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OPRESSÕES

Mulheres indígenas: representatividade e visibilidade

Avelin Buniacá Kambiwá

Brasilia DF 24 04 2018 – Índios Munduruku fazem manifestação, em frente ao Ministerio de justiça, pela demarcação da terra indígena Sawre Muybu, no Pará.

O Brasil e o mundo, de forma consciente ou não, não têm o mínimo de noção sobre o massacre dos povos indígenas, através de nós mesmos sabem muito pouco ou nada. Sobre nós mulheres indígenas sabem menos ainda, ou alimentam em seu imaginário uma imagem folclórica e fetichista. Apenas a cruel história de que suas bisavós foram “pegadas a laço”, mas sequer sabem a origem, o povo, a etnia, nada!

Mantêm a ideia antiquada e machista de que somos submissas, incapazes ou que vivemos atrás dos cocares dos homens, que não participamos das decisões da aldeia, nas lutas e política, e apenas nos dedicamos a cuidar dos filhos. Estes estereótipos, além de falsos, fazem com que tantas conquistas por nós já vividas sejam invisibilizadas e ainda ocultam crimes contra as mulheres indígenas, as mais vulneráveis do mundo.

Dados da ONU comprovam que em cada grupo de cinco mulheres indígenas, três já foram estupradas, mais que o dobro da média nacional. Segundo o mesmo relatório, no Brasil, a maternidade adolescente indígena representa o dobro da não indígena. Mas, a força e a beleza da mulher indígena estão na resiliência e na transformação.

A partir da década de 1990, começaram a surgir nossas próprias organizações ou departamentos de mulheres dentro de organizações indígenas já estabelecidas na Amazônia Brasileira. Ao lado disso, encontros de mulheres de diferentes etnias têm acontecido nos âmbitos nacional e internacional. O que buscamos no momento atual é a reivindicação de direitos próprios da mulher e o fortalecimento de antigas lutas de nossos povos, o que faz com que tenhamos que interagir com diferentes atores no contexto interétnico.

No atual momento do movimento feminino indígena têm se realizado cada vez mais encontros, oficinas e conferências nacionais e internacionais promovidos pelas organizações indígenas, instâncias estatais e não governamentais. Estes novos espaços de discussão articulam mulheres de diferentes etnias, nos quais é expressivo o número de professoras e mulheres atuantes na área da saúde. Grandes lideranças femininas têm se levantado nesses encontros, lutando por questões específicas de nossos povos ou demais pautas da sociedade civil, inclusive no campo político-partidário também. Essa inserção na política partidária parte da necessidade de um diálogo com a sociedade não indígena.

Nós acreditamos que temos muito a ensinar e aprender com o não indígena, inclusive o número de mulheres indígenas que saem de suas aldeias para fazer um curso superior nas cidades é o triplo do número de homens, apesar de todas as dificuldades relacionadas a “gênero”.

Por falar nisso, é importante também destacar que termos utilizados nas discussões feministas não indígenas, como “empoderamento”, “gênero”, entre outros, sempre foram vividos por nós, mesmo não tendo estes conceitos em palavras. Vivemos, todos os dias, o empoderamento, questionando os papéis tradicionais desde muito jovens, e mudando o mundo ao nosso redor nas aldeias e fora delas. Dessa forma, transpomos de um campo estritamente feminista e ocidental para outra realidade que não a da mulher não indígena.

Os conceitos acadêmicos têm sido ressignificados por nós em diferentes formas de ação, e passa a ter um caráter que comunica entre as sociedades indígenas e não índias, para que dessa forma possamos participar cada vez mais ativamente das decisões políticas ao nosso redor, de forma mais geral, até porque não temos uma agenda feminista específica dentro da sociedade ocidental.

Assim, transformamos o academicismo para que ele “desse conta” das necessidades específicas das mulheres indígenas. A violência contra a mulher e o reconhecimento dos direitos reprodutivos, por exemplo, são demandas compartilhadas pelos dois movimentos, mas a experiência cotidiana vivida nas comunidades indígenas (e mesmo no espaço urbano) difere e muito da realidade das mulheres não indígenas.

E por essas razões é necessário nosso maior engajamento político também, precisamos ainda mostrar que nossas lutas e vidas são valiosas e podem trazer a toda a sociedade nossa garra, força, cultura e ancestralidade.

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índios