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Tekoa Kalipety, São Paulo – Especial Mobilização Nacional dos Povos Indígenas e Tradicionais

Série Povos Indígenas – Semana de Mobilização Nacional

O mês de abril é sinônimo de muita luta dos Povos Indígenas. A mobilização nacional indígena é um confronto direto às fantasias que são empurradas goela abaixo do povo desde o sistema educacional até o consequente preconceito e atraso que persiste contra os povos indígenas no país.

É bem verdade que diversas forças politicas e econômicas gostariam de empalar os indígenas na memória da sociedade, torná-los um grande museu. Negligenciados por todos os lados, os povos indígenas estão lutando e resistindo há mais de 500 anos. Mesmo organizados contra os diversos ataques, e serem sempre os primeiros a lutar por este país, são invisibilizados por todos os setores da sociedade.

Precisamos entender, respeitar e apoiar a autodeterminação dos povos indígenas. As terras indígenas simplesmente não são demarcadas e quando são, não são protegidas, mortes e assassinatos de indígenas são tratados com total descaso. Todas as pretensões para “salvar” a economia do país, atuais e pretéritas, afetam diretamente os povos indígenas e tradicionais.

Os povos indígenas e tradicionais são aqueles que lutam na ponta contra o modelo de desenvolvimento capitalista imposto e são massacrados da forma mais covarde possível, na maioria das vezes sem qualquer apoio ou com um mínimo deste.

Assim, apresentaremos, durante a semana, uma série de artigos e entrevistas sobre questões indígenas, com objetivo de que esse debate seja aprofundado pela esquerda.

Daremos início a esta série com um texto de Pedrinho Delane, Guarani M’bya, sobre a retomada do Tekoa Kalipety, em São Paulo.

Tekoa Kalipety – São Paulo

Por: Pedrinho Delane – Guarani Mbya

No dia 12 de outubro de 2013 fizemos uma retomada a 3km da Tenonde Porã. Na tarde de um sábado ensolarado fomos em 5 pessoas, para o reconhecimento do local, armamos as barracas e fizemos uma fogueira pra nos aquecer no frio.

Nessa noite foi muito bom, contamos muitas histórias e demos muitas risadas. No dia seguinte, chamamos as famílias para virem também e começamos a fazer algumas casas para ficarmos à noite.

Bem na tardezinha de domingo, decidimos levar as famílias para a aldeia Tenonde, deixamos apenas um xondaro (guardião) para cuidar da nova aldeia e todos voltaram para a aldeia. Eu também levei meus filhos, aproveitei e peguei algumas coisas para levar para retomada, senti alguma coisa me avisando: volta logo e rápido.

Era um aviso de que algo iria acontecer, voltei rápido, voando e em poucos minutos já estava quase chegando, percebi um silêncio e meu coração começou a acelerar, olhei com muito medo de que alguma coisa tivesse acontecido com o xondaro.

Olhei minha barraca toda cortada e tudo quebrado, comecei a gritar pelo nome do xondaro, Poty, Poty.

Veio o desespero de algo ruim tivesse acontecido. Seríamos os culpados por deixar só um cuidando no local.
Gritei muito, e muito tempo depois ouvi uma voz no meio da mata me respondendo “estou bem”, então eu disse: “vem aqui e conte o que aconteceu!”.

Com muito medo ele relatou que “apareceu um carro e saíram alguns Juruá dando tiros, tantos tiros que eu corri pra Mata”. Nessa hora começamos a ficar com medo de que esses caras que atiraram pudessem voltar e fazer o mal.

Mas como somos guerreiros, resolvemos ficar e permanecer no local, chamamos todos os xondaro da aldeia tenonde e ficamos sem dormir por muitas noites. Fazendo vigílias para não deixar acontecer nada com as nossas famílias, pois nós fomos com filhos e esposas e tínhamos que fazer a segurança.

E hoje estamos bem, temos a casa de reza (opy), nossas rezas, e cantos para nós nos fortalecermos.

Já faz três anos que retomamos essa terra. Hoje está mais tranquilo, todos já sabem e conhecem esse território Guarani. Quando fizemos a retomada desse espaço era muito tenso, pois sabíamos da maldade dos Juruá, e Nhanderu sempre está conosco.

Por isso não aconteceu nada comigo e nem com minha família, xondaros e lideranças.

Agora temos moradias, mais de 40 tipos de batatas e milho tradicional, hortas e muito mais. Temos Opy (casa de reza) onde nos concentramos e cantamos pra Nhanderu, pedimos proteção divina e agradecemos por mais um dia de vida. Agradecemos também os protetores da natureza, os seres da Mata.

Queria compartilhar esse texto com os amigos Juruá que também nos ajudaram muito, parceiros de luta, amigos verdadeiros que sempre estiveram ao nosso lado, e somos gratos por esse momento tão especial que aconteceu nesse território Tenonde Porã (futuro melhor).

Já se passaram muito séculos, netos e filhos de portugueses e espanhóis hoje dominam o nosso país.

Matavam e estupravam as nossas avós, e no século XXI ainda tem genocídio contra meus parentes, não sei até quando vai continuar essa guerra contra os povos indígenas.

Somos originários deste Brasil, somos filhos da terra e da Mata, dos rios. E vamos retomar mais áreas, pois esse território pertence a nós.

E a luta ainda continuará por muito tempo, meus filhos, meus netos ainda vão lutar contra esses governantes .

Aqui deixo a minha fala escrita para todos conhecerem um pouco de nossa luta, somos defensores da natureza.

Mas a luta continua, vamos lutar até o fim.

Aguyjevete para quem luta!

Imagens do Tekoa
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