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OPRESSÕES

Lei da tortura é promulgada na Câmara de Vereadores de Maceió

Durante o período natalino, mais violência contra as mulheres

Valéria Correia*
Reprodução

Nas vésperas do natal, a Câmara de Vereadores de Maceió promulgou lei que provoca mais violência contra as mulheres que têm direito ao aborto legal. A Lei nº 7.492 obriga as mulheres que recorrerem aos serviços de aborto legal na rede municipal a ter encontros com equipes de saúde para ver vídeos, fotos e ilustrações de fetos e receber “orientações sobre riscos e as consequências” do procedimento. É estarrecedor que mulheres em situação de extrema vulnerabilidade em decorrência da situação difícil e traumática pela qual estão passando sejam obrigadas a assistir vídeos de fetos que, sem sombra de dúvidas, aprofundará seu sofrimento psíquico e emocional. O que os(as) vereadores(as) de Maceió intentam com esta situação que se assemelha a prática de tortura em mulheres já profundamente vulnerabilizadas?

No Brasil, 94% dos abortos legais são de gestações decorrentes de estupro (Madeiro e Diniz, 2016). Esse dado evidencia que a Lei nº 7.492 promulgada pelo presidente da Câmara de Vereadores de Maceió, em 20 de dezembro, submete as mulheres vítimas da violência do estupro à mais uma violência. Na suposta tentativa de desencorajá-las a exercerem seus direitos, a lei obriga as mulheres a verem vídeos e imagens dos métodos cirúrgicos utilizados para o procedimento abortivo, entre eles a aspiração intrauterina e a curetagem uterina, agravando, assim, os traumas de uma gravidez indesejada, o medo, a ansiedade e seus sofrimentos. Além disso, os vereadores e vereadoras ignoraram os riscos inerentes ao prosseguimento da gestação nas três situações em que a lei permite o aborto no Brasil que são: decorrente de estupro, bem como quando a gestação representa um risco à vida da mulher e nos casos em que o feto tem anencefalia. Ressalta-se que a barreira imposta pela lei afeta diretamente às crianças, pois a maioria das vítimas de estupro no Brasil não é mulher, é criança que tem até 13 anos, de acordo com a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho de 2023.

Esta lei que viola os direitos das mulheres foi proposta pelo vereador Leonardo Dias (PL) e aprovada, em 9 de fevereiro de 2023, por 22 dos 23 vereadores presentes, com exceção da vereadora Teca Nelma (PSD) que se absteve da votação. A lei promulgada em Maceió vai na direção contrária às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela recomenda que os países devam viabilizar a oferta de informações sobre o aborto legal e fornecer orientações compreensíveis a respeito da interpretação e aplicação das leis e sobre como acessar serviços jurídicos. Recomenda, também, a organização dos sistemas de saúde para garantir o aborto seguro e a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos. Entende que a garantia do acesso das mulheres ao aborto legal tem potencial para reduzir os custos do sistema de saúde para tratamento de complicações decorrentes de abortos inseguros (Giugliani, et al., 2021). Segundo a OMS, o custo anual para tratamento de complicações graves associadas ao aborto inseguro é estimado em 680 milhões de dólares americanos (OMS, 2019).

A Lei nº 7.492 se inscreve em um conjunto de propostas legislativas de natureza conservadora em curso que têm como objetivo restringir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres conquistados e garantidos legalmente. O propósito é manter o controle sobre o corpo feminino dentro da ordem patriarcal, desconsiderando que a violência contra a mulher e o aborto são questões de saúde pública e, ainda, que o aborto inseguro mata. No Brasil, o aborto aparece como a quarta causa de óbito materno, estima-se que, a cada ano, cerca de 230 mil mulheres sejam internadas pelo SUS em decorrência de abortos inseguros (Silva, et al., 2016). Ademais, são muitos obstáculos ao aborto legal que obstruem o direito das mulheres: desde a dificuldade ao acesso à informação sobre esse direito à escassez de serviços e fragilidade da rede de atenção, além da discriminação que as mulheres sofrem quando recorrem aos serviços.

A Rede de Mulheres Negras do Nordeste, o Fórum Alagoano em Defesa do SUS e vários Movimentos sociais e entidades se posicionaram contra a iniciativa inconstitucional em pauta. A deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP) acionou o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos contra a lei promulgada.

Ao final, desejamos que, em 2024, esta injustiça contra os direitos das mulheres de Maceió seja reparada e que o bom senso dos direitos humanos seja reestabelecido na nossa cidade, já tão abalada pelo crime da mineradora Braskem.

Referências

GIUGLIANI, et al. Violência Sexual e Direito ao Aborto Legal no Brasil: fatos e reflexões. Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz, 2021.

MADEIRO, A. P. & DINIZ, D. Serviços de aborto legal no Brasil – um estudo nacional. Ciência e Saúde Coletiva, 21 (2): 553-572, 2016.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Preventing unsafe abortion. Geneva: OMS, 2019.

SILVA, B. G. C. et al. Mortalidade materna no Brasil no período de 2001 a 2012: tendência temporal e diferenças regionais. Revista Brasileira de Epidemiologia, 19(3): 448-493, 2016.

* Valéria Correia é reitora honorária da UFAL, pesquisadora do PPGSS/FSSO/UFAL, integrante do FórumSUS/AL e da FNCPS