Por Laura Daltro, São Paulo, SP
O texto pode ser longo…
Eu sou filha de Obaluaê, com Oxalá e Iansã. Meus orixás, regentes da minha vida e dos meus caminhos.
Sou do Maranhão, de São Luís, sou neta de Francisca Salazar, Xica Salazar, que foi mãe de santo em São Luís e que morreu há muitos anos, bem antes de eu nascer. Carrego minha bisavó comigo, sei que ela sempre está por perto, zelando por toda minha família carnal, hoje, sei que ela anda ainda mais perto.
Tenho também meus guardiões, meu exu, minha pombo gira, meu erê, meus caboclos, meu preto velho, que caminham comigo por onde vou, me protegendo e quebrando as demandas que aparecem no meu caminho.
É por toda essa ancestralidade, proteção e cuidado vindos dos meus guias, e ancestrais que escrevo este texto.
Muito se fala sobre a intolerância às religiões de matrizes africanas. Intolerância que tem matado no Brasil inteiro e que aprendemos a odiar ou ter medo ainda na escola. É preciso falar dessa intolerância, mas neste texto quero apresentar um pouco a diversidade dessa religião.
O Candomblé e a Umbanda no Brasil são religiões herdadas por negros trazidos ao Brasil para serem escravizados.
O processo de escravidão trouxe ao Brasil negros de todas as partes da África, juntando dessa forma negros dos mais diversos países da África em uma fazenda.
Os mais velhos nos barracões costumam contar que essa mistura de nações fez surgir o que hoje conhecemos como Candomblé e Umbanda. Dizem que uma tribo especifica da Áfricapoderia ser de um Orixá por exemplo, em Angola, digamos que o Orixá que regia a cabeça de todos os homens e mulheres nascidos ali, seja Oxalá, em GuinéBissau Iansã, e assim sucessivamente, cada tribo um Orixá.
Durante o processo de invasões e destruição das tribos para o tráfico negreiro, negros de diferentes tribos eram vendidos para diferentes fazendas, limitando, dessa forma, o culto ao Orixá que regia sua cabeça e dono de sua tribo.
A saída para que a o culto aos seus respectivos orixás não deixasse de existir, era se juntar e a cultuar a todos os Orixás. Assim se dá o que conhecemos hoje. Um terreiro onde as pessoas tem diferentes Orixás e entidades.
A religião de matriz africana no Brasil é diversa! Existe a Nação Ketu de Candomblé, A Angola. Existe os Terreiros de Mina no Maranhão conhecido por seus caboclos e vodus. Existe a Umbanda. Cada terreiro é regido por um pai ou mãe de santo, que é regido por um Orixá ou entidade.
São religiões distintas,onde os santos são cultuados de maneiras distintas, mas que são marcadas por uma coisa em comum, a resistência após anos de violência e recriminação.
Laroyê!
Exu é um dos mais famosos Orixás, mas que vem também como entidade. Exu é temido e repreendido por aqueles que não conhecem sua missão. Exu é o mensageiro, guardião, protetor, conhecido também por abrir caminhos.
Quando o chicote estralava em nossas costas ainda em tempos de escravidão, durante os rituais de culto aos nossos Orixás, as mães de santo chamavam por Exu na esperança e certeza de que ele protegeria os momentos de culto da repressão vinda da Casa grande.
Muitas vezes os donos da Casa grande temiam Exu quando queriam acabar com os rituais, por isso o associavam ao diabo ou aos demônios. Atributo que ainda hoje é muito dado aos Exus e Pombo Giras.
Por terem esse significado de protetor, mensageiro e guardião, os quartos de Exu são sempre o primeiro compartimento dos terreiros e barracões. Eles geralmente ficam nas portas ou portões dos terreiros, guardando os filhos e os segredos de dentro do barracão, seja nas festas ou nos rituais internos.
A imagem que vendem dos Exus e Pombo giras é uma imagem distorcida do que eles significam e do papel que cumprem.
Exu e Pombo Gira andam juntos, abrindo os caminhos e guardando seus filhos. Na verdade, os dois são o retrato mais próximo do ser humano. Não fazem questão de serem apresentados como bondosos nenhuma entidade sente essa necessidade.
São responsáveis também pela virilidade, por isso são muito associados a sexualidade.
As pombo giras, são as mulheres que trabalham também nessa linha de Exu. Conhecidas como ExuPombo Giras.
Em suas histórias sempre carregam o peso de uma relação abusiva, um amor perdido ou a vida na prostituição. Muitas contam que morreram por violência de seus companheiros. São conselheiras, sempre com palavras, as vezes duras, mas que ensinam que as mulheres são lindas como são, e que devem se amar em primeiro lugar. Trabalham na linha do amor e também são protetoras, guardiãs e mensageiras.
Costumo dizer que elas, são as mulheres mais feministas que conheço.
Nossos orixás e entidades nos ensinam acima de tudo, a caridade.
O ajudar ao próximo independente de onde vem ou do que fez.
Num barracão aprendemos a ser humildes, aprendemos a aprender, isso torna cada experiência nossa com nossos Orixás uma parte do renascimento que para nós também é um resgate da nossa ancestralidade. Não existe um que é maior que o outro, existe os que ensinam e o que aprende para um dia ensinar.
É uma casa e uma família, como a que temos em casa que se reúne na intenção de relembrar e cultuar não só nossos Orixás, mas também nossos ancestrais que são os nossos protetores e guias, nossos conselheiros, e guardiões, nossos erês, nossos velhos.
Acredito que esse é o maior retrato da resistência do povo negro, mesmo diante do massacre racista que tenta nos exterminar a mais de 400 anos.
Resistimos e existimos e eles resistem conosco!
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