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MUNDO

Diante da invasão da Ucrânia por Putin e do conflito inter-imperialista, que posição tomar?

Luís Leiria
Reprodução/GmbH

Ênio Bucchioni, um amigo que conheço há 48 anos, escreveu com Aldino Graef (que também conheço há décadas, embora não o veja há mais de 30 anos) um texto sobre o conflito e a invasão militar em curso da Ucrânia pela Rússia. Na apresentação do texto, o Ênio mostrou-se aberto a “um diálogo fraternal com qualquer amigo (a) que possua argumentos distintos”. Eu tenho argumentos distintos e discordo frontalmente da política que Ênio e Aldino defendem. Durante estes 48 anos de amizade, eu e Ênio tivemos muitas discordâncias e acordos, militamos no mesmo partido ou em partidos diferentes, no mesmo país ou em diferentes continentes. Sempre foi um prazer debater com ele e por isso atrevo-me a pensar que o mesmo irá acontecer agora.

Começo por resumir alguns pontos-chave do texto de Ênio e de Aldino:

– Defendem que “a esquerda deve se posicionar contra os EUA neste conflito” que opõe os EUA, de um lado, e a China e a Rússia do outro, pela hegemonia mundial.

– Consideram que “o regime vigente em Kiev é um instrumento nas mãos dos EUA/Otan contra a Rússia”.

– Que os EUA fizeram “tudo para a Rússia intervir [na Ucrânia] para aplicar sanções draconianas em todos os campos e isolar a Rússia”.

– E que “tudo indica que a Rússia será forçada a intervir e invadir agora em sua defesa estratégica”. O texto também afirma que a Ucrânia é “um saco de gatos e tende a explodir a qualquer momento”.

Daqui concluo que os autores consideram que a invasão, já prevista pelo texto, datado de 24 de fevereiro, foi forçada pelo imperialismo de Washington e portanto é a administração Biden, e não Putin, quem deve ser responsabilizada pela guerra em curso.

Passo então a apresentar, o mais sucintamente que conseguir, as minhas razões.

CARÁTER DO CONFLITO ENTRE EUA, RÚSSIA E CHINA

Como caracterizamos o conflito que opõe os Estados Unidos, a Rússia e a China pela hegemonia global? No texto, E. e A. afirmam: “Não se trata de um simples conflito inter-imperialista: China e Rússia estão sendo atacadas pelo imperialismo e oferecem resistência à hegemonia americana, estimulando também outras nações a resistir”.
Não percebo o que vos leva a rejeitar, ou a considerar especial, a caracterização do conflito como inter-imperialista. Não consideram Rússia e China potências imperialistas? Baseados em quê? O que quer dizer “Não se trata de um simples conflito inter-imperialista?” É inter-imperialista e algo mais? O quê? Dizem que o que distingue o atual conflito é a resistência dos governos de Moscovo e Pequim à hegemonia americana. Mas em que conflito inter-imperialista as potências em disputa não tentaram resistir à hegemónica de então?
Para mim, não há qualquer dúvida de que a China é uma potência imperialista, e não só: é a candidata a suplantar a hegemonia dos Estados Unidos. Vai consegui-lo em termos econômicos, passando a ser a economia maior do mundo. Está a disputar ao nível da ciência e da tecnologia (por exemplo, têm como meta chegar a 2030 na liderança das tecnologias da Inteligência Artificial) e já são o segundo orçamento militar do mundo [1], embora ainda muito longe dos EUA. Cada vez mais se confirma o declínio dos Estados Unidos, que, porém, se mantém hegemónico devido ao seu poderio militar. Mas este poder não é tudo, uma realidade já tantas vezes comprovada (Vietname, Afeganistão…)
A China procura fazer crescer a sua esfera de influência através de iniciativas como a Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative [2]), um conjunto de investimentos milionários chineses em quase 70 países e organizações internacionais. Outros investimentos, fora desta iniciativa, são os que a China faz num enorme leque de países, em áreas como a da energia. Por exemplo, a companhia elétrica mais importante de Portugal, a EDP, foi privatizada e quem a arrebatou foi… o Estado chinês!
Já a Rússia é a típica potência imperialista regional, em declínio desde o fim da URSS, mas que pretende reagir a este declínio e restabelecer as bases do Império Russo. Apesar de ser atualmente a 11ª potência mundial em termos de Produto Nacional Bruto [3], ela continua a ser dona do segundo arsenal nuclear do planeta e quer fazer-se valer desse facto para restaurar o seu prestígio e peso geoestratégico, restabelecendo um império semelhante ao antigo império czarista, o sonho dourado de Putin.
Ora, diante de um conflito inter-imperialista, a esquerda não tem que, nem deve, escolher o seu lado. Essa disputa não é a nossa disputa.
Na introdução ao texto, Ênio compara o apoio a um dos lados de um conflito inter-imperialista com uma opção de voto nas eleições nos Estados Unidos – se se devia ou não votar em Biden, contra Trump, ou simplesmente não votar em nenhum dos dois. Apesar de eu ter defendido o voto em Biden e torcido para que Trump fosse derrotado, não vejo o que tem uma coisa a ver com a outra. A definição do voto é uma questão importante, mas completamente tática. Escolher um lado numa guerra inter-imperialista é alinhar-se com uma ou várias potências que matam para melhor poderem continuar a escravizar outros povos. Como se mede, nesse caso, o “mal menor”? Usando um texto de Lenin, numa tradução recentemente divulgada pelo nosso amigo em comum Waldo Mermelstein, “… imagine que um proprietário de cem escravos faça guerra a outro proprietário de duzentos para chegar a uma distribuição mais ‘equânime’ dos escravos. É óbvio que, neste caso, usar o conceito de guerra ‘defensiva’ ou ‘defesa da pátria’ seria falsificar a história e, na prática, equivaleria pura e simplesmente a um engano do povo, da pequena burguesia e dos ignorantes por hábeis escravistas.”[4]

