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Especiais

O crescimento do apoio a Bolsonaro aumenta o desafio das eleições municipais

Euclides Braga Neto, de Fortaleza, CE
Reprodução / Rede Brasil Atual

Alguns dados mais refinados da pesquisa DataFolha, de 11 e 12 de agosto, sobre a popularidade do governo Bolsonaro, precisam ser destacados. Enquanto os índices de ruim/péssimo caíram 10 pontos em relação à pesquisa anterior, de 44% para 34%; os índices de ótimo/ bom subiram de 32% para 37%, portanto, uma alta de 5 pontos. Por seu turno, os índices de Regular subiram de 23%® para 27%.

Dentre as diferentes camadas sociais, os maiores aumentos de ótimo/bom vieram sobretudo dos grandes beneficiários do auxílio emergencial. Enquanto a solicitação do auxílio alcança pouco mais de 40% da população em geral, atingiu 75% dos desempregados que procuram trabalho; 71% dos assalariados sem registro em carteira; e 61% dos trabalhadores autônomos e profissionais liberais. Entre os desempregados, a aprovação do governo subiu 12 pontos e a reprovação caiu 9.

A pesquisa é ainda mais detalhada. Entre os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, os índices de ótimo/bom subiram de 22% para 35%. Entre os que têm apenas o ensino fundamental, foram de 26% para 40%. Entre os desempregados que procuram trabalho, subiram de 18% para 36%. Entre os assalariados sem registro, foram de 26% para 42%. No nordeste, subiram de 17% para 33%. E entre os negros, foram de 19% para 25%.

Um último dado nada desprezível da pesquisa: 53% dos atendidos pelo auxílio emergencial declararam que usam o dinheiro fundamentalmente para comprar comida. Esse índice sobe para 65% na região Nordeste.

Três elementos que explicam a melhora da aceitação conjuntural do governo

Há, obviamente, um efeito positivo do auxílio emergencial na popularidade do governo. Outra obviedade é que esse efeito positivo do auxílio emergencial ajuda Bolsonaro a se descolar da crise sanitária e do genocídio produzido por sua própria política de saúde pública durante a pandemia, jogando a culpa das mortes, da crise econômica e do desemprego nas costas dos governadores e perfeitos que realizaram minimamente medidas de distanciamento e isolamento social.

A rigor, existe uma naturalização da pandemia por uma parte significativa da população, para quem o distanciamento e o isolamento social não conseguiram impedir as mais de 100 mil mortes. O Brasil é o país do mundo que está há mais tempo com a média de mortos acima de mil por dia. O que, contraditoriamente, ajuda a anestesiar a consciência de milhões que foram convencidos da fatalidade natural ou divina da pandemia.

Outro importante elemento que explica a recuperação da popularidade de Bolsonaro, por mais contraditório que seja, foi a prisão de Fabrício Queiroz. Ao manter Queiroz preso, o capital financeiro enquadra o presidente neofascista. Os super-ricos sabiamente, diante da letargia das massas, não veem motivos para um golpe militar clássico e tampouco para o impeachment. Sustentam Queiroz preso para chantagear Bolsonaro, como a corda sustenta o enforcado, inaugurando a fase “Bolsonaro paz e amor” que, temporariamente, deixou de criar factóides diários que serviam tanto para mobilizar sua base neofascista quanto gerar propaganda negativa – este segundo fato, comprovado pela última pesquisa.

Os três elementos anteriores explicam apenas conjunturalmente a melhora quantitativa nos índices de aceitação do governo e a migração de boa parte desse apoio para os mais pobres. Podem mudar rapidamente diante da grave crise econômica, com o fim do auxílio emergencial, o prolongamento dos altos índices de mortos na pandemia e o surgimento de novos escândalos envolvendo Bolsonaro, seus filhos, Fabrício Queiroz e as milícias. Mas, mesmo considerando a fragilidade desse aumento conjuntural na aceitação do governo diante das massas, esses dados não são nada desprezíveis, na medida em que estão apoiados em índices de aceitação que, desde o início do governo, oscilam ao redor de 30%.

O que explica a constância da média de 30% de apoio a Bolsonaro?

Mais do que quaisquer oscilações nas pesquisas de opinião, o elemento constante, que permanece desde o início do governo, é esse patamar aparentemente sólido de 30% de aceitação. Não é maioria, mas trata-se de uma minoria qualificada, que segue acreditando e defendendo o governo chova ou faça sol e que, agora, teve uma significativa oscilação para os setores mais pauperizados da classe trabalhadora.

