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BRASIL

Vaza Jato X Lava Jato: Quem vai ganhar?

Gibran Jordão, do Rio de Janeiro, RJ
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, o ministro do STF Alexandre de Moraes e o ministro da Justiça, Sergio Moro, em evento em abril deste ano.

Muitas verdades secretas acabam vindo à tona quando descobrimos o que existe no celular e outros aparelhos digitais de alguém… Diálogos inacreditáveis no Whatsapp ou no Telegram, áudios constrangedores, fotos e vídeos impactantes… Seja por acidente, distração ou pela ação hacker de um ativista, as descobertas de conteúdos de celular têm gerado grandes conflitos, seja no espaço macropolítico, de proporções históricas, ou em microespaços de convivência e relacionamento… Tais operações se transformaram em armas políticas de primeira ordem na guerra da informação.

O escândalo do Wikileaks gerou uma instabilidade nas relações de confiança dentro e fora dos EUA. E foi marcado pela ação ativista hacker que tornou público dados secretos de órgãos centrais do governo norte americano. Assange está preso e Snowden está exilado na Rússia.

A eleição de Trump abriu um atalho para a extrema direita voltar a ter força política na disputa real de geopolítica. Foi atravessada por denúncias de ação hacker e interferência em dados digitais de figuras públicas do Partido Democrata, incluindo a candidata à Presidência, Hillary Clinton.

No Brasil, após o grampo ilegal feito em conversas de Dilma e Lula, a Lava Jato cedeu o conteúdo para a Rede Globo que por sua vez bombardeou tendenciosamente toda a sociedade brasileira por meses catapultando a ação de Moro e Dallagnol, desestabilizando o governo Dilma e contribuindo decisivamente para o golpe.

Além do histórico e consagrado dialogo de Jucá que nos revelou a costura do golpe para derrubar Dilma e empossar Temer, “um acordo com o Supremo, com tudo…”

E agora estamos sob o impacto das revelações da Vaza Jato, que está colocando em xeque a desgastando a figura mais forte politicamente do governo Bolsonaro, o seu ministro da Justiça, o sr. Sergio Moro.

Quais os fatos mais importantes revelados pela Vaza Jato?

Destacamos aqui os pontos mais reveladores e interessantes que nos dá elementos para caracterizar melhor a força-tarefa da Lava Jato e seus objetivos:

A seletividade da força tarefa Lava Jato revelada pela Intercept no anúncio de seus primeiros furos de reportagem, citando uma fala de Moro que orientava os procuradores a não gastarem energia com suspeitos do PSDB para não melindrar possíveis aliados, no caso FHC. Tal seletividade expressa um viés ideológico na condução da operação e do seus objetivos políticos. Algo que jamais deveria acontecer na relação entre juiz e procuradores. Pelo conteúdo das mensagens, não havia o interesse de buscar a verdade dos fatos, mas sim, criar a sua própria verdade, com o objetivo final encarcerar Lula, interferir nas eleições e atingir objetivos políticos.

Outro aspecto de destaque é a formação de equipe entre juízes e procuradores. São três, quatro anos ou mais de mensagens nas quais está sempre se desenvolvendo a relação de time, equipe, organização viva. Que pensa junto, troca ideias, organiza eventos, palestras, disputa ideológica, articulações, projetos financeiros, elaboração política, interferência decisiva nas eleições( como no caso do impedimento da entrevista de Lula) e que por fim conseguiu assumir postos estratégicos no poder central do país.

Um fato que chamou muito a atenção é o episódio no qual os procuradores observam a oportunidade de vazar informações secretas para prejudicar o governo venezuelano com a clara intenção de provocar uma instabilidade política no país, chegam a incitar uma guerra civil… O que nos leva a imaginar se tal iniciativa política foi uma ocasião ou se já havia uma orientação no marco de uma relação com a embaixada e/ou o Deep State norte-americano… Difícil acreditar que essa ambição política internacional era totalmente voluntariosa e inocente…

Dá também a entender, pelo conteúdo das mensagens reveladas pela vaza jato e outras mídias, a desconfiança entre membros de segundo escalão da equipe da força tarefa. Houve diálogos claros de constrangimento quando Moro aceitou assumir o cargo de ministro, o que nos faz imaginar que havia um núcleo dirigente que instrumentalizou parte dos membros da equipe com o discurso que estavam fazendo história e limpando o país… Não é possível ter certeza, mas seria equivocado descartarmos completamente a hipótese de que a fonte das mensagens repassadas para o The Intercept, teria vindo do interior da própria equipe da Lava Jato.

