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BRASIL

Com crise e pandemia ricos ficam mais ricos e pobres ficam mais pobres

Frederico Costa*, de Fortaleza, CE
Prefeitura RIo/Divulgação

A terceira edição do boletim Desigualdade nas Metrópoles (1) indica a situação cada vez pior da maioria da população brasileira, nesses tempos de crise econômica, pandemia e governo de extrema direita. A publicação é resultado de pesquisa desenvolvida pela PUC-RS, pelo Observatório das Metrópoles e pelo RedODSAL (Observatório da Dívida Social na América Latina), com base em dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE, cuja série começa em 2012. O objeto pesquisado foram 20 regiões metropolitanas: Manaus, Belém, Macapá, Grande São Luís, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Grande Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vale do Rio Cuiabá e Goiânia), além do Distrito Federal e da Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento da Grande TeresinaA pesquisa considerou apenas a renda do trabalho, não incluindo benefícios emergenciais, como o auxílio que foi pago no ano passado de maio a dezembro. Eis os principais destaques desse estudo elucidativo sobre as contradições atuais da formação econômico-social brasileira:

1 – Houve um aumento significativo e generalizado das desigualdades relativas aos rendimentos do trabalho no interior das metrópoles no último trimestre. A média do coeficiente de Gini (2) para o conjunto das Regiões Metropolitanas era de 0.610 no 1º trimestre de 2020, e, no 2º trimestre de 2020, chegou em 0.640.

2 – Em geral, todos os estratos de rendimento apresentaram queda de sua renda do trabalho, no último trimestre, mas essa queda foi proporcionalmente maior entre os 40% mais pobres. O conjunto dos 10% do topo de cada região metropolitana teve redução de -3.2% em seus rendimentos; para os 40% mais pobres essa redução foi de -32.1%.

3 – Em geral, houve um aumento da distância entre o topo e a base da pirâmide no interior das metrópoles, ao longo dos últimos anos, com aceleração desse crescimento no último trimestre. A razão entre a renda do trabalho no topo (10% superiores) e na base (40% inferiores) vem crescendo de forma permanente desde 2015; e, em 2020, assim como para os outros indicadores de desigualdade, houve um crescimento ainda maior. No 3º trimestre de 2015 essa razão era, em média, de 22.5, subindo para 30.2 no 1º trimestre de 2020, e chegando a 32.6 no último trimestre.

4 – Identificamos um substantivo aumento do percentual de vulnerabilidade relativa (pessoas cuja renda domiciliar do trabalho não chega à metade do perfil mediano) no interior das metrópoles no período mais recente. No 1º trimestre de 2020, tínhamos 23.5 milhões de pessoas nessa situação, correspondendo a 28.4% da população. E, no último trimestre, chegávamos a 25.8 milhões de pessoas, ou 31.3% da população metropolitana.

5 – A desigualdade racial tem se mantido em nível elevado no interior das metrópoles. No geral, o que verificamos é uma tendência de manutenção dos rendimentos relativos dos negros, em relação aos, dos brancos, no interior das metrópoles. Na média das Regiões Metropolitanas, no 2º trimestre de 2020, os negros apresentam um rendimento domiciliar médio correspondente a somente 57.4% do rendimento dos brancos.

De 2019 a 2020, houve uma queda maior dos ganhos daquela parcela da população com menor rendimento. Noutras palavras, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. Levando-se em conta apenas a média do último trimestre de cada ano, a renda do trabalho para os mais pobres recuou 34,2%, de R$ 237,18 por mês no final de 2019 para R$ 155,95 nos últimos três meses de 2020. Entre os 10% mais ricos, o recuo foi de 6,9%, para R$ 6.356. Para o grupo intermediário, que representa 50% da população, caiu 8,6%, para R$ 1.195.

Esse quadro de empobrecimento, vulnerabilidade, concentração de riqueza e racismo estrutural é síntese de múltiplas determinações. A herança colonial de escravismo, latifúndio e subalternidade na divisão internacional do trabalho, que foram redimensionados num capitalismo periférico alicerçado na superexploração da população trabalhadora. A natureza antidemocrática das classes dominantes brasileiras, que coabitam a dominação com o imperialismo. O salto de qualidade na ofensiva do capital dado com o golpe de 2016 com a destruição do sistema, previdenciário, de direitos trabalhistas e de limites dos gastos sociais (teto dos gastos). Um governo de extrema direita genocida, obscurantista, de programa econômico liberal e com ataques constantes ao movimento organizado dos trabalhadores. Por último, uma vacilação das direções sindicais e políticas de esquerda majoritárias em implementar uma orientação de defesa dos interesses da maioria dos brasileiros e brasileiras na defesa do fim do governo Bolsonaro, de medidas de defesa da vida (vacinação, auxílio emergencial, restaurantes populares, frentes de trabalho, congelamento de gêneros de primeira necessidade, nenhum despejo) e reformas estruturais (agrária, urbana, tributária, estatizações). Sem mobilização, unidade das lutas e uma frente política de esquerda a tendência é um aprofundamento crescente das desigualdades.

*Frederico Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.

NOTAS

(1) https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wpcontent/uploads/2020/10/BOLETIM_DESIGUALDADE-NAS-METROPOLESl_01v02.pdf

(2) O Coeficiente de Gini mede o grau de distribuição de rendimentos entre os indivíduos de uma população, variando de zero a um. O valor zero representa a situação de completa igualdade, em que todos teriam a mesma renda; e o valor um representa uma situação de completa desigualdade, em que uma só pessoa deteria toda a renda. Dessa forma, é possível comparar a desigualdade de renda entre dois momentos ou locais a partir desse coeficiente.