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Por que é legítimo ocupar a Bolsa de Valores?

Mulher segura cartaz com a frase "Sua ação financia nossa miséria"
MTST

Economia para os 99%

É difícil afirmar que o capitalismo deu certo vivendo em um país onde mais de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza. Mas se você fizer parte do “1%” mais rico por que não achar que está “tudo bem, obrigado”? Esta coluna se preocupa com temas econômicos do cotidiano: desemprego, renda, passagem de ônibus, inflação, aposentadoria e um longo etc., mas sempre na perspectiva dos 99%, afinal de contas, nenhuma análise econômica é neutra.

Eric Gil Dantas é economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e doutor em Ciência Política. É militante da Resistência/PSOL.

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) ocupou nesta quinta-feira, 23, a Bolsa de Valores (B3, antiga Bovespa) em um ato contra a inflação e a fome. Com muita coragem, a militância acertou em cheio o local, um dos símbolos do capitalismo parasita e especulativo. Imediatamente, Bolsonaro, o mesmo que estimulou ataques e atos golpistas, saiu a atacar o MTST e Guilherme Boulos, buscando ainda se desresponsabilizar pela inflação e pela fome.

O ódio de Bolsonaro só demonstra como foi correta a ação do MTST, e como é justo e legítimo responsabilizar o andar de cima, e o capital financeiro e especulativo, pela crise social e pelo aumento da desigualdade no Brasil. Existem alguns Brasis paralelos e a bolsa de Valores, sem dúvida, é um deles. O Brasil de verdade, aquele vivido pelos milhões de trabalhadores que lutam para superar dia após dia, está há anos em crise e, com a pandemia e o governo Bolsonaro, enfrenta ainda mais fome, desemprego e inflação, provocando desilusão com seu futuro. Mas tudo isto passa longe daquele lugar.

Como podemos ver no gráfico abaixo, o Ibovespa, principal índice da B3, cresceu exponencialmente nos últimos anos – com a exceção do início dos anos de 2016 e de 2020, este último por conta da pandemia do novo coronavírus. Há exatos 6 anos, o Ibovespa somava 45.825,3 pontos. Hoje, 24 de setembro de 2021, o índice já subiu 147%. Crise aqui passa longe!

Gráfico 1 – Índice Ibovespa diário (04/03/2013 a 24/09/2021).

Fonte: B3

De lá pra cá, a taxa de desemprego subiu de 8,9% para 14,1%, desaparecendo 5,6 milhões de trabalhadores com carteira assinada (IBGE/PNAD Contínua). A taxa de inflação (INPC) passou a ser a mais alta desde 2003. O peso da cesta básica no salário-mínimo subiu de 51,9% para 58,1%, o do gás de cozinha subiu de 6,2% para 8,9%. O percentual de pessoas abaixo da linha da extrema pobreza subiu de 10,8% para 12,8% (FGV Social). A desigualdade medida pelo índice de Gini subiu de 0,623 para 0,674 (FGV Social). Já entre o biênio 2017/2018 e dezembro de 2020, a parcela de brasileiros que enfrentaram algum grau de insegurança alimentar subiu de 36,7% para 59,4% (Food for Justice).

Por outro lado, nos últimos dois anos (2º trimestre de 2021 relativo ao 2º trimestre de 2019) as 311 principais companhias não financeiras com ações negociadas em bolsa no Brasil (Valor Data) aumentaram suas receitas líquidas em 40,9%. Já o seu lucro líquido subiu 149,9%. O preço das commodities (IC-Br/BCB) subiu desde o início do ano passado 70%, fazendo o Brasil um dos maiores produtores do mundo em alimentos e petróleo, um país onde a própria população não pode nem comer e nem abastecer o carro para trabalhar. Em dois anos, praticamente o período da pandemia, o Brasil aumentou em 110 o número de bilionários no país.

O Brasil é, reconhecidamente, um país de contrastes. Da miséria de muitos e da riqueza de poucos. A disputa ideológica segue, com grandes empresas como a XP, BTG, Empiricus, Safra, Opportunity e BNP, tentando convencer a classe trabalhadora de uma meritocracia inexistente. De que basta “poupar” e entregar o dinheiro para que eles administrem que você será uma pessoa rica, um grande investidor. Denunciar tudo isto na sede da bolsa, como fez a militância do MTST, é fundamental. Que venham novas ocupações, exigindo medidas como a extensão do auxílio emergencial, taxação de dividendos e grandes fortunas e o fim das privatizações das nossas estatais.

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