A última revelação mais bombástica é a utilização ou pelo menos tentativa de utilizar dinheiro público de controle da 13º Vara da Justiça para financiar projetos políticos elaborados pela própria força tarefa. Além desse elemento, o fato de estarem utilizando da projeção política da Lava Jato para planejar lucros, obter vantagens e formar patrimônio particular pode sim sofrer questionamentos legais.

Pode ser que tenham conseguido burlar a lei 8112/90 que permite que um funcionário público seja sócio, mas não gerencie ou administre uma empresa. Mas é preciso observar se o procurador que fazia viagens sistemáticas pelo país em palestras que custavam valores altíssimos, estava fazendo tal tarefa em horário de expediente no seu órgão de lotação. O que é grave, pois além de estar recebendo um salário para não cumprir o seu expediente normal. Está ausente, para executar um trabalho que garante uma remuneração extra que é produto de sua própria atividade de funcionário público. Qualquer servidor público federal que fosse pego nesse tipo de atividade, sofreria um processo administrativo com 100% de chance de ser demitido e sofrer penalidades legais.

Bolsonaro, Toffoli e Dodge se autoprotegem…

Quando surgiram as primeiras revelações que atingiram em cheio o ministro da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro convidou Sergio Moro para ir ao estádio em duas ocasiões durante a Copa América. A primeira em Brasília, no estádio Mané Garrincha, e a segunda na final da Copa, no qual houve inclusive vaias…

O STF até agora não ousou nenhuma ação mais contundente contra a Lava Jato e alguns ministros inclusive minimizaram as revelações até agora. Isso se expressou na votação do Habeas Corpus de Lula no qual a maioria da segunda turma negou a liberdade do ex-presidente, mesmo depois de revelações bombásticas já terem atingindo a legitimidade da Lava Jato. O Supremo ainda vai analisar e decidir sobre a suspeição de Moro, reside aí uma brecha jurídica para a libertação de Lula. Que só irá avançar dentro do STF se houver uma mudança na correlação de forças no país, mesmo que já esteja escancarado pra quem quiser ver a trama para capturar Lula e tira-lo da eleição.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, convocou uma reunião com Dallagnol nesta terça-feira, 16, que terminou com uma declaração da procuradora em apoio à Lava Jato. Não seria surpresa se Bolsonaro nomeasse para a PGR nesse segundo semestre um nome indicado por Dodge ou pela própria, para um segundo mandato.

Mas o curioso é que mesmo com toda essa blindagem, dois fatos contraditórios indica a hipótese que pode estar havendo uma luta política no interior da operação lava jato que vai de Curitiba e se estende para outros estados como Rio de Janeiro, passando por Brasília. O pedido de demissão do responsável pela Lava Jato na PGR, com criticas a procuradora Raquel Dodge, por estar concentrando processos em seu gabinete e segurando documentos e investigações é um sinal estranho.

Como também a decisão de Tofolli em suspender as investigações dos ministérios públicos estaduais que envolve o COAF beneficiando a defesa de Flavio Bolsonaro no caso Queiroz acabou entrando em choque com os procuradores da Lava Jato no Rio de Janeiro que deram declarações a grande mídia lamentando e denunciando o que para eles seria um retrocesso a decisão monocrática do ministro Dias Tofolli. Prejudicando a investigação de Flavio Bolsonaro, Queiroz e tantos outros casos que ficaram paralisados por um bom tempo.

Por que tanto empenho de Flavio Bolsonaro em impedir as investigações, se ele se julga vítima de uma perseguição e se diz inocente? Qual é o problema em abrir o seu sigilo bancário? E qual a necessidade do presidente do STF intervir nas investigações de Flavio Bolsonaro, se enfrentando inclusive com setores da força tarefa Lava Jato? Porque mesmo depois das manifestações da extrema direita exigindo que o Coaf ficasse com o ministério da justiça, Sergio Moro aceitou um acordo para o Coaf saír da sua alçada e fosse para o ministério da economia após reuniões que envolveram o Bolsonaro, Toffoli e Rodrigo Maia? São dúvidas que envolve movimentações contraditórias e estranhas…

Setores do PSL, como a deputada Janaína Pascoal, chegaram a questionar publicamente a decisão de Toffoli, expressando uma desconfiança de membros da cúpula de seu próprio partido. O que indica que os questionamentos começam a alcançar a própria base aliada e apoiadores do governo.

Eduardo Bolsonaro na embaixada dos EUA é peça chave…

Bolsonaro deu um presente para seu filho Flavio que foi anunciado por Toffoli, como já escrevemos. Mas também está disposto a presentear o seu filho Eduardo com a embaixada nos EUA mesmo depois de várias críticas, tanto de aliados fiéis, como de toda oposição.

