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Colunas

Quatro reflexões sobre novas publicações do Intercept e depoimento de Moro no Senado

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Passados dez dias das primeiras publicações do Intercept, com os diálogos vazados entre o ex-juiz e atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, com o procurador chefe da Lava-Jato de Curitiba, Deltan Dallagnol, e entre este último com outros procuradores da operação, se faz necessária algumas reflexões.

Essas reflexões são ainda mais necessárias após a presença de Moro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, para prestar esclarecimentos sobre as informações e graves denúncias contidas nas várias publicações do Intercept.

O atual ministro do governo de extrema-direita de Bolsonaro segue se esquivando sobre a simples pergunta em relação à veracidade das trocas de mensagens. Prefere recorrer ao expediente patético de alegar falta de memória, que não possui arquivo das referidas mensagens, pois, segundo alega, desinstalou o aplicativo Telegram em 2017.

Entretanto, a cada nova publicação vão ficando evidentes as práticas ilegais e ilegítimas nas relações entre o ex-juiz Moro e os procuradores da Lava-Jato; torna-se impossível esconder o caráter político e seletivo da operação. As consequências destas revelações podem ser sentidas, principalmente, pelos seguintes elementos:

 

1 – A condenação de Lula foi sem provas e sua prisão é política

A primeira publicação do Intercept, na noite de 9 de junho, demonstra de forma inequívoca como foi montado todo o processo judicial do chamado Triplex do Lula. Na verdade, uma condenação sem provas, montada inicialmente a partir de uma matéria do Jornal O Globo, que afirmava que o ex-presidente possuía cotas de um apartamento em outro bloco, diferente do que foi alegado no processo, no edifício do Guarujá (SP).

Os vazamentos demonstram que o próprio Dallagnol tinha dúvidas sobre as ditas evidências contra Lula, poucos dias antes daquela tremenda encenação do “Power Point”. Na verdade, os vazamentos mostraram um conluio entre o ex-Juiz Moro e os procuradores para condenar Lula no caso do Triplex, com o objetivo de prendê-lo o quanto antes e impedir sua candidatura presidencial nas eleições de 2018.

Mais uma vez, não se trata de apoiar politicamente a direção petista e seu projeto de conciliação de classes. Mas, não precisa ser um apoiador do PT para entender quais são realmente os interesses e objetivos da Lava-Jato.

Em outra passagem das conversas entre os procuradores da operação, pode-se verificar, inclusive, uma trama para impedir ou sabotar a possibilidade de uma entrevista de Lula ao Jornal Folha de SP, um pouco antes das eleições do ano passado. Afinal, alguns dos procuradores temiam que a realização de uma entrevista de Lula poderia ajudar a campanha de a possibilidade de vitória de Haddad (PT).

Moro sugeriu até que os procuradores divulgassem um comunicado à imprensa, buscando desqualificar os argumentos da defesa do ex-presidente Lula. Um verdadeiro escárnio.

 

2 – A comprovação da seletividade

Mais recentemente, uma matéria do Intercept demonstra um critério de tratamento distinto de Moro e dos procuradores em relação a acusações contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), um dos principais líderes do PSDB até hoje.

Nesta matéria, fica evidente que o ímpeto de Moro em perseguir Lula é proporcional a sua vontade de proteger o aliado FHC. Os vazamentos mostram Moro orientando os procuradores que interrompessem qualquer investigação sobre o líder tucano. Afinal, não se poderia melindrar um aliado tão importante.

Não que os procuradores quisessem realmente investigar o ex-presidente tucano. Na verdade, o que se vê é a ideia de manter aberta uma investigação para combater a crítica correta de seletividade da operação.

A operação Lava Jato tinha um objetivo central, atingir Lula e o PT. Chegou até a prender políticos de outros partidos, mas sempre quando estes já não exercessem cargos de relevância política, como vimos nos casos mais conhecidos de Pezão, Cabral e Eduardo Cunha.

Os vazamentos dos diálogos referentes a uma suposta possibilidade de investigação de FHC são a comprovação cabal do caráter seletivo da operação, montada para criar uma narrativa que justificasse o golpe do Impeachment de Dilma, sem crime de responsabilidade, e, posteriormente, viabilizasse a condenação sem provas de Lula, sua prisão política e o impedimento de sua candidatura.

 

– O apoio cada vez mais vacilante de Bolsonaro a Moro

Embora tanto Moro, Dallagnol, como outros procuradores busquem minimizar as revelações do Intercept, é inegável que estas publicações em série vêm provocando um terremoto político, afetando significativamente a figura do todo poderoso ex-juiz e atual Ministro, e da própria operação Lava Jato.

Mesmo entre setores da imprensa, que sempre apoiaram a operação Lava Jato, especialmente no seu objetivo de legitimar o golpe do Impeachment, agora vemos uma atitude diferente, onde se começam a existir maiores críticas sobre os procedimentos ilegais e ilegítimos de Moro e de seus amigos procuradores.

