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BRASIL

A síndrome do mito de Cassandra em uma parcela da esquerda brasileira: o silenciamento do divergente em Rita von Hunty

A Cassandra da vez é a personagem Rita von Hunty, Drag Queen performada por Guilherme Terreri, que troca o usual palco das boates e música pop pelo YouTube e discussões políticas, e tem milhares de seguidores tanto em seu canal quanto no Instagram, ou seja, Rita é ouvida, forma opinião e é o que se denomina de digital influencer, e a mesma se reivindicando como de esquerda e marxista.

Por Carlos Wellington, de São Luís-MA*
Foto: Reprodução

Cassandra, na mitologia grega, era uma profetisa com o dom da premonição, no entanto, em decorrência da recusa dos galanteios de Apolo o mesmo retirou dela o dom de persuasão, ou seja Cassandra podia prever o futuro mas ninguém acreditava nela. Essa alegoria mítica nos ajuda a refletir sobre fenômenos atuais, potencializados nas mídias e redes sociais, como o cancelamento e o discurso de ódio pelo fato de se pensar diferente.

A Cassandra da vez é a personagem Rita von Hunty, Drag Queen performada por Guilherme Terreri, que troca o usual palco das boates e música pop pelo YouTube e discussões políticas, e tem milhares de seguidores tanto em seu canal quanto no Instagram, ou seja, Rita é ouvida, forma opinião e é o que se denomina de digital influencer, e a mesma se reivindicando como de esquerda e marxista (o que deixa os cabelos dos ortodoxos em pé: imagina uma Drag Queen discutindo política? Que absurdo!).

Eis que Rita comete, no campo progressista, o maior pecado na atualidade, que é analisar o discurso de Lula em lançamento de sua pré-candidatura, apontar falhas e anunciar que não votará no mesmo no primeiro turno, acenando para as possibilidades do PCB e da Unidade Popular. Foi o suficiente para uma hecatombe nas redes sociais, uma avalanche de discurso de ódio vindo de pessoas que se reivindicam do campo progressista e de esquerda e o “cancelamento” de Rita, ou seja ela analisou, apontou e estão tentando silenciá-la, assim como no mito de Cassandra.

Primeiro que candidato algum deve ser encarado como um messias (já vimos essa história antes) e nem que seus pronunciamentos sejam encarados como dogmas, ou seja, verdades inquestionáveis, e que alianças não possam ser problematizadas, ou já foi esquecido os malabarismos teóricos e políticos para justificar Alckmin na vice-presidência? O contraditório, o diálogo são condição sine qua non para a reflexão dialética. As redes sociais já demonstraram que são mais palco de fomento ao ódio, desqualificação de reputação e notícias falsas do que uma arena onde minimamente possa se realizar um debate saudável e respeitoso.

A esquerda brasileira não é homogênea, em períodos eleitorais essa tensão é agudizada, principalmente com a tarefa urgente e atual de derrotar o Bolsonaro e o Bolsonarismo como princípio geral e com os partidos e sua militância divergindo acerca da tática e estratégias a serem adotadas, mas é preciso construir uma unidade mínima para enfrentar essa frente conservadora e reacionária, com a possibilidade eminente de um golpe, é necessário fazer as análises, pontuar programas e tentar chegar a uma síntese para se pensar em uma atuação, enquanto esquerda, nesse processo eleitoral e para além dele.

Daqui para frente serão recorrentes, no período eleitoral, que pronunciamentos e falas como as da Rita sejam potencializadas e sirvam para confundir o eleitorado e despolitizem todo o processo, essa estratégia será usada por um campo oportunista da esquerda que tenta inflar o sentimento de antipetismo e que não adere a uma luta coletiva contra o bolsonarismo e também uma direita que se regozija quando vê a esquerda se digladiando.

Podemos divergir das Ritas, das Cassandras, mas nunca retirar-lhes o direito de se posicionarem, nunca as silenciar nem a ninguém que pensa diferente e que se utiliza de uma forma respeitosa e crítica para colocar sua posição, é necessário cessar com os linchamentos públicos e virtuais, acabar com os autoritarismos de esquerda e avançarmos em um projeto socialista.

Todo apoio a Rita von Hunty e ao pensamento divergente, que Cassandra nunca mais seja silenciada, que seja ouvida e que se dê crédito aos seus postulados.

*Militante da Resistência-PSOL São Luís-MA. Homem cis gay. Doutor em Políticas Públicas (UFMA). Membro do Observatório de Políticas Públicas LGBTI+ do Maranhão. Bibliotecário (DIB/UFMA).