Mas essa insistência em indicar Eduardo Bolsonaro mesmo debaixo de muitas criticas, revela o elemento do nepotismo, do poder do clã, das mamatas, do inglês mal falado, do hambúrguer que denuncia o despreparo e etc… Mas a nosso ver, esses não são os elementos mais importantes da crítica a essa indicação, são só acessórios.

Não podemos esquecer que Eduardo Bolsonaro é um dos escolhidos por Steve Bannon para liderar a internacional de extrema direita na América Latina, no qual já houve um primeiro encontro em Foz do Iguaçu (PR) no inicio do ano sob o comando do filho do presidente. Bolsonaro precisa de um agente de total confiança e absolutamente alinhado com o projeto da extrema direita internacional com condições de operar projetos elaborados e orientados pelos interesses da Casa Branca, não só no Brasil, mas em toda a América Latina.

Eduardo Bolsonaro pode ajudar a consolidar a relação do Ministério da Justiça, da Polícia Federal, Ministério Público e da própria operação Lava Jato com o Departamento de Segurança dos EUA. Já que tem se revelado indícios de uma relação mais intima entre os membros da força tarefa com a CIA e o pentágono. Não foi à toa a viagem repentina de Sergio Moro aos EUA logo após ter explodido as revelações da Vaza Jato. Sem falar nos vários cursos, prêmios e visitas que os membros da Lava Jato já fizeram aos EUA em vários momentos da operação.

Vaza Jato X Lava Jato: Quem vai ganhar?

Sergio Moro é a figura do atual governo mais bem avaliada em todas as pesquisas de opinião desde a posse, um forte candidato inclusive a uma possível sucessão presidencial seja na próxima eleição ou em outras… E tudo isso pode estar ameaçado.

As revelações do The Intercept associada com outros órgãos da impressa como Folha de São Paulo, Revista Veja e grupo Bandeirantes vem fazendo estrago na imagem da Lava Jato como também de suas principais figuras. Esse prejuízo já se expressou em pesquisas de opinião pública no qual o prestígio de Sergio Moro e da Lava Jato já sofreu arranhões caindo pontos importantes, ainda que sigam com popularidade alta. Outro elemento que chama a atenção é que a última manifestação convocada por varias organizações da extrema direita em defesa da Lava Jato no dia 30 de junho foi menor comparada a outros momentos, ainda que tenha sido significativa, teve um alcance aquém do esperado.

Podemos perceber também várias personalidades entre políticos, artistas, intelectuais e lideranças populares que tinham simpatia por Sergio Moro e a Lava Jato manifestando decepção com todas as contradições reveladas em todos os processos que envolve a Lava Jato e suas relações com os poderes da república. Há nesse momento uma divisão na burguesia, uma parte segue apoiando a Lava Jato sem nenhum senso crítico, como há outros grupos econômicos de peso que já começam a pedir a demissão de Sergio Moro e investigação séria sobre a ação da Lava Jato, CPI no Congresso, entre outras iniciativas… Os editoriais do Estadão, Folha de S. Paulo, a posição da OAB e de parte da grande mídia nacional e internacional demonstram uma fissura importante…

É difícil prever se haverá um desarranjo sem controle da luta entre as frações da burguesia que chegue numa situação no qual a Lava Jato e seus líderes sejam descartados… Como também não temos a certeza se a opinião pública irá virar completamente e passar exigir em sua maioria a cabeça de Moro através de mobilizações populares.

Mas caso não acontecer absolutamente nada com o esquema Moro em associação com procuradores, vai se naturalizar tal pratica no judiciário brasileiro. Organizações clandestinas vão se formar em cada ocasião e oportunidade por dentro de todo sistema judiciário… Em franco desenvolvimento irão erodir esse sistema, com ações criminosas( porém naturalizadas) de interesses políticos específicos e particulares.

Seria a institucionalização do MAD MAX no judiciário brasileiro, com decisões antecipadamente acordadas por vários conluios de várias cores e sabores por tribunais federais e estaduais…

Não é difícil imaginar o que pode acontecer com qualquer simples trabalhador, quando o mesmo estiver em volta de uma disputa judicial, seja para reclamar direitos lesados, seja para se defender de falsas acusações…

Toda essa reflexão, tendo como referência a disputa geopolítica que se desenvolve nesse momento, nos dá elementos para perceber que aprofunda a desordem mundial e a crise de hegemonia dos EUA. Diante desse cenário não é um exagero considerar o ex-presidente Lula como também o fundador do Wikileaks como os dois presos políticos mais importantes do mundo e nos alerta para a emergência de um regime semi bonapartista no Brasil em processo de consolidação, ameaçando todos os direitos civis e democráticos a serviço de um projeto de extrema direita mundial.