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BRASIL

Autonomia universitária sangra na USP após pressão política de Janaína Paschoal

Faculdade de Saúde Pública cancela prova de Curso de Especialização em Saúde Pública depois de questionamentos superficiais da deputada estadual

Daiane Curi, de São Paulo, SP
Francisco Emolo/USP Imagens

Faculdade de Saúde Pública da USP

A patrulha ideológica está solta em São Paulo. Depois do abjeto Escola Sem Partido, a deputada estadual Janaína Paschoal agora ataca a autonomia universitária em matéria publicada na Folha de São Paulo onde foi anunciado que, no dia 02 de novembro, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) cancelou o processo seletivo 2019-2021 do Curso de Especialização em Saúde Pública (CESP). O fato ocorreu mesmo depois da lista de aprovados e julgamento dos recursos no dia primeiro de novembro de 2019 terem sido publicados, neste havia um pedido de cancelamento da prova no qual foi indeferido.

Ao que tudo consta, se não fosse a interferência política de Janaína Paschoal, a prova não seria cancelada e os aprovados iniciariam a matrícula nesta segunda, dia 04 de novembro.

Vale ressaltar que o edital, o ambiente virtual de aprendizagem chamado Moodle e também o sítio da FSP deixaram bem claro que a prova era de conhecimentos gerais por conta da seleção de formandos de várias áreas do conhecimento e não apenas da área da saúde. A deputada questionou a ausência de questões sobre saúde pública, o que mostra que nem se deu ao trabalho de ler o edital antes de polemizar algo já acordado tacitamente com aqueles que se inscreveram no processo.

Janaína Paschoal, figura que já admitiu que Dilma não sofreu impeachment por erros contábeis, assim como, o vice da chapa, Michel Temer disse em entrevista que foi golpe, agora ela questiona justamente uma questão que trazia como resposta correta que Dilma Rousseff sofreu golpe institucional em 2016. Outras coisas dignas de sua fama, são os questionamentos de que Lula seria considerado preso político no âmbito internacional, sobre a morte de Marielle Franco que também é assunto de atualidades, sobre Luiz Carlos Prestes.

Uma das disciplinas ofertadas no curso se refere a História da saúde pública e com isso a reforma da saúde, lutas populares e exclusão de muita gente. Infelizmente, para Janaína, estudar a história do Brasil mexe com o ego de figuras como a dela e deve incomodar, senão seria apenas uma ficção de mau gosto e não história do nosso povo.

O mais perigoso é que nesse ataque à autonomia universitária e à democracia, a resposta da USP e da reitoria, que pressionaram a FSP, foi de cancelar a prova. Esse tipo de coisa significa que nossa democracia está cada vez mais decadente.

Segue a Carta na Íntegra dos aprovados na primeira chamada no processo seletivo CESP 2019-2021 da FSP:

ILUSTRÍSSIMO SENHOR DIRETOR DA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, PROFESSOR DOUTOR OSWALDO YOSHIMI TANAKA.

OS ALUNOS APROVADOS NO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU “ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA – CESP 2019-2021” DA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

vêm, muito respeitosamente, à presença de Vossa Senhoria, investidos em sua condição de aprovados no processo seletivo vigente, para expor e requerer o quanto segue, formalizando o presente REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, com fulcro nas Leis federais n° 12.527, de 18 de novembro de 2011 e nº 13.460, de 26 de junho 2017, bem como o Decreto Estadual nº 58.052, de 16 de maio de 2012, em face dos fatos ocorridos entre a divulgação dos aprovados no certame e a anulação do mesmo, divulgado através de notícia veiculada na versão eletrônica do jornal “Folha de S. Paulo” no dia 03 de novembro de 2019.