Caso as denúncias ameacem a operação Lava Jato, suas principais sentenças e, da mesma forma, a agenda reacionária do governo de extrema-direita, não seria surpresa que Moro fosse descartado, numa demonstração da velha máxima: “é melhor dar os anéis para preservar os dedos”.

A situação do Moro vem se complicando a cada dia, isso é um fato. Tanto que o próprio Bolsonaro, que tinha se solidarizado com o seu Ministro da Justiça, desfilando com ele em um estádio de futebol e em cerimônia que o homenageou, já declarou na imprensa que confiança 100% ele só tinha na sua mãe e no seu pai.

Caso as revelações sobre a ilegalidade dos procedimentos de Moro com juiz da Lava Jato ameacem de alguma forma o seu projeto político de extrema-direita e sua agenda reacionária de contrarreformas, não deve restar dúvida que Bolsonaro poderá descartar Moro.

Inclusive, nesse momento, diante de todos estes episódios, Bolsonaro vem buscando disciplinar ainda mais seu governo e seus ministros, exigindo apoio e fidelidade absoluta. Ou seja, todos os aliados devem ficar “perfilados atrás do capitão” e da escalada reacionária de seu projeto de extrema-direita. Um exemplo desse objetivo, de avançar ainda mais no seu projeto autoritário, foi a realização dos protestos do dia 26 de maio e a convocação de novos protestos reacionários para o próximo dia 30 de junho.

 

4 – A justa solidariedade ao Intercept e ao jornalista Glenn Greenwald

Diante da força das denúncias divulgadas pelo Intercept, o governo e sua base de apoio ensaiam uma contraofensiva, que se apoia em setores mais reacionários do Congresso Nacional e do Poder Judiciário. O objetivo está bem explícito: desqualificar as revelações e criminalizar a Intercept.

Esse é o verdadeiro objetivo das “fake news” que estão circulando nos últimos dias. Com afirmações sobre a existência de um hacker, que o Intercept estaria divulgando informações conseguidas ilegalmente, que elas estão sendo distorcidas, que tudo é obra da esquerda, de David Miranda, deputado-federal do PSOL e companheiro do jornalista Glenn Greenwald do Intercept, e, pasmem, até envolvendo Jean Wyllys.

Por isso, devemos realizar uma ampla campanha política de solidariedade e defesa do Intercept contra todas e quaisquer tentativas de perseguição, ameaças e censura de seu trabalho, baseado nos critérios legais, que deveriam garantir um efetivo trabalho livre e independente da imprensa em nosso país.

 

5 – #ForaMoro e #LulaLivre

Estas reflexões nos colocam pela frente tarefas políticas bem precisas e importantes, na nova conjuntura aberta com as mobilizações do 15M.

O atual cenário de crise política deve ser utilizado pelos movimentos da classe trabalhadora, da juventude e dos oprimidos para intensificar as mobilizações para lutar pelo direito de trabalhar, estudar e se aposentar. O que passa nesse momento, pela busca incansável de criarmos as condições necessárias para derrotarmos nas ruas os cortes orçamentários na educação pública e a contrarreforma da previdência.

Ao lado destas lutas, devemos agregar ainda mais força às bandeiras do Fora Moro do Ministério da Justiça e pela imediata libertação do ex-presidente Lula.

É impossível uma investigação minimamennte séria sobre as ilegalidades de Moro, se todas elas ficariam subordinadas a ele próprio, como o chefe do Ministério da Justiça e Segurança Pública. No mínimo o ex-juiz deveria ser afastado imediatamente do posto de ministro, enquanto estiver acontecendo uma investigação.

É necessário exigir do Congresso Nacional a abertura imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com a participação de entidades democráticas e dos movimentos sociais, para se efetivar uma profunda investigação sobre os métodos e procedimentos de Moro e dos procuradores da Lava Jato.

E, junto com a bandeira do Fora Moro, devemos intensificar a campanha pelo cancelamento da sentença ilegal do Triplex, desferida por um juiz parcial que realizou um conluio com os procuradores com um objetivo político bem específico: tirar Lula da disputa eleitoral, interferindo direta e ilegalmente nas eleições, para facilitar o caminho para a vitória de um candidato afinado com a agenda reacionária. Não é atoa que Bolsonaro premiou Moro com sua indicação para um chamado super Ministério.

Na próxima terça-feira, dia 25 de junho, será julgado um pedido da defesa de Lula de anulação da sentença do tríplex. Sem termos ilusões no Supremo Tribunal Federal (STF), é a hora de ampliarmos ainda mais a campanha #LulaLivreJá, pois sabemos que sua libertação vai depender do poder de mobilização popular contra o projeto de extrema-direita de Bolsonaro e seus aliados.

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