O anterior se deve a combinação de outros três fatores que atuam diretamente não somente sobre as consciências, mas afeta diretamente a vida material das pessoas. São eles:

a) a profunda penetração dos setores mais reacionários das igrejas neopentecostais – e da igreja católica, como a chamada renovação carismática – nas comunidades aonde moram os setores mais pobres e desamparados da classe;
b) o crescimento das milícias nas periferias das grandes cidades, disputando territórios com as facções do tráfico de drogas;
c) a popularização generalizada do uso do celular, da internet e das redes sociais, expondo essa mesma população mais pobre, desamparada e sem escolaridade à maior máquina de propaganda de notícias falsas desde as décadas de 20 e 30 do século passado, quando da ascensão do nazifascismo na Europa.

A força social do trabalho de base dos pastores das igrejas neopentecostais

A influência nefasta das igrejas neopentecostais não é difusa, mas estrutural, na vida dos setores mais pauperizados e menos escolarizados da classe trabalhadora. Durante os últimos trinta anos, enquanto esfumaçava o trabalho de base do PT e da CUT, as igrejas neopentecostais avançavam praticamente sem nenhuma concorrência sobre o terreno das comunidades das periferias das grandes cidades.

Ao pregar um evangelho apocalíptico, a maioria dos pastores neopentecostais naturaliza o corona vírus como uma provação divina, prometendo o alcance da prosperidade na saúde, na família e na vida financeira. Mas essa pregação não está suspensa no ar, ela possui uma base material nas relações sociais.

Para enfrentar o dia-a-dia de fome, violência e o completo desamparo de políticas públicas, muitos trabalhadores informais, camelôs, desempregados, dependentes químicos, egressos do sistema prisional e mães chefes de família encontram nessas igrejas um lugar de acolhimento, apoio e convívio social. E isso é decisivo para forjar laços de confiança e referência política e ideológica.

O pastor neopentecostal não é apenas um pregador, mas o animador de uma rede social ao redor da igreja. Ele resolve desde problemas matrimoniais, facilita o contato de desempregados com pequenos empresários do bairro, encaminha o “tratamento” de dependentes químicos, acompanha a reabilitação dos os egressos do sistema prisional, ensina a ler e “interpretar” a bíblia, promove grupos de música gospel e um longo etc.

Se não vislumbramos o anterior, se não partimos dessas relações sociais que são, portanto, não apenas intersubjetivas, mas carregam um enorme peso material – não nos esqueçamos que o capital é também uma relação social! – jamais entenderemos porque tantos trabalhadores pobres, negros e mulheres se dispõem, quando conseguem algum trabalho precário ou renda mínima, a doar boa parte dos seus escassos recursos financeiros para a igreja; ou porque votam nos candidatos apoiados pelo pastor; ou porque seguem defendendo Bolsonaro com argumentos religiosos. Insistimos: não se trata apenas de “lavagem cerebral”, mas de relações sociais que possuem sua materialidade e estão na base dessa mesma lavagem cerebral.

As milícias como alternativa à segurança pública estatal contra as facções de traficantes

Ao lado desse nada desprezível e autêntico trabalho de base dos pastores neopentecostais, o segundo elemento que vai explicar a estabilidade desses 30% de apoio a Bolsonaro é o travestimento de grupos de milicianos e de extermínio como uma alternativa à segurança pública estatal contra as facções de traficantes de drogas. Esse movimento se dá com o apoio do governo federal, de muitos políticos locais da extrema-direita, de pastores evangélicos e de facções significativas da própria PM.

A “pacificação” das comunidades através do domínio de territórios cada vez mais amplos pela milícias, busca se constituir, na prática, como uma política de segurança pública chancelada pela aliança de políticos locais de extrema-direita, com o neopentecostalismo e facções da própria PM. O que tende a estreitar e unificar ainda mais ideológica, politica e organicamente os partidos da bala e da bíblia.

O trabalho de base dos pastores neopentecostais nas comunidades periféricas, aliado ao avanço das milícias e a bolsonarização da PM, com o discurso de contenção da criminalidade das facções do tráfico de drogas, cobra seu preço no enorme atraso da consciência dos setores mais pauperizados da classe trabalhadora, abandonados a própria sorte, e no crescimento da aceitação do governo.