CARÁTER DA INVASÃO DA UCRÂNIA

O que está em curso hoje na Ucrânia é a invasão das tropas da Rússia, seguindo as ordens do presidente Vladimir Putin. Seja qual seja a visão geoestratégica que usemos para analisar a guerra, os factos são os factos: à semelhança das invasões cometidas pelos Estados Unidos no Iraque ou Afeganistão, a da Rússia busca ocupar a capital do país vizinho, derrubar o seu presidente e substituí-lo por um fantoche a seu serviço, aquilo que ficou conhecido como “mudança de regime” (regime change, em inglês).
Nesta guerra, Putin não esconde os seus desígnios imperiais. No famoso discurso em que anunciou a invasão, o presidente russo invocou ações militares anteriores empreendidas pela Rússia, apresentadas como forma de “defender a integridade de nosso Estado e resguardarmos a Rússia”. Citou nomeadamente a “resistência militar aos terroristas no Cáucaso”, referindo-se ao esmagamento militar da Chechénia, “o apoio ao povo da Crimeia e de Sebastopol” (anexação da Crimeia), e o envio de tropas “para montar um bloqueio à penetração de terroristas da Síria para a Rússia” (intervenção na guerra da Síria ao lado das forças do governo Assad).
Mas o que eu quero destacar é a sua justificativa para a invasão da Ucrânia: a invocação da necessidade de garantir, em primeiro lugar, a segurança da Rússia, que estaria ameaçada pelo atual governo da Ucrânia, transformado, segundo Putin, numa arma da OTAN: “Os eventos atuais não estão ligados ao desejo de ferir os interesses da Ucrânia e do povo ucraniano. Eles estão ligados à defesa da própria Rússia contra aqueles que tomaram a Ucrânia como refém e tentam usá-la contra nosso país e o povo dele.”[5]
Onde já ouvimos isso? Não é o mesmo argumento que Israel usa para justificar todas as ações de guerra contra os palestinos, desencadeadas em nome da sua própria segurança? Não é o mesmo argumento que os EUA usaram para invadir o Afeganistão (a luta contra os terroristas que tinham atacado as Torres Gémeas)?
Ponhamos-nos de acordo: é correto denunciar o avanço da OTAN, que renegou as promessas feitas a Gorbatchóv e se expandiu para países do ex-Pacto de Varsóvia ou da esfera de influência da URSS: República Checa, Hungria, Polónia, Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Albânia, Croácia e Montenegro. Podemos compreender que a Rússia considere uma “linha vermelha” a sua exigência de que a Ucrânia não entre na OTAN (entrada que, aliás, foi vetada pela Alemanha).
Mas nada disso pode justificar a invasão de Putin para “desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia”, isto é, para pôr no poder em Kiev um fantoche que execute as suas ordens.
Além disso, no quadro de um conflito inter-imperialista, em que não apoiamos nem Putin nem a OTAN/EUA, a Ucrânia é um joguete, uma vítima que, essa sim, tem todo o direito a defender-se.
Por isso, responsabilizar, como o texto de E. e A. faz, a OTAN e os EUA pela invasão da Ucrânia é uma afirmação sem sentido algum. Quem invadiu foi a Rússia, não os Estados Unidos. Quem está a matar ucranianos são as armas russas, não as dos EUA.
E, enquanto estiver em curso a invasão, os socialistas revolucionários devem denunciá-la, exigir a retirada das tropas russas e o fim da guerra. E nunca, em circunstância alguma, apoiar os Exércitos de Putin.

O QUE É A UCRÂNIA?