CONSIDERANDO OS FATOS OCORRIDOS:

  1. Que em 01/11/2019, sexta-feira, a Deputada Estadual Janaína Paschoal (PSL) fez declaração na ALESP sobre suposta irregularidade na prova de seleção do CESP edição 2019-2021, fato público e notório. Ela questionou que a prova realizada não trazia conteúdos de saúde pública e desrespeitava o princípio da IMPESSOALIDADE na administração pública;
  2. Que o edital do certame e as telas de acesso do sistema MOODLE são claros quanto ao TEOR DOS CONTEÚDOS cobrados na primeira fase do processo seletivo, implicando em uma aceitação explícita e tácita das regras impostas pelo edital;
  3. Que após manifestação da já referida deputada, a FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA, de forma lacônica, publica nota em seu sítio oficial informando do cancelamento das provas, sem explicações detalhadas de quais CRITÉRIOS QUE NORTEARAM A ANULAÇÃO DA PROVA;
  4. Que o campo da SAÚDE PÚBLICA amplo, multi e transdisciplinar/profissional abrangendo desde a medicina social até o campo do direito sanitário, economia em saúde, sociologia em saúde, geografia médica, odontologia, administração pública, entre outros, uma prova de conhecimentos gerais e atualidades NÃO FOGE da temática exposta no curso;
  5. Que o histórico dos homens e mulheres envolvidos na Saúde Pública no Brasil sempre lutaram, em conjunto com a sociedade, por um sistema público, universal, gratuito e de qualidade, o que culminou com movimento da REFORMA SANITÁRIA e, consequentemente na constituição do Sistema Único de Saúde (SUS);
  6. Que a AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA é garantida pela Constituição Federal (CF) no artigo Os limites da autonomia são dados pelos princípios da IMPESSOALIDADE E ISONOMIA (obedecidos no certame) e não cabe ao parlamento paulista interferir na proposta didática ou no conteúdo do concurso;
  7. Que a liberdade de ensinar e aprender (LIBERDADE DE CÁTEDRA) é uma GARANTIA da CF no artigo 206 e reafirmada pela Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB);
  8. Que os APROVADOS no CESP 2019-2021 obedeceram de forma RIGOROSA todas as instruções, etapas e exigências expostas no edital 01/2019, em editais complementares e retificados á posteriori;
  9. Que no dia 01/11/2019 foi publicado o resultado do julgamento dos recursos interpostos, sendo que todos foram INDEFERIDOS, inclusive um que solicitava anulação da prova de conhecimentos gerais e outro que solicitava a reconsideração dos critérios de avaliação. Isto contradiz a decisão posterior unilateral e abrupta da diretoria da FSP em cancelar a prova;
  10. Que no dia 04/11/2019, em nova nota a direção da faculdade informou que “a Comissão tomará providências para que não haja prejuízo financeiro ou de qualquer ordem aos candidatos inscritos”.

Assim sendo, nós, alunos APROVADOS NO CESP realizamos ao Ilustríssimo Senhor os seguintes questionamentos:

  1. Por que a prova do CESP 2019-2021 foi anulada? Em qual a explicação técnica baseia-se a decisão tomada?
  2. Os alunos já aprovados no CESP terão que fazer todas as etapas novamente?
  3. Qual garantia os alunos aprovados têm de que não serão prejudicados e preteridos em um novo processo seletivo, já que foi demonstrado que o conteúdo da prova e os critérios de avaliação estão sofrendo interferência externa?

Por fim, mui respeitosamente fazemos as seguintes solicitações:

  1. Que enviem aos candidatos do certame a ata da reunião da comissão que aprovou os recursos e geraram o cancelamento da prova (segundo o comunicado emitido no dia 04/11/2019), bem como a da reunião anterior que indeferiu os mesmos.Que os 80 candidatos já aprovados tenham o direito de fazer a matrícula e realizar o curso, sem prejuízo dos candidatos que eventualmente sejam aprovados em novo exame, para que não haja prejuízo de nenhuma ordem aos candidatos já aprovados, como foi garantido pela instituição no comunicado do dia 04/11/2018.
  2. Que os candidatos que já adquiriram passagens e hospedagem para as datas do primeiro encontro presencial do curso recebam informações precisas de como proceder para obter o reembolso.
  3. Diante de todo o exposto, e o presente para requerer, a manifestação do Ilustríssimo Senhor Diretor da Faculdade de Saúde Pública, a respeito das supostas irregularidades no processo seletivo e questionamentos referentes ao CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA EDIÇÃO 2019-2021 aqui apontadas, no afã de zelar pelo bem da nossa Faculdade, desta Universidade, e, sobretudo, dos interesses públicos envolvidos no presente caso.

Agradecidos e cientes da colaboração da Vossa Senhoria, ressaltamos nossos votos de estima e respeito, e subscrevemos.

São Paulo, 04 de Novembro de 2019.