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BRASIL

Quatro reflexões sobre os atos antifascistas de domingo

Gabriel Santos, de Maceió, AL
Twitter / @tathiane_vidal

Mulheres corintianas no ato de domingo, na Av. Paulista

O fim de semana, como se tornou costume no Brasil, trouxe fatos importantes para a situação política no Brasil. Na madrugada de sábado, o grupo fascista “300”, organizado por Sara Winter e que se inspira em movimentos neofascistas europeus (em particular ucranianos), marchou durante a noite fria de Brasília rumo ao STF. Carregando tochas e vestidos ao molde dos supremacistas brancos da Klu Klux Klan, este grupo fascista estava à vontade nas ruas da capital federal.

O domingo seria dia de novos atos dos bolsonaristas pedindo o fechamento do STF, o fim do regime democrático-burguês, a reabertura do comércio e o fim do isolamento sanitário, ou seja, pedindo a morte de milhares de brasileiros pobres. A grande novidade foi uma resposta vinda do movimento de massas. Atos anti-fascistas realizados por torcidas organizadas e torcidas organizadas antifascistas aconteceram em pelo menos quatro cidades: São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba e literalmente colocaram os bolsonaristas para correr. O mais significativo desses atos, ocorrido na Avenida Paulista, foi alvo de uma brutal repressão da Polícia Militar. No Rio de Janeiro vimos ações do movimento negro pedindo justiça e o fim das mortes em operações policiais nas favelas.

Essas manifestações antifascistas e antirracistas têm potencial para se tornarem ações comuns? Elas têm potencial para impulsionarem a criação de frentes antifascistas? São úteis na tarefa de organizar a luta contra Bolsonaro? Se sim, como impulsionar as mesmas e fazer com que avancem tanto em força como modelo organizativo? São perguntas que neste momento muitos se fazem e a respostas para elas se encontra no próprio desenvolvimento da luta de classes. Aqui buscamos apresentar algumas observações e reflexões dos atos de ontem, sem respostas prontas.

1 – Sobre as contradições entre os atos e o distanciamento social

Os militantes da esquerda brasileira são e devem ser aqueles mais responsáveis quando o assunto é o distanciamento social. Este precisa ser visto como um direito, e nós exigimos do Estado que garanta as condições para que a população possa ter esse direito garantido. Desde o início da pandemia as forças de esquerda tem “rompido o isolamento” para realizar campanhas de solidariedade, assim ajudando e garantindo meios para que outras pessoas possam fazer o mesmo. Ou em atos da linha de frente, como o das enfermeiras, em Brasília.

Os atos como os de ontem são impossíveis de ocorrer sem que se tenha aglomerações. Uma aparente contradição. Porém, não foram as forças de esquerda que criaram esta contradição, ela é um fato da realidade. Para defender o direito ao isolamento foi preciso romper o mesmo, e combater as forças fascistas que almejam o fechamento de regime. Para defender o direito ao isolamento sanitário em suas casas sem que isso seja um risco de ter suas casas invadidas ou serem assassinados pela Polícia Militar, foi preciso que negras e negros das favelas cariocas rompessem o isolamento sanitário.

2 – Sobre o fascismo no Brasil e a situação política

O fascismo historicamente é entendido como a ditadura aberta do capitalismo monopolista. Sua estratégia é levar as forças que representam a classe trabalhadora para uma derrota histórica, e atuam para destruir as organizações e movimentos sociais dos trabalhadores. Assim permitindo total destruição de direitos e uma superexploração dos trabalhadores.

Como movimento social, tem sua base nas camadas médias da sociedade. Deste setor forma milícias que buscam se impor fisicamente sobre os movimentos operários. Não vivemos uma normalidade democrática no Brasil. Desde o golpe de 2016 se abriu uma fissura no regime que ainda não se fechou. A Nova República que surge após a Constituição de 1988 e se afirma após a primeira eleição de FHC está em frangalhos. Uma disputa social para reorganizar o regime e por uma nova norma jurídico-social acontece no país e nela as forças de extrema-direita estão em vantagem.

Os atos antifascistas e antirracistas colocaram em cena a ação do movimento de massas neste período de pandemia. Ainda que de forma pequena e pontual, e para um objetivo específico: realizar contra-atos e impedir manifestações bolsonaristas. Estas ações irão e/ou deverão continuar com a pandemia não tendo chegado em seu pico no Brasil?

Diante do grau de conflito que se instaura na sociedade brasileira, que tem um verdadeiro crescimento de ações de grupos fascistas, é possível que se tenha em cenário de nacionalização de ações antifascistas como respostas.

3 – Sobre a segurança

Caso ocorra a nacionalização de ações ANTIFA, hipótese que trabalhamos como mais provável, o confronto entre fascistas e antifascistas se tornaria mais frequentes, o que demandaria uma organização prévia das forças sociais socialistas. É válido apontar que as forças fascistas têm duas vantagens. A primeira é que eles estão no governo, a segunda é que as forças policiais são influenciadas por sua ideologia bolsonarista. Caso ocorra um crescimento do número de contra-atos ANTIFAS, as forças bolsonaristas também tomarão ciência disto, e irão se preparar para confrontos mais densos, até que um dos lados seja derrotado.

É um dever pensarmos nossa segurança e a de nossos coletivos. A divulgação de imagens e vídeos das ações devem tomar o cuidado para tapar o rosto dos manifestantes impedindo futuras denúncias e processos. Outras medidas precisam ser tomadas. É preciso que criemos uma nova cultura de militância para participar desses atos. As tradicionais camisas dos coletivos e as bandeiras podem gerar facilidade para as forças repressoras? Como usar as redes sociais com segurança? São algumas de muitas questões que precisamos pensar.

Sabemos também que os militantes negros e periféricos serão os alvos mais fáceis tanto da repressão estatal quando dos grupos fascistas. O longo trajeto entre atos e a casa desses militantes, o fato de serem negros, entre muitas outras coisas, faz com que seja preciso pensar sobre isto.

Todo cuidado é pouco. Nós não estamos na normalidade democrática de anos anteriores. Temos um governo fascista com apoio dos militares que buscar fechar o regime de vez. Precisamos cuidar dos nossos. Ações isoladas e desorganizadas seriam neste momento irresponsáveis. Existe uma linha tênue que não pode ser cruzada. O concreto é que nada se faz sem uma organização coletiva prévia.

4 – Sobre a organização

É preciso apontar que estas ações antifascistas, feitas por um pequeno número de militantes, tem a função de impedir atos fascistas, ou seja, são ações de enfrentamento direito. A tarefa dela é uma só: colocar os fascistas para a casa. Se os fascistas continuarem indo para as ruas, como as forças de esquerda podem agir? Atos organizados por movimentos que não são tradicionalmente aqueles que as forças sociais que a esquerda brasileira têm contato irão continuar? São temas que precisamos refletir.

A primeira coisa a ser posta na mesa é se estes atos são positivos para a conjuntura ou não, e se eles ajudam ou atrapalham na luta contra o governo Bolsonaro. Em minha opinião estes atos são positivos. Eles tiveram a capacidade de aumentar a moral de ativistas no Brasil todo. Foi uma vitória pontual contra o fascismo.

Porém o grande “x” da questão é se existe a possibilidade desses atos evoluírem para a criação de diversas frentes antifascistas ainda que espalhadas nacionalmente que sejam impulsionadas por movimentos sociais, coletivos, e partidos políticos, que além de impulsionar ações pontuais (algo que não é pouca coisa) passe a pensar um programa comum, e outros tipos de ações? Acredito aqui que existe sim esta possibilidade, o que não significa que ela irá ser feita. Uma certeza é que esse avanço na qualidade não vai acontecer de forma espontânea.

Dizer isto significa trabalhar com a hipótese de que existe espaço na conjuntura para tais frentes, que também existe uma vanguarda que se moveria e atuaria nelas, assim como que a conformação das mesmas seria de interesse das forças de esquerda. As dificuldades são diversas. Além da pandemia, perpassa por uma unidade entre forças e movimentos sociais diversos, ou seja, uma maturidade política que ainda não temos. E pelo fato das principais forças da esquerda brasileira apostarem uma um estratégia diferente no combate ao governo Bolsonaro.

Apesar disto é importante colocarmos que os atos ANTIFA têm em si um caráter de ato de Frente Única, mas isto não significa que eles sejam organizados por uma frente deste tipo, ou que já sejam atos de Frente Única, superar esta contradição é uma tarefa das forças de esquerda socialista.

Não se tem de imediato respostas ou fórmulas prontas. É preciso pensar calmamente antes de agir. Respostas rápidas podem gerar ações desastrosas. A pandemia é uma situação que precisa ser levada sempre em consideração e não pode ser secundarizada.

A grande questão é que se abre uma pequena chance de atuação em um novo terreno no combate ao fascismo. Não digo isto pelo fato das pontuais ações de confronto aos atos dos bolsonaristas. Mas essencialmente, pela possibilidade de desenvolvimento destas ações e formação de algo maior. Abre-se nos próximos dias um debate na vanguarda, nas organizações e entre elas, sobre o tamanho desta possibilidade e como realizar as ações diretas. Assim como a pergunta crucial se devemos ou não devemos aproveitar a oportunidade que é aberta? Podemos ou não podemos intervir politicamente no atual momento e com toda a contradição buscando algo qualitativamente superior?

Responder estas perguntas e o tempo que responderemos serão definidores. O debate aberto não durará para sempre, nem a oportunidade que se coloca.

 

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