O vosso texto faz uma incursão na história da Ucrânia desde os anos 800 a 1000 até os dias de hoje, mas curiosamente dá pouca importância à política dos bolcheviques antes e depois da Revolução de 1917, a mesma que Putin responsabilizou por ter “criado a Ucrânia”, afirmando mesmo que é a Lênin que se deve a existência da Ucrânia como república independente. Vocês ignoram esta fase, tão decisiva na história daquele país, preocupando-se essencialmente em caracterizar a Ucrânia como um “saco de gatos” que “tende a explodir a qualquer momento”.
Quem leia o vosso texto vai concluir que a Ucrânia é pouco mais que uma criação artificial que o imperialismo norte-americano pretende sustentar apenas para ser a sua arma contra a Rússia:
“Então, é muito provável que a Ucrânia vai se dividir. Não toda de uma vez (a não ser que a Rússia ocupe até Kiev). Mas, acho que aos poucos. Agora com o reconhecimento de Donetzk e Kugansk a situação vai endurecer. E é muito possível que regiões como Odesa, Nikolayev, Karkov e outras acabarão seguindo o mesmo caminho. Depois veremos o que acontecerá com Zaporishia, Dniepro e Poltava.
No Lado ocidental Lyov já está sendo a capital ocidental e deve se juntar à Polônia. O setor húngaro já tem passaportes húngaros. e por aí vai. Não sei se os EUA conseguirão manter uma Ucrânia ocidental unificada.”
Como veem, não estou a exagerar. Para E. e A., a Ucrânia está dividida entre russos, poloneses e húngaros, de tal forma que ficamos sem saber onde estão os ucranianos… E neste mosaico, só os Estados Unidos é que atuam para a manter unida.
Mas será que Putin tem razão, que é a Lênin que a Ucrânia tem de agradecer por ser um Estado independente?
Sim e não. Não, porque a nação ucraniana já existia muito antes de Lênin. Sim porque é verdade que Lênin sempre defendeu a nação ucraniana e o direito da Ucrânia a ser um estado independente. De facto, a Ucrânia foi uma das melhores demonstrações da aplicação prática da política de Lênin em relação às nações e nacionalidades oprimidas, de direito à autodeterminação incluindo, se fosse essa a vontade do povo, a separação.
Esta política, recordemos, foi tão importante para Lênin que o levou, no final da sua vida, a romper com Stálin e a defender que fosse afastado da secretaria-geral do Partido Bolchevique, diante das manifestações de chauvinismo grão-russo que ele demonstrou em relação à Geórgia. A contra-revolução burocrática, como não podia deixar de ser, transformou a política de Lênin no seu oposto: no lugar de uma federação livre de Estados soberanos, a União soviética foi transformada numa verdadeira “prisão dos povos”, onde os “Estados” da Federação eram governados com mão de ferro por Moscou.
Fiz uma busca rápida, não-exaustiva de escritos de Lênin sobre a Ucrânia que é suficiente para nos mostrar algo muito diferente do que E. e A. dão a entender: ao contrário de um “saco de gatos” sem qualquer coesão interna nem história comum, a Ucrânia era uma nação oprimida do império czarista.
Muito antes da Revolução de Outubro, em 1913, por exemplo, Lênin escreveu no Rabochaya Pravda um artigo relatando um debate motivado por uma resolução adotada no congresso dos estudantes a favor de uma Ucrânia independente. Os cadetes (Constitucionais-democratas, o partido da burguesia russa) atacavam a resolução por ser “separatista”, “aventureira”, um “delírio” e uma “aventura política”. Para Lênin, “os marxistas jamais esquecem o elementar direito de lutar pelo reconhecimento da completa igualdade entre as nações e o seu direito à autodeterminação” [6].
Em 1917, ainda antes de Outubro, Lênin resumia assim a sua posição: “Não favorecemos a existência de pequenos Estados. Estamos a favor da união mais cerrada dos trabalhadores do mundo contra ‘os seus próprios’ capitalistas. Mas para esta união ser voluntária, o trabalhador russo, que nem por um momento confia na burguesia russa ou ucraniana, defende agora o direito dos ucranianos à secessão, sem impor sobre eles a amizade, mas procurando conquistá-la tratando-os como iguais, como aliados e irmãos na luta pelo socialismo.”[7]
No mesmo texto, Lênin sublinhava que nenhum democrata poderia negar o direito da Ucrânia se separar da Rússia”, explicando que “só assim é possível defender uma livre união entre ucranianos e russos, uma associação voluntária de dois povos num Estado. Isso significa, acrescentava ainda Lênin, uma rotura com o passado czarista, que tinha tornado os Grão Russos carrascos do povo ucraniano, e fomentado neles o ódio por aqueles que até proibiam às crianças ucranianas o uso da fala e o estudo na língua ucraniana.
O dirigente bolchevique permaneceria coerente depois de Outubro de 1917. Em novembro de 1919, Lênin escreveu uma resolução para o comité Central do Partido Bolchevique [8] onde mais uma vez considerava essencial reafirmar o princípio da autodeterminação e a defesa de que fosse reconhecida a independência da República Socialista da Ucrânia. A vitória da Revolução na Ucrânia foi muito complicada, já que os bolcheviques não conseguiram tomar o poder em Kiev em Outubro, tendo sido proclamadas duas Repúblicas, a Popular com sede em Kiev e a Socialista com sede em Kharkov, tendo o conflito interno se misturado com a guerra civil. Por duas vezes a
república Socialista foi dissolvida pelos próprios bolcheviques, e só à terceira tentativa, repelidos os exércitos de Denikin, a República Socialista da Ucrânia prevaleceu.
A resolução do CC bolchevique defendia ainda que o partido deveria de todas as formas ajudar a romper as barreiras no caminho do livre desenvolvimento da língua e da cultura ucranianas, banidas e perseguidas durante séculos pelo czarismo e as classes dominantes.
Finalmente, apontava para a importância e a necessidade premente de ganhar a confiança dos camponeses ucranianos, não só do proletariado agrícola e dos camponeses pobres, mas também de grandes camadas do campesinato médio, cujos interesses reais se ligavam aos do poder soviético.
Insisto: Lênin nem por um momento via a nação ucraniana como uma construção artificial, mas sim como uma nação oprimida que vira negados pelos czares e depois pelo governo provisório os seus direitos nacionais mais elementares.
Esta “livre união” foi desfeita por Stálin, que a transformou de novo numa opressão nacional, levada a cabo pelo centralismo de Moscovo. Os camponeses ucranianos, que tanto preocupavam Lênin, foram alvo de perseguições e expropriações manu militari e condenados à fome que atingiu em 1932-33 o nível de uma enorme catástrofe, em que de 2,6 milhões a 10 milhões de ucranianos e ucranianas morreram à fome.
Eu defendo a política de Lênin em relação à Ucrânia e a posição de princípio quanto ao direito à autodeterminação, incluindo o direito à secessão, das nações e povos oprimidos. Gostava de saber o que E. e A. opinam sobre isto. Não considero Lênin um oráculo infalível. Mas, com sinceridade, acho que a elaboração dele sobre esta questão é um dos seus maiores legados.

