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Ser mãe é uma escolha! Chega de mortes de mulheres!

Silvia Ferraro

Feminista e educadora, covereadora em São Paulo, com a Bancada Feminista do PSOL. Professora de História da Rede Municipal de São Paulo e integrante do Diretório Nacional do PSOL. Ex-candidata ao Senado por São Paulo. Formada pela Unicamp.

Por: Silvia Ferraro, colunista do Esquerda Online

Em uma semana pesada de más notícias, e após a aprovação da PEC 55 em primeiro turno no Senado, com uma repressão brutal aos manifestantes, eis que chegou um lampejo de lucidez através do voto do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que votou, em um caso específico, contra a criminalização do aborto até o 3º mês de gestação.
Realmente era um ponto fora de curva dentro de uma situação política em que temos visto o avanço do conservadorismo e não podia ser que a felicidade das feministas durasse muito tempo. Rapidamente, a bancada fundamentalista do Congresso Nacional se mexeu e Rodrigo Maia, que já estava embalado na votação da PEC 55, criou uma comissão para analisar a decisão do STF.

Agora o Congresso Nacional ameaça ressuscitar o projeto de lei do deputado João Campos (PSDB), do Estatuto do Nascituro, que proibiria até mesmo o aborto em caso de estupro.

No Brasil, estima-se que haja por ano, cerca de até 1 milhão de abortos inseguros. É a 5ª causa de morte materna. Os números são todos imprecisos por causa da criminalização. A estimativa é que de 1 milhão de abortos inseguros, cerca de 200 mil acabam em óbitos de mulheres ou sequelas para a vida toda.

O silêncio das mulheres…
As mulheres morrem em silêncio, em sofrimento, se sentindo culpadas e no máximo vão parar nas estatísticas. Sob a acusação de criminosas, pecadoras, depravadas e irresponsáveis, as mulheres que recorrem ao aborto são obrigadas a amargar a solidão da escolha, muitas vezes em base ao desespero.

O perfil das mulheres que abortam mostra que a maioria são religiosas, católicas (66%) e protestantes (25%), casadas (64%) e já tem outros filhos (81%). Esta mulher quando é trabalhadora, pobre e negra, faz a sua escolha se enfrentando com o Estado que a criminaliza, com a sua própria religião que diz que ela é pecadora, com sua própria família que a recrimina e com toda a sociedade que diz que ela é a escória do mundo. Mesmo contra tudo isso, esta mulher faz a escolha de não querer ter uma gestação e arrisca a sua vida para fazer valer sua decisão.

Mas a legislação retrógrada do nosso país é seletiva. Se esta mulher tivesse nascido na Alemanha, na França, nos EUA ou no Uruguai, ela teria o aborto garantido por lei, feito pelo Estado, com acompanhamento médico e psicológico, mas como ela nasceu no Brasil e é, em sua maioria, pobre, negra e periférica, ela vai correr o sério risco de entrar para as estatísticas de mulheres que morrem por aborto ilegal e inseguro.

No Brasil, tampouco a maternidade é uma escolha para todas as mulheres. Os serviços de saúde pública país afora mostram ainda dados alarmantes de morte materna. (62 mortes a cada 100 mil nascimentos). Entre 2009 e 2011, por exemplo, morreram 1.757 mães brancas e 3.034 mães negras e pardas, 73% a mais.

A desigualdade no Brasil tem raça e classe e são as mulheres trabalhadoras e negras que tem tido o direito à maternidade negado por falta de condições mínimas para terem um parto. Depois, têm o direito à criação dos filhos também negado, com um déficit de 10 milhões de vagas em creches no país, números que vão piorar com a aprovação da PEC 55, literalmente a PEC da morte.

Às mulheres é negado o direito de serem tratadas como sujeitos capazes de escolher terem seus filhos ou não. Para elas o Estado escolhe a dor, o sofrimento, a solidão, e a morte.

A decisão da primeira Turma do Supremo, apesar de limitada a um caso específico, abre portas para a luta pela legalização do aborto no Brasil e isso significa a possibilidade de zerar a morte de mulheres por essa causa. No vizinho Uruguai, a legalização do aborto zerou a morte de mulheres por abortos. Estamos falando da vida de milhares de mulheres, que inclusive a partir da legalização, poderiam ter acesso aos métodos contraceptivos. No Uruguai as mulheres que optam pelo aborto passam a ter o acompanhamento médico e o acesso aos anticoncepcionais. Isso fez diminuir o número de abortos e não o contrário, como ficam propagando as igrejas.

Para barrar a contraofensiva do Congresso Nacional conservador, é necessário que os movimentos de mulheres disputem a opinião pública. A Primavera Feminista foi capaz de impedir a votação do PL 5069 de Eduardo Cunha e agora é hora de reacendê-la. É pela vida das mulheres! É pelo direito de escolha!

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil