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BRASIL

Bolsonaro organiza seu bunker

Cláudio Gurgel*, de Niterói, RJ
Agência Brasil

Jair Bolsonaro, durante videoconferência

Bolsonaro acredita que está ameaçado de impeachment.

Sua cabeça – que existe – é a cabeça de conspirador, formada ao longo do tempo, mas amadurecida pela intensidade do processo que levou à deposição da ex-presidente Dilma, do qual ele participou. Ele viu de perto como tudo aconteceu e pode acontecer.

Há algum tempo, o impeachment ronda Brasília. Mas a direita hegemônica no Congresso demonstra insegurança. Além disto, o empresariado está hoje avesso a mais turbulência e satisfeito com a transfusão financeira do Estado para seus bolsos, via iniciativas do Banco Central. Mas Bolsonaro tem, com razão, os seus fantasmas.

Por isto, entre garantir 2022 e o aqui e agora, ele faz um cálculo simples: não haverá 2022 sem o aqui e agora. Portanto, é preciso proteger o mandato presidencial, a todo custo, para depois pretender a reeleição.

Três frentes

Seus movimentos estão dentro dessa equação e têm agora três frentes. A primeira, ainda que no momento não seja a principal, é garantir a popularidade que lhe assegure estar viável para um segundo turno eleitoral em 2022 – sempre se devendo reconhecer que o futuro a Deus pertence. Essa viabilidade o valoriza para o futuro, mas também o ajuda no presente a escapar do impeachment.

A segunda frente é aquela que tem sido explícita, porque não pode ser discreta, como ele gostaria: a construção do Centrão do B, do Bolsonaro, fique claro.

Com essa fração que descola de Rodrigo Maia e que se constitui basicamente da escória da escória do congresso nacional, ele pretende formar uma base parlamentar. São os herdeiros e seguidores de Roberto Jefferson, Valdemar da Costa Neto e Gilberto Kassab que somados aos bolsonaristas fiéis poderão impedir um eventual impeachment. Não se trata de base parlamentar para aprovar reformas – isto está garantido, porque as reformas neoliberais passam por outros e muitos interesses. Trata-se exclusivamente de uma base parlamentar para barrar o impeachment.

Mas é a terceira frente, principal nesse momento, que pode lhe garantir o presente e o futuro, segundo suas avaliações: a frente militar. Suas sucessivas nomeações de militares – antes apenas generais de pijama, aposentados – agora oficiais na ativa, não se limitam a um apelo à racionalidade e suposta competência dos militares. Bolsonaro está montando o seu bunker.

Governo militar

Aumentando o número e os vínculos com os militares, dando-lhes cada vez mais poder, seja funcional, seja político (vide o protagonismo do general Braga e o Plano Pro-Brasil), Bolsonaro reafirma a sua convicção já declarada de que o poder depende das armas. Em março de 2019, discursando em cerimônia militar no Rio de Janeiro, ele disse, em seu português problemático, que “democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Forças Armadas assim o quer” .

É claro que a estratégia dos novos golpes do hemisfério – a pressão nos bastidores, o lawfare e o arranjo parlamentar – é a opção preferencial. Os militares preferem que os golpes poupem seus fuzis e se realizem democraticamente.

Mas Bolsonaro acredita que, chegados os momentos decisivos, a tentativa de impeachment e, mais tarde, as eleições de 2022, os militares possam ser mobilizados para defender o seu – dos militares – governo.
A queda do então ministro Sérgio Moro é parte desse cálculo.

Moro

Bolsonaro convenceu-se de que a Polícia Federal chegaria à sua casa – já tão mal avizinhada – e isto daria ao processo de impeachment um impulso irresistível. Por isto resolveu controlar, através de um preposto na direção da PF, as operações que se aproximam dele e de sua família. Não lhe agradaria perder Moro, mas não lhe restava alternativa. Para ter seu homem à frente da PF, com quem vai interagir, esse risco estava posto. Seu cálculo errado foi de que Moro estaria prisioneiro da promessa que lhe fez de nomeá-lo para o Supremo Tribunal Federal e engoliria mais um sapo. Mas Moro é tudo, menos bobo. Ele já havia compreendido que não é o alguém terrivelmente evangélico, ou melhor, bolsonarista, que o presidente indicará para o Supremo em setembro. Enfim, Moro já havia percebido que não seria nomeado para o STF.

A saída de Moro não é uma perda de todo: grande parte do Congresso não aprecia Moro. Vide o silêncio de Alcolumbre e Rodrigo Maia no episódio de sexta, 24/4. Particularmente, o Centrão do B, com muitos processados na Lavajato, estará mais à vontade, ainda que entre Moro e essa fração de políticos não haja troco. Ambos valem a mesma coisa.

 

Conclusão

Em síntese, Bolsonaro avança para o confronto, porque foi o que lhe restou. Não tanto porque ele cultue o conflito – ainda que isto pareça ser verdade e tenha importância no seu desempenho.

Suas perspectivas não são más, diga-se em conclusão. Brevemente Rodrigo Maia deixa a presidência da Cämara e também se aproxima o tempo de mudanças no STF. Ele nomeará dois ministros terrivelmente bolsonaristas, em substituição a dois ministros garantistas, Celso e Marco Aurélio Mello.

Bolsonaro pode entrar em 2021 controlando ou neutralizando os 3 poderes.

Talvez, passado esse momento, não mais se ofereça uma conjuntura tão adversa para Bolsonaro e os próximos anos tirem do horizonte as soluções burocráticas para derrotá-lo.

É verdade que sua popularidade continuará caindo e outras perdas podem se acumular. Isto o tornará mais dependente de sua frente militar.

Claro, o coronavírus pode derrotá-lo antes. Alguém mais?

* Cláudio Gurgel é professor titular da Universidade Federal Fluminense, UFF. Economista, mestre em administração pública, mestre em ciência política e doutor em educação.

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Governo Bolsonaro