A força material das redes sociais e da indústria das Fake News

Marx já no ensinou que as ideias podem se converter em força material, quando servem para mobilizar as massas. E isso não vale apenas para ideias revolucionárias, mas para ideias reacionárias e contrarrevolucionárias, que o digam o fascismo italiano e o nazismo alemão!

O alcance e a força material da internet e das redes sociais sobre a consciência das amplas massas é mais forte, ao mesmo tempo generalizado, direcionado e planejado do que foram e são os jornais, o rádio e a TV, na medida em que unifica todos esses meios na palma da mão, num celular que pode ser levado no bolso.

Além disso, as redes sociais e seus grupos privados constroem laços de confiança e intimidade entre as pessoas antes inimagináveis com os jornais, o rádio e a TV que são facilmente manipuláveis, na medida em que compartilham notícias falsas, campanhas reacionárias e conteúdo de formação ideológica entre familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. A combinação dessas redes sociais com a captação em massa de informações sobre interesses e preferências de seus usuários são, não apenas uma preciosa fonte de informações sobre inconsciente coletivo das amplas massas, mas, a partir dessas mesmas informações, uma base material para a manipulação das consciências individuais e coletivas.

Os dados sobre as vidas das pessoas têm sua materialidade, na medida em que possibilitam o registro das internações e relações sociais como nunca antes na história. Podem servir tanto para vender mercadorias direcionadas para um determinado público ou mesmo personalizar determinados produtos para satisfação do corpo e do espírito, bem como para promover campanhas publicitárias, políticas e religiosas com o objetivo de disputar a consciência de milhões e até mesmo promover movimentos de massas reacionários.

Precisamos entender, de uma vez por todas que, na internet e nas redes sociais, não estamos lidando com mecanismos automáticos e desinteressados, mas com um sistema de coleta de dados quantificados em algoritmos, que valem trilhões e são completamente manipulados pelos interesses do capital financeiro, que atualmente possui entre seus mais importantes monopólios, ao lado dos bancos e da indústria do petróleo, as chamadas Big Data, concentradas em empresas como a Amazon, Facebook, Microsoft e Tesla.

A rigor, estamos falando de uma gigantesca indústria da desinformação, a maior e mais poderosa fábrica de notícias falsas desde os estados nazifascistas da Alemanha e Itália. Para lutar contra ela, será preciso ocupar de maneira científica, metódica e planejada o terreno da internet e das redes sociais, da mesma forma que será necessário disputar, no terreno do trabalho de base, as consciências, os laços de confiança e solidariedade de classe nos locais de trabalho, estudo e moradia com as igrejas neopentecostais, bem como começar a construir medidas de autodefesa dos movimentos sociais e debater propostas de segurança pública com as comunidades das periferias das grandes cidades, em alternativa às milícias e facções criminosas.

A importância das eleições municipais de 2020 como uma trincheira da luta contra o bolsonarismo

Para combater a força material das igrejas neopentecostais, das milícias e das redes sociais precisamos entendê-las como são: aparatos que estão a serviço da alienação e opressão das amplas massas da classe trabalhadora. As formas para disputar as consciências, laços de confiança e solidariedade em cada um desses terrenos serão distintas, complexas e exigirão estudo, tempo, paciência, tentativa e erro, perseverança e dedicação da esquerda socialista nos próximos anos.

Mais do que qualquer pesquisa, devido a ausência de ações de massas na presente conjuntura, serão as eleições municipais deste ano o grande termômetro para medir a dimensão do fenômeno da aceitação do bolsonarismo e seus representantes locais entre os setores mais explorados e oprimidos da classe trabalhadora, bem como para medir o alcance das candidaturas da esquerda socialista em alternativa tanto ao bolsonarismo, quanto aos candidatos liberais-democratas dos partidos burgueses tradicionais e aos sociais-liberais da esquerda reformista que governou o país por 13 anos. É isso que o desenvolvimento da realidade está demonstrando, quer gostemos ou não.

Portanto, caberá à esquerda socialista intensificar a luta política para mudar a presente situação reacionária. E o primeiro passo para isso é compreender a difícil realidade, fazendo da campanha eleitoral uma trincheira da classe trabalhadora sobretudo contra o bolsonarismo, que se apresentará mais uma vez, nestas eleições municipais, com as vestes dos partidos da bíblia e da bala, amparados pelos magnatas do capital financeiro e da Big Data.