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BRASIL

A pilastra da técnica não pode e não deve ofuscar o pilar da ética

Lorena Risse*
Folha de São Paulo

A fotomontagem de Gabriela Biló, fotojornalista da Folha de São Paulo, é mais uma das imagens-disfarce que se proliferam aos montes na contemporaneidade. A diferença dela para as demais é que a justificativa para a sua irresponsável publicação foi jogada no colo do tecnicismo, como se ele fosse soberano diante de outros princípios que constituem o Jornalismo e, consequentemente, o dever da área com relação à democracia. 

A Folha de São Paulo, lida socialmente como uma das principais, se não a maior, fonte de informação do país, ao escolher compor uma capa com a dupla exposição (também conhecida como montagem) criada por Gabriela Biló, ao lado de uma manchete forçosamente requentada e que não se relaciona em nada com o teor da imagem, carrega consigo, em um só ato, diversos sentidos e acontecimentos que reforçam o tempo e o espaço político em que o Brasil se encontra, repleto de medo, violência e desserviço à informação.

Não há o que negar, o sentido dominante da imagem é de atentado, é de tiro sendo proferido em direção ao presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva. A polissemia tão utilizada como parte da desculpa para a publicação, que na verdade é um verdadeiro contorcionismo hermenêutico para tentar justificar essa imagem, não se reproduz ao infinito, ela, antes de mais nada, responde a códigos, índices, ao campo simbólico que, neste caso traça uma conotação direta: atentado. 

Quem se recusa a ver o sentido dominante na imagem e na composição da capa também se recusa a ver o quanto a visão de uma democracia blindada, que resistiu e resistirá a tudo e a todos é, não só turva, mas dissonante da realidade. Essas mesmas pessoas puxam o debate para um terreno tecnicista, como se o resultado da aplicação da técnica de dupla exposição outorgasse ou, até mesmo, livrasse a fotografia do seu impacto negativo no contexto sócio-político-cultural. 

Diante desses defensores de um pseudo-fotojornalismo-artístico perguntamos:

E o compromisso com o acontecimento e com o testemunho? E o compromisso com uma das mais importantes bases do Jornalismo, àquela que os estudantes aprendem logo no início da graduação, onde está? Ele não está, pois não existe nessa situação, o que há é a procura constante pela atenção, mesmo que ela venha pela via do sensacionalismo.

Ao responder aos questionamentos ou aos haters, palavras que a própria Gabriela Biló utilizou ao se pronunciar sobre o assunto, temos uma profissional que se coloca enquanto fazedora de arte, que encontra na fotografia “um espelho do seu olhar”. Pois bem, esse não é o papel do Jornalismo, esse não é o papel de um repórter e mais, o básico impera: por considerarmos só a nossa interpretação imagética é que temos que, como jornalistas, ativar sucessivamente o senso ético, debruçando-nos sobre o flagrante da realidade e fazendo o que sabemos – ou deveríamos: informar. 

Aos egocêntricos, Isso não quer dizer que não possa haver criação estética, sempre há. Afinal de contas, há composição, há luz, há foco, há profundidade, há um mundo de possibilidades plásticas para se praticar um fotojornalismo ético. Por isso, não caiamos nesse buraco de defender a técnica pela técnica, pois de pilastra o jornalismo brasileiro está cheio.

Temos que ter coragem e fazer uma prática jornalística alinhada à tríade ética – estética – política. É ela que precisa ser o nosso pilar, aquele que pode nos ajudar a nos manter firmes no caminho rumo à manutenção da democracia.

* Lorena Risse é Jornalista pela Unisinos, Mestra em Comunicação e Informação pela UFRGS e Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos