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BRASIL

Mais uma medida contra a demarcação de terras indígenas

Por: Caroline Hilgert, Advogada do Movimento Indígena de São Paulo, SP

O Ministro Alexandre de Moraes baixou a Portaria 68, de 14/01/2017, que atenta contra os direitos indígenas e acelera o sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). A Portaria cria um Grupo Técnico Especializado (GTE) para dar “subsídio” ao Ministro nas decisões sobre demarcação de Terras Indígenas.

Além da previsão de diligências e audiência pública para suporte da decisão, a Portaria objetiva por em prática a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) (art.4º, VI, Portaria 68/17). Prevê também que caso tenha havido perda de terra, se verificará se houve previsão para a “reparação por terras que possuíam tradicionalmente” (art. 5º, Portaria 68/17).

A Portaria altera e burocratiza o sistema atual de demarcação, incorporando uma nova etapa no sistema vigente. Isto é, estabelece uma forma de reavaliação de todo o trabalho realizado pela Funai na demarcação. Antes, apenas bastava a assinatura do Ministro e a homologação da Presidência da República para finalização do processo demarcatório. Mesmo antes do novo entrave, inúmeras Terras Indígenas aguardam há anos a demarcação.

Importante mencionar que a Funai, órgão submetido ao Ministério da Justiça e que serve à proteção dos povos indígenas e à consagração de seus direitos, segue o procedimento estabelecido pelo Decreto 1.775 de 1996, que envolve estudo antropológico, possibilidade de contraditório e foi declarado constitucional pelo STF inúmeras vezes. Isto mostra a desnecessidade da criação de qualquer GTE.

Resta ainda saber qual a jurisprudência do STF que o Ministro pretende usar para  verificar “o cumprimento”, para decidir sobre a demarcação das Terras Indígenas. Será a jurisprudência a favor dos direitos dos povos indígenas ou a favor do agronegócio?

Uma grande onda do agronegócio é a regulamentação da tese do marco temporal. Tese criada quando do julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo STF, que diz que só seriam terras indígenas aquelas ocupadas pelos povos quando da promulgação da Constituição Federal (CF), 05/10/1988, salvo se comprovado esbulho renitente. Tal tese, contudo, foi declarada, em Embargos Declaratórios, como sem efeito extensivo aos demais processos de demarcação de Terras Indígenas. Mesmo assim, tem servido de fundamentação em vários processos de reintegração de posse nos Tribunais Federais.

É sempre bom lembrar que até a promulgação da CF, os indígenas eram tutelados e não podiam exercer seus próprios direitos em juízo. Desta forma, a aplicação ampla da tese limita o exercício dos direitos constitucionais dos povos indígenas, por conta dos desgastantes requisitos para comprovação do esbulho renitente, pois que as cartas de indígenas à Funai ou, antes, ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), reivindicando suas terras, não têm servido como prova.

A verificação de que se houve previsão de reparação em caso de perda das terras tradicionais que possuíam não se explica e parece ser propositadamente obscura. Parece ser desde uma verdadeira piada de muito mal gosto em momento impróprio, quanto uma tentativa de integração dos indígenas por meio do aliciamento pelo dinheiro. Ou seja, cooptação, cala-boca e uma tentativa de semear o conflito entre os indígenas. Além de garantir a não demarcação de terras e a desintrusão das mesmas por parte dos latifundiários e, claro, a expansão incomensurável do agronegócio.

Enquanto, pela morosidade do Executivo, as demarcações de terras indígenas continuam não ocorrendo (agora menos), os povos originários são obrigados, diante a insensibilidade do Judiciário, a permanecerem fora de suas terras, à beira das fazendas de soja, milho e gado, ou violentados por extrativistas, exploradores de madeira e minério, todos parte do grande projeto de desenvolvimento, rápido, capitalista. Os povos indígenas assistem à destruição de sua terra ancestral e à sua própria morte, física e espiritual, claro que nunca sem lutar. Estão submetidos à precariedade e à miséria dos árduos anos brancos que passam: a morte dos povos indígenas com certeza é a morte dos seres humanos. Por isso resistem, “a favor da vida, da vida, da vida”. Como disse Davi Guarani, não resistem contra, mas a favor.

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