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TEORIA

Sobre o centralismo democrático

Leon Trotsky, com tradução* de Raphael Guedes

Durante os últimos meses recebi cartas sobre o regime interno de um partido revolucionário de vários camaradas aparentemente jovens, desconhecidos para mim. Algumas destas cartas queixam-se da “falta de democracia” na sua organização, da dominação dos “dirigentes” e coisas do gênero.

Camaradas individualmente pedem-me que forneça uma “fórmula clara e exata sobre o centralismo democrático” que evite falsas interpretações. Não é fácil responder a estas cartas. Nenhum dos meus correspondentes sequer tenta demonstrar clara e concretamente, com exemplos reais, exatamente onde reside a violação da democracia.

Por outro lado, na medida em que posso julgar do exterior, com base no seu jornal e nos seus boletins, a discussão na sua organização está sendo conduzida com total liberdade. Os boletins contêm textos de representantes de uma pequena minoria. Disseram-me que o mesmo se aplica às suas reuniões de discussão. As decisões não foram tomadas ainda. Evidentemente, serão realizadas numa conferência eleita livremente. Quando então as violações da democracia teriam se manifestado? Isso é difícil de entender.

Às vezes, a julgar pelo tom das cartas, isto é, principalmente pelo caráter informal das queixas, parece que reclamam simplesmente por estarem insatisfeitos com o fato de, apesar da democracia existente, se revelarem uma pequena minoria. Pela minha própria experiência, sei que isso é desagradável. Mas onde está a violação da democracia?

Tampouco acredito que possa dar uma fórmula sobre o centralismo democrático que “de uma vez por todas” elimine mal-entendidos e falsas interpretações. Um partido é um organismo vivo. Desenvolve-se na luta contra obstáculos externos e contradições internas.

A vergonhosa decomposição da Segunda e da Terceira Internacionais, sob as duras condições da época imperialista, cria para a Quarta Internacional dificuldades sem precedentes na história. Essas dificuldades não podem ser superadas por uma fórmula mágica. O regime de um partido não cai do céu, mas forma-se gradualmente na luta. Uma linha política predomina sobre o regime. Em primeiro lugar, é necessário definir corretamente os problemas estratégicos e os métodos táticos para resolvê-los. As formas organizacionais devem corresponder à estratégia e à tática.

Somente uma política correta pode garantir um regime partidário saudável. Evidentemente, isto não significa que o desenvolvimento do partido não apresente problemas de organização.  Mas significa que a fórmula para o centralismo democrático deve inevitavelmente encontrar uma expressão diferente nos partidos de diferentes países e em diferentes fases de desenvolvimento de um mesmo partido.

A democracia e o centralismo não se encontram de forma alguma numa relação invariável entre si. Tudo depende das circunstâncias concretas, da situação política do país, da força e da experiência do partido, do nível geral dos seus membros e da autoridade que a direção conseguiu conquistar. Antes de uma conferência, quando o problema é formular uma linha política para o próximo período, a democracia triunfa sobre o centralismo.

Mas quando se trata de uma ação política, o centralismo subordina a democracia. A democracia afirma novamente os seus direitos quando o partido sente a necessidade de examinar criticamente as suas próprias ações. O equilíbrio entre democracia e centralismo estabelece-se na própria luta, em alguns momentos é violado e depois novamente restabelecido. A maturidade de cada membro do partido exprime-se sobretudo no fato de não exigir do regime partidário mais do que este pode dar. Aquele que define sua atitude em relação ao partido com base em aborrecimentos pessoais é um revolucionário pobre.

É necessário, claro, lutar contra todos os erros individuais da direção, todas as injustiças e assim por diante. Mas é necessário avaliar estas “injustiças” e “erros” não em si mesmos, mas em conexão com o desenvolvimento geral do partido, tanto à escala nacional como internacional.

Um julgamento correto e um senso de proporção na política são coisas extremamente importantes. A pessoa que tem propensão a transformar em uma montanha um grão de areia pode causar muitos danos a si mesma e ao partido. A desgraça de pessoas como Oehler, Field, Weisbord e outros consiste na falta de sentido de proporção.

Neste momento, não faltam semi-revolucionários, cansados pelas derrotas, temendo as dificuldades, jovens velhos que têm mais dúvidas e pretensões do que vontade de lutar. Em vez de analisar seriamente as questões políticas na sua essência, tais indivíduos procuram panaceias, queixam-se sempre do “regime”, exigem maravilhas da liderança ou tentam esconder o seu ceticismo interior com tagarelice ultra-esquerdista.

Temo que não sairão revolucionários desses elementos, a menos que mudem a si mesmos. Não duvido, por outro lado, que a nova geração de trabalhadores será capaz de avaliar o mérito do conteúdo estratégico e programático da Quarta Internacional e se unirá sob sua bandeira em números cada vez maiores.

Cada verdadeiro revolucionário que percebe os erros do regime do partido deveria antes de tudo dizer para si mesmo: “Devemos trazer para o partido uma dúzia de novos trabalhadores!” Os jovens trabalhadores devem chamar à ordem os reclamões profissionais e os céticos educados. Somente ao longo desse caminho será estabelecido um regime partidário forte e saudável nas seções da Quarta Internacional.

* Traduzido do inglês a partir de “More Thoughts on the Party Regime”, in “Writings of Leon Trotsky (1936-37)” p. 475-478. Pathfinder: Nova Iorque, 1978. O texto foi escrito por Trotsky para um boletim interno da organização trotskista dos EUA em dezembro de 1937.