“DESNAZIFICAÇÃO” DA UCRÂNIA?

No famoso discurso, já citado, com que anunciou a invasão da Ucrânia, Putin colocou como um dos objetivos “desnazificar”a Ucrânia. Ênio e Aldino usam argumentos semelhantes ao do presidente russo no seu texto, apresentando a chamada revolução da praça Maidan como um golpe de extrema-direita em 2014. Ora Maidan foi, muito diferente de um golpe, uma mobilização popular contra o governo de Yanukovitch, mobilização essa sem direção e na qual participou a extrema-direita e a esquerda. E a extrema direita conseguiu um impulso maior. Não se trata de um caso isolado no mundo. Aliás, a eclosão de movimentos espontâneos sem direção, que acabam favorecendo, de uma forma ou outra, a extrema-direita, têm ocorido mais vezes do que gostaríamos.
Não nego a existência e o papel da extrema-direita na Ucrânia. O que vejo, porém, é que sempre este papel é exagerado pelos que defendem Putin, que só veem nazis de um lado, ficando cegos para os do outro lado. Ou será que não há extrema-direita também nas autoproclamadas repúblicas do Donbass? Ou não serão os principais aliados políticos de Putin na Europa os partidos da extrema-direita, como os de Salvini (Itália), Marine Le Pen (França) e Viktor Orbán (Hungria) [9]? Ou não será que a maioria dos trumpistas dos EUA estão a apoiar Putin? [10]
A extrema-direita teve, na Ucrânia, votações bastante marginais – mais ainda se comparadas com as dos seus correligionários em países como a França, a Alemanha, ou até mesmo Portugal. Oleh Tyahnibok (União Svoboda) e Dmytro Iarosh (Setor Direito), tiveram apenas 1,2% e 0,7% dos votos nas eleições presidenciais de 2014, e nas legislativas do mesmo ano subiram um pouco, mas nada de espetacular: 4,7% para a lista do Svoboda e 1,8% para a do Setor Direito. Já nas eleições presidenciais de 2019, o candidato do Svoboda, Ruslan Koshulynskyi, teve 1,6% e o partido Svoboda, nas legislativas, ficou com 2,15% dos votos.
É verdade que o peso da extrema-direita não pode ser apenas medido pelos votos. Há também a extrema-direita “soldadesca”, miliciana, uma força neo-nacionalista como o movimento Azov e o seu partido correspondente, o Corpo Nacional. Mas daí a dizer, como faz Putin e os média que o apoiam, que o governo ucraniano é fascista vai uma distância infranquiável.[11] A verdade é que Putin usa esse discurso para ter um álibi político que dê uma cobertura política à invasão. Infelizmente, o texto de E. e A. colabora com esta cobertura.

