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OPRESSÕES

Julho das Pretas: Para o Brasil Genocida, Mulheres Negras apontam a Solução!

Brenda Marques, do Afronte Piauí
Pablo Vergara

Marcha das mulheres negras do Rio de Janeiro

Que a pandemia do covid-19 vem aprofundando as condições de desigualdade sociais preexistentes na sociedade capitalista nós já sabemos, mas o que nunca podemos esquecer é o que esses violentos níveis de precarização significam para as mulheres negras. As principais pertencentes aos índices de marginalidade, desemprego, informalidade, insegurança alimentar, violência doméstica, as mulheres negras ocupam os piores lugares na sociedade brasileira, onde a opressão racista e machista combinadas com a exploração capitalista intensificam os desafios que temos que enfrentar cotidianamente.

No Brasil, Lélia Gonzalez nos diz que o “mito da democracia racial” exerce uma violência simbólica específica sobre a mulher negra – que não sofre apenas opressão do racismo, mas também do sexismo, delimitando e naturalizando espaços a serem ocupados por estas mulheres. Estas além de serem tidas com um corpo que é hipersexualizado e explorado sexualmente, por sua condição de raça, são tidas também como um corpo do trabalho, e então super explorada economicamente. É por esse motivo que para a autora a análise do Brasil só pode ser feita a partir da análise das condições das mulheres negras na sociedade brasileira, que em si refletem as dimensões da raça, do gênero e da classe.

Lelia não ficaria surpresa ao saber que a primeira vítima de covid no nosso país foi uma mulher negra empregada doméstica. O trabalho de reprodução social é feito principalmente por mulheres racializadas e no Brasil carregam as marcas de um processo violento de escravização. De acordo com o IPEA, em 2017 as mulheres negras representavam 94,8% do trabalho doméstico e essa é a realidade que persiste na pandemia. O trabalho doméstico ainda que invisibilizado é considerado essencial e produz uma realidade muito maior de contaminação e morte dessas mulheres que ao voltarem para suas casas não têm a mesma condição de isolamento e tratamento que suas patroas e muitas vezes acabam colocando em risco suas próprias famílias.

Mas não há como pedir para que estas mulheres deixem de pôr em risco suas quando na pandemia nove em cada dez mães de favelas tiveram dificuldades para comprar comida para a família por causa da perda de renda, fim do auxílio emergencial e dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho1.As mulheres negras muitas vezes são condicionadas a famílias matriarcais, são chefes de famílias, a única fonte de renda e sofrem com a perda precoce dos seus entes queridos, agora para o COVID 19, mas desde de sempre para violência urbana e para os crimes letais, que têm como alvo preferencial a juventude negra. O genocídio da juventude negra, afeta diretamente as mulheres negras e também produz as mortes psíquicas de mães, filhas, esposas, avós pretas enlutadas que constatemente buscam por justiça.

Vivemos em um país que “autoriza” essas diversas formas de violência e o genocidio operado contra a população negra. As mulheres negras são as principais afetadas, por estarem expostas não só a violência racista como uma ainda mais alarmante violência de gênero que embora as mulheres brancas também sofram, é oferecida a elas uma dimensão de humanidade que é negada às mulheres negras, isso resulta no fato de que enquanto os níveis de feminicídio de mulheres brancas diminuem o de mulheres negras têm aumentado. Então seja pela bala, pelo covid,pela fome, as políticas de morte de Bolsonaro e este racismo e machismo estrutural que as justifica, tem piorado a cada dia mais a vidas de mulheres negras.

É diante desse cenário que estamos iniciando o mês de julho, onde o movimento de mulheres negras constrói o “Julho das Pretas”, uma agenda política conjunta, com debates a partir do que significa ser uma mulher negra no Brasil e propostas de mudanças políticas a partir do combate ao racismo e sexismo.Neste ano o julho das pretas está na sua 9ª edição com o tema geral: Para o Brasil Genocida, Mulheres Negras apontam a Solução! A intenção do tema é denunciar o genocídio da população negra brasileira, em curso há muito tempo, e intensificado durante a pandemia da covid-19 e ao mesmo tempo apontar que para as soluções a serem construídas de mudança desta situação de precarização, desgoverno e a naturalização de absurdos racistas, misóginos e patriarcais que estruturam o capitalismo, as mulheres negras tem um papel central.

O julho das pretas foi criado em 2013 pelo instituto da mulher negra-Odara e pode ser construído por diversas frentes e coletivos políticos. A agenda política acontece em conjunto com a comemoração do dia 25 de julho, o dia internacional da mulher negra afro latina e caribenha, data reconhecida pela ONU desde 1992 graças a militância de mulheres que se reuniram em julho daquele ano, na República Dominicana, no 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe. Este dia 25, também é simbolizado por Tereza de Benguela, mulher negra que durante o século XVIII, liderou o Quilombo do Quariterê, no Mato Grosso, e foi responsável pela implementação de uma espécie de parlamento e de um avançado sistema de defesa.

É de suma importância que as organizações de esquerda enxerguem a necessidade de construir agendas políticas compondo o “julho das pretas” e que não vejam desconexões da tarefa de superação do capitalismo, e a luta pela vida e direitos das mulheres negras não só em julho como em todos os meses do ano. É muito importante que sejam feitos os questionamentos quando notado as ausências ou mesmo a secundarização das vozes e vivências das mulheres negras em movimentos mistos e partidos, o antirracismo precisa ter centralidade na tarefa desafiadora que é transformar o mundo.

É inspirada em Tereza de Benguela que nesse julho devemos transformar nosso luto em luta, e numa poderosa força coletiva do movimento de mulheres negras e organizações políticas lutarmos contra o genocidio da população negra e seus agentes.Assim Como nos ensina Lélia Gonzalez, “ Nós mulheres negras, trazemos conosco a marca da libertação de todos e todas, portanto nosso lema deve ser: organização já!”.

“Dandara vive, Dandara viverá, mulheres negras não param de lutar”

1 Pesquisa do Data Favela, feita em parceria entre o Instituto Locomotiva e a Cufa (Central Única das Favelas)