985). Págs. 284-285.

30 – Idem.

31 – Idem

32 – Heijenoort, Jean Van. “Con Trotsky de Prinkipo a Coyoacán. Testimonio de sete años de Exilio”. Edicones IPS. Pág. 90.

33 – Idem

34 – Idem

35 – Com 21 anos de idade, Jacob Blunkin havia sido um dos fundadores da Cheka – polícia política constituída por proposta de Lênin – representando os socialistas revolucionários de esquerda. Rompeu com os bolcheviques por considerar a paz de Brest-Litovsky uma traição à revolução. Quando na ocasião os SR de esquerda tentaram organizar um levante contra o governo de Lênin, Blumkin foi um dos escolhidos para atentar contra a vida do embaixador alemão, Conde Mirbach. Tendo êxito em sua causa, Blumkin foi preso e conduzido até Trotsky, que o convenceu de seu erro. Arrependido, pediu uma nova oportunidade para redimir-se. Foi condenado proforma à morte, chegando o governo alemão ser informado de sua execução. Perdoado, teve a oportunidade de “provar seu amor à revolução”, incumbindo-se das missões mais perigosas para os bolcheviques. Durante a guerra civil, trabalhou por trás das linhas dos Guardas Brancos. Os SR o consideraram um traidor e atentaram várias vezes contra sua vida. Depois da guerra civil, voltou para a Cheka sendo o chefe do departamento de contraespionagem.