CARTA DE KIEV

Termino dando a palavra ao historiador de esquerda Taras Bilous, que publicou uma “Carta à esquerda ocidental a partir de Kiev”[12] dirigindo-se aos “que imaginam uma ‘agressão da Nato na Ucrânia’ e aqueles que não conseguem ver a agressão russa” (…) “Ou aqueles que criticaram a Ucrânia por não implementar os acordos de Minsk mas ficaram em silêncio no que diz respeito às suas violações pela Rússia e as auto-intituladas ‘Repúblicas Populares’. Ou aqueles que exageraram a influência da extrema-direita na Ucrânia mas não prestaram atenção à extrema-direita nas ‘Repúblicas Populares’ e evitaram criticar as políticas conservadoras, nacionalistas e autoritárias de Putin. Parte da responsabilidade pelo que está a acontecer é vossa”.
Tal como a leitura do discurso de Putin na íntegra, a leitura desta carta é imprescindível para se tomar uma posição consciente e documentada sobre a guerra na Ucrânia.
Depois de escrevê-la, o historiador alistou-se na unidade de defesa territorial ucraniana para contribuir para a defesa de Kiev.
*Leia a carta de Ênio Bucchioni e Aldino Graef
Caros amigos (as),
a Ucrânia é,no momento, a principal questão da luta de classes a nível mundial e com consequências sobre todo o planeta, inclusive, é óbvio, no Brasil.
Essse texto é longo devido à complexidade da situação na Ucrânia.
Meus conhecimentos sobre a Ucrânia são muito limitados. Procuro nas publicações da esquerda brasileira e nada encontro. Vejo um ou outro comentário advogando a Paz e a manutenção do status quo do território ucraniano. Esta também é uma posição similar do Itamarati, do Papa, de Biden e do presidente da ONU.
Como o regime da Rússia de Putin é ditatorial, e como ele é um ex-chefão da sinistra KGB, alguns amigos publicaram textos pacifistas sobre a Ucrânia como se as guerras não fossem continuação da política por outros meios. Usaram argumentos cujo conteúdo é, no fundo,”Nem Biden, nem Putin” .
Cometem o mesmo erro metodológico de análise das eleições norte-americanas quando escreveram “ Nem Trump, nem Biden” pois ambos são pró imperialismo. Ou seja, terminam suas análises onde apenas deveria ser o começo. No caso da Ucrânia, é como se dizer que EUA é igual à Rússia ou talvez até mesmo que a Rússia ditatorial de Putin é pior que os EUA ‘democrático’ de Biden.
Recorri, então , a um grande amigo meu, o Aldino, que foi dirigente da antiga CS e durante a década de 70 esteve exilado por vários anos na antiga URSS. O texto abaixo , em anexo,é praticamente quase uma reprodução das mensagens que este amigo me enviou. Concordo integralmente com o raciocínio exposto no texto abaixo onde fiz alguns poucos pequenos comentários e fiz a edição final do texto.
No entanto, como a questão ucraniana é muito complexa, estou aberto a um diálogo fraternal com qualquer amigo (a) que possua argumentos distintos.
Abraços a todos (as),
Enio ,
26 de fevereiro de 2022.
Introdução: Relembrando um pouco da história.
I – A região verde do mapa ao final desse texto,, que tem o centro em Kiev, foi onde surgiu a Rúsia originária, a KIEVAN RUS nos idos dos anos 800 a 1000. O principado de Kiev era uma região muito próspera e rivalizava com Paris. Até porque aderiu ao cristianismo em 980 e o príncipe fez uma aliança com Bizâncio ( império romano do oriente, hoje Constantinopla) que era o centro econômico e politico mundial na época.
Mas, em 1240 foi invadida e completamente destruida pelos mongóis e não se recuperou por muitos séculos. O centro dos principados russos deslocou-se para o norte para Novgorod (cidadela ao norte de Moscou) e, mais tarde Moscou. Esses principados russos abrangiam toda a região a leste do Baltico (atual Ucrânia Bielorússia Polônia e rússia noreuropéia. Todos descendentes rurikidas (filhos e parentes de um antigo rei viking (Rurik). A divisão com a Polônia ocorreu apenas no século XVIII (guerra entre familias).
Entre a destruição de Kiev (1240), até 1750 aproximadamente a região de Kiev (verde) foi dominada por reinos poloneses ou lituanos (Kiev nunca mais chegou a ter relevãncia anterior até 1930 quando voltou a ser capital da Ucrânia). A partir de 1750 o império russo retoma aos poucos o controle da região, até a primeira guerra quando a Polônia invade. E Trotsky expulsa Polonia em 1921 e se assina o tratado URSS- Polonia e se define as fronteiras da Ucrânia socialista.
II – O segundo mapa ao final desse texto mostra a divisão política na Ucrânia. Nas eleições de 2004 se evidencia claramente a divisão entre os votos pró-Ocidente e União Européia de Kravchuk ( parte amarela) e de Kuchma (pró Rússia) no espaço azul.Ambos foram presidentes da Ucrânia.Em 2004 houve uma tentativa de revolução (parte laranja) e Kravchuk (pró Ocidente) chegou a sugerir a divisão da Ucrânia em dois países.
III – É fundamental recordarmos: houve um golpe da ultra-direita e dos nazistas em 2014
O golpe de 2014 foi cozinhado por muito tempo pelos EUA. Mas, havia alternãncia de partidos no poder, uns mais pró-russos (com maioria de votos sempre a leste do Dnieper) , outros menos.
A oportunidade do golpe surgiu entre final de 2013 e começo de 2014 quando o presidente eleito Yanukovitch rejeitou (após muito debate) o acordo de adesão à União Européia porque entendeu que as exigências colocadas e as condições impostas arruinariam completamente a economia ucraniana, que era totalmente integrada à estrutura econômica e mercado da antiga URSS.
Ao rejeitar o acordo surgiu um forte movimento de oposição de rua, especialmente em Kiev. Este movimento foi atiçado ao limite da insurreição pelos paises ocidentais, especialmente EUA. Derrubaram o presidente eleito e impuseram uma Junta de Governo pró ocidental, pró UE e pró OTAN, totalmente russofóbica.
Diante da confusão, a Rússia sentido que a OTAN tinha como plano tomar conta de todo o Mar Negro, da Criméia e de Sebastopol (cidade da frota russa do mar negro) estimulou a reincorporação da Criméia à Rússia. Lembremos-nos que a Criméia sempre foi russa desde 1758 quando expulsaram os móngóis. A Criméia só passou a fazer parte da Ucrânia em 1954 por meio de um Decreto inconstitucional do Krushev (que não foi contestado em virtude da estrutura hierárquica stalinista do regime) com argumento administrativo de que seria mais fácil administrar a região desde a Ucrânia (tudo era a mesma coisa) especialmente por causa do abastecimento de água que lá é um problema. Mas a população era contrária.
Quando da independência da Ucrânia em 1991 a Criméia pediu para ser reintegrada à Rússia. Houve inclusive um Decreto do Yeltsin que, logo depois foi revogado por pressão de Kiev neste sentido.
As regiões de Donetzk e Kugansk também não queriam pertencer a uma Ucrânia independente da Rússia e tiveram como promessa a realização de um referendo que Kiev enganosamente conseguiu evitar ao longo dos anos.
Lembremos também que Donetzk tem uma história antiga e em 1921 foi criada, durante um ou dos meses, uma República Socialista que depois foi incorporada na Ucrânia Socialista por convencimento e respeito a Lenin e Trotsky. Mas claramente, Criméia, Donetzk e Lugansk são regiões que sempre se consideraram russa. E se levantaram contra o golpe que sabiam viria com uma política russofóbica dos grupos nacionalistas e neonazistas no poder depois do olpe.
O que está em jogo hoje na Ucrânia
Há dois problemas de dimensões diferentes, inter-relacionados, a serem considerados na questão ucraniana:
a) o conflito EUA/OTAN-Rússia (e China);
b) da Ucrânia.
a) Existe um conflito global entre EUA/OTAN e Rússia e China pela hegemonia mundial. Os EUA estão claramente desesperados em razão do aprofundamento da crise do sistema capitalista e China e Rússia não se alinham automaticamente e buscam manter sua soberania, inclusive ameaçando a hegemonia americana nos campos militar e das novas e disruptivas tecnologias. Em certa medida este conflito é um prolongamento, em novo momento histórico e formato, do conflito com a ex-URSS. O império necessita remover do seu caminho quem tenta atrapalhar sua hegemonia global, não só de domínio do mercado mas, do poder decisório mundial. Minha posição é que a esquerda deve se posicionar contra os EUA neste conflito. Não se trata de um simples conflito inter- imperialista: China e Rússia estão sendo atacadas pelo imperialismo e oferecem resistência à hegemonia americana, estimulando também outras nações a resistir.
b) No caso da Ucrânia há dois aspectos a considerar. Em primeiro lugar, o regime vigente em Kiev é um instrumento nas mãos dos EUA/Otan contra a Rússia. Houve um golpe de Estado da ultra-direita e de grupos neonazistas claramente orquestrado pelos EUA em 2014. O objetivo foi o de criar problemas nas fronteiras da Rússia e ameaça-la, forçando a Rússia a intervir. Por este meio, utilizar a “ameaça russa” como chantagem em relação à Europa com o objetivo de separar a Rússia da Europa e, assim, evitar a Grande Eurásia (de Londres a Vladivostok) imaginado por certos lideres europeus e russos ao final da guerra fria.
E os EUA estão conseguindo, especialmente a partir de 2014 (após o golpe) aplicar sanções econômicas e políticas contra a Rússia e unir a maioria européia contra a Rússia, utilizando vorazmente a russofobia dos pequenos países da ex-URSS agora comandados por governos anti-soviéticos e anti-russos (a antiga direita esmagada pela URSS em sua época).
O que é a Ucrânia hoje
O regime de Kiev é basicamente um aglutinado de partidos e movimentos oligárquicos de direita, nacionalistas ucranianos históricos (que lutaram ao lado do nazismo na ocupação alemã da Ucrânia na II guerra) do oeste ocidental da Ucrânia. De Kiev para o leste (tudo a leste do Rio Dnieper é majoritariamente russo (falante ou nativo). Já a Ucrânia ocidental é composta de vários segmentos diferentes, os nacionalistas históricos saudosistas da antiga Galicia, a região de Lyov que é polonesa (foi integrada à Ucrânia no acordo Stalin-Hitler, não fazia parte da Ucrânia soviética de 1922), assim como uma região húngara (a Transcarpatia) e outra romena, que entraram na Ucrânia da mesma forma e essas populações vivem querendo retornar a seus países de origem. Então, é um saco de gatos e tende a explodir a qualquer momento.
Então, é muito provável que a Ucrânia vai se dividir. Não toda de uma vez (a não ser que a Rússia ocupe até Kiev). Mas, acho que aos poucos. Agora com o reconhecimento de Donetzk e Kugansk a situação vai endurecer. E é muito possível que regiões como Odesa, Nikolayev, Karkov e outras acabarão seguindo o mesmo caminho. Depois veremos o que acontecerá com Zaporishia, Dniepro e Poltava.
No Lado ocidental Lyov já está sendo a capital ocidental e deve se juntar à Polônia. O setor húngaro já tem passaportes húngaros. e por aí vai. Não sei se os EUA conseguirão manter uma Ucrânia ocidental unificada.
A profundidade do conflito na Ucrânia
Então no caso da Ucrânia, se juntam os aspectos da questão geopolítica (EUA/OTAN usando a Ucrânia como instrumento contra a Rússia) e a questão do conflito interno das nacionalidades. É insolúvel, a meu ver, pela via diplomática relativamente aos dois aspectos. OS EUA e OTAN não vão aceitar perder o controle sobre Kiev e a fronteira russa se não for pela imposição da força pela Rússia.
Ou seja, ou a Rússia derruba o atual governo ucraniano (com o apoio da população russa local) ou Ucrânia será uma ameaça nuclear para a Rússia nos próximos anos. E do ponto de vista do conflito interno, há desde o golpe de 2014, uma guerra civil em andamento e o governo de Kiev é cada vez mais autoritário, mais fascista e antirusso.
Também não há volta porque Kiev não aceita implementar os acordos de Minsk (firmados com o então presidente Poroshenko (quando as milicias estavam dando uma surra no exército). Então a solução será também neste aspecto pela força. A Rússia tem tentado congelar nestes anos o conflito militar e negociar uma saida federalista para a Ucrânia. Mas, agora isso se juntou com o aprofundamento do conflito com EUA e OTAN (incluida a China na equação) e tudo indica que a Rússia será forçada a intervir e invadir agora em sua defesa estratégica.
E os EUA estão tentando tudo para a Rússia intervir para aplicar sanções draconianas em todos os campos e isolar a Rússia. Mas, não tem jeito. Os militares russos estão cada vez mais nervosos exigindo medidas definitivas. Já impuseram uma diretriz na política de defesa que qualquer artefato lançado contra o território russo a partir de países próximos (em que não há muito tempo para reagir) seja considerado um artefato nuclear, com resposta equivalente.
Neste sentido, há um risco grande de o conflito com a Ucrânia se estender para a Polônia (onde tem bases da OTAN que tem tido enfrentamentos com a Bielorússia recentemente) , aos países bálticos e também à Romênia (próxima da Criméia) especialmente nos casos das escaramuças no Mar Negro (que já tem havido várias).
A crise da Ucrânia tem a ver com a Alemanha
“O interesse primordial dos Estados Unidos, sobre os quais durante séculos travamos guerras – a Primeira, a Segunda e a Guerra Fria – tem sido a relação entre a Alemanha e a Rússia, porque unidas ali, elas são a única força que pode nos ameaçar. . E para garantir que isso não aconteça.” [ George Friedman, CEO da STRATFOR no Conselho de Relações Exteriores de Chicago]
A crise ucraniana não tem muito a ver com a Ucrânia. É sobre a Alemanha e, em particular, um gasoduto que liga a Alemanha à Rússia chamado Nord Stream 2, também conhecido como Gasoduto Russo-Alemão, Gasoduto do Mar Báltico. Washington vê o gasoduto como uma ameaça à sua primazia na Europa e tentou sabotar o projeto a cada passo. Mesmo assim, o Nord Stream avançou e agora está totalmente operacional e pronto para uso. Assim que os reguladores alemães fornecerem a certificação final, as entregas de gás começarão. Proprietários e empresas alemãs terão uma fonte confiável de energia limpa e barata, enquanto a Rússia verá um aumento significativo em suas receitas de gás. É uma situação ganha-ganha para ambas as partes.
O establishment da política externa dos EUA não está feliz com esses desenvolvimentos. Eles não querem que a Alemanha se torne mais dependente do gás russo porque o comércio cria confiança e a confiança leva à expansão do comércio. À medida que as relações se tornam mais calorosas, mais barreiras comerciais são levantadas, regulamentações são amenizadas, viagens e turismo aumentam e uma nova arquitetura de segurança evolui.
Em um mundo onde a Alemanha e a Rússia são amigos e parceiros comerciais, não há necessidade de bases militares dos EUA, não há necessidade de armas e sistemas de mísseis caros fabricados nos EUA, e não há necessidade da OTAN.
Também não há necessidade de fazer negócios de energia em dólares americanos ou estocar títulos do Tesouro dos EUA para equilibrar as contas. As transações entre parceiros de negócios podem ser realizadas em suas próprias moedas, o que deve precipitar uma queda acentuada no valor do dólar e uma mudança dramática no poder econômico.
É por isso que o governo Biden se opõe ao Nord Stream. Não é apenas um pipeline, é uma janela para o futuro; um futuro em que a Europa e a Ásia se aproximam em uma enorme zona de livre comércio que aumenta seu poder e prosperidade mútuos, deixando os EUA do lado de fora. As relações mais calorosas entre a Alemanha e a Rússia sinalizam o fim da ordem mundial “unipolar” que os EUA supervisionaram nos últimos 75 anos. Uma aliança germano-russa ameaça acelerar o declínio da superpotência que atualmente está se aproximando do abismo. É por isso que Washington está determinado a fazer tudo o que puder para sabotar o Nord Stream e manter a Alemanha dentro de sua órbita. É uma questão de sobrevivência.
É aí que a Ucrânia entra em cena. A Ucrânia é a “arma preferida” de Washington para torpedear o Nord Stream e colocar uma barreira entre a Alemanha e a Rússia. A estratégia é extraída da primeira página do Manual de Política Externa dos EUA sob a rubrica: “Dividir para reinar”.
Washington precisa criar a percepção de que a Rússia representa uma ameaça à segurança da Europa. Esse é o objetivo. Eles precisam mostrar que Putin é um agressor sanguinário com um temperamento explosivo em quem não se pode confiar. Para esse fim, a mídia recebeu a tarefa de reiterar repetidamente: “A Rússia está planejando invadir a Ucrânia”. O que não foi dito é que a Rússia não invadiu nenhum país desde a dissolução da União Soviética, e que os EUA invadiram ou derrubaram regimes em mais de 50 países no mesmo período de tempo, e que os EUA mantêm mais de 800 bases militares em países ao redor do mundo. Nada disso é relatado pela mídia, em vez disso, o foco está no “malvado Putin”, que acumulou cerca de 100.000 soldados ao longo da fronteira ucraniana, ameaçando mergulhar toda a Europa em outra guerra sangrenta.
Toda a propaganda de guerra histérica é criada com a intenção de fabricar uma crise que pode ser usada para isolar, demonizar e, finalmente, fragmentar a Rússia em unidades menores. O verdadeiro alvo, no entanto, não é a Rússia, mas a Alemanha. Confira este trecho de um artigo de Michael Hudson no The Unz Review:
“A única maneira que resta para os diplomatas dos EUA bloquearem as compras europeias é incitar a Rússia a uma resposta militar e depois alegar que vingar essa resposta supera qualquer interesse econômico puramente nacional. Como a subsecretária de Estado para Assuntos Políticos, Victoria Nuland, explicou em uma coletiva de imprensa do Departamento de Estado em 27 de janeiro: “Se a Rússia invadir a Ucrânia de uma forma ou de outra, o Nord Stream 2 não avançará”. ( “Os adversários reais da América são seus aliados europeus e outros” , The Unz Review)
Aí está em preto e branco. A equipe de Biden quer “incitar a Rússia a uma resposta militar” para sabotar o NordStream. Isso implica que haverá algum tipo de provocação destinada a induzir Putin a enviar suas tropas através da fronteira para defender os russos étnicos na parte leste do país. Se Putin morder a isca, a resposta será rápida e dura. A mídia vai criticar a ação como uma ameaça para toda a Europa, enquanto líderes de todo o mundo denunciam Putin como o “novo Hitler”. Esta é a estratégia de Washington em poucas palavras, e toda a produção está sendo orquestrada com um objetivo em mente; para tornar politicamente impossível para o chanceler alemão Olaf Scholz passar o NordStream pelo processo de aprovação final.
Em termos imediatos os EUA/OTAN conseguira a coesão ocidental para aplicação de sanções à Rússia e evitar a entrada em funcionamento do Nord Stream II. Mas, a médio prazo isso vai ter impactos que poderão detonar uma crise nos principais países europeus e nas relações destes com os EUA/OTAN. A crise energética na Europa já é um fato e aumentará pesadamente com a não utilização do Nord Stream II.
Medevev já deu o recado ao premiker alemão Sholtz pelo Twiter hoje: “Bravo Sholtz. Logo, logo, pagarão 2.000 dólares pelo gaz que hoje está em mil.”
E, a crise política vai estourar porque além do aumentos dos preços e da inflação, a falta do gás russo pode interromper a implementação dos planos de redução de emissões. Não esquecendo que logo terminarão os contratos de passagem de gas russo pela Polônia e Ucrânia e, muito provavelmente a Rússia não os renovará. Aí que a cobra vai fumar. Além disto as elites capitalistas não vão querer perder o acesso ao barato gás russo (entre outras coisas). A direita se fortalecerá e a Socialdemocracia pode sofrer as consequências seja na Alemanha, como na França e na Itália, além da Áustria que tem centenas de projetos de investimento na Rússia. Quem viver verá.
Enio, 24 de fevereiro de 2022
NOTAS
1. Ver https://pt.wikipedia.org/…/Lista_de_pa%C3%ADses_por…
2. Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Belt_and_Road_Initiative
3. Ver https://en.wikipedia.org/…/List_of_countries_by_GDP…
4. Lênin, “O Socialismo e a Guerra”, 1915.
5. Retirado do discurso de Putin, publicado na íntegra pela Folha de S. Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/…/veja-integra-do…
6 . Ver em https://www.marxists.org/arc…/lenin/works/1913/jul/16b.htm
7. Ver em https://www.marxists.org/…/lenin/works/1917/jun/28.htm…
8. Ver em https://www.marxists.org/arc…/lenin/works/1919/nov/x01.htm
9. Ver o artigo “Putin, o czar da extrema direita russa e europeia” em https://www.esquerda.net/…/putin-o-czar-da…/79593
10. Ver “Ucrânia: a extrema-direita americana escolheu Putin” em https://www.esquerda.net/…/ucrania-extrema…/79632
11. Sobre a extrema-direita ucraniana, ver “Os dois rostos da extrema-direita ucraniana”
https://www.esquerda.net/…/os-dois-rostos-da…/79575
12. Ver “Uma carta à esquerda ocidental a partir de Kiev” em https://www.esquerda.net/…/uma-carta-esquerda…/79624
Texto de Ênio Bucchioni e Aldino Graef https://www.facebook.com/enio.bucchioni/posts/5327537447256554
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