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BRASIL

Por um lockdown nacional para deter o genocídio coordenado por Bolsonaro

Marco Pestana

Com o vertiginoso agravamento do quadro nacional da pandemia de Covid-19 nos últimos meses e, principalmente, nas últimas semanas, ganhou fôlego no interior da esquerda brasileira o debate acerca da conveniência de se adotar a defesa do lockdown nacional como um eixo de luta central hoje. Esse texto argumenta que sim, precisamos sustentar a proposta de um lockdown imediato, por três razões principais. A primeira e mais óbvia é que essa é a maneira mais rápida e eficiente de salvar dezenas de milhares de vidas nas próximas semanas e meses. A segunda é que essa é a reivindicação que se choca mais diretamente com o centro da política genocida de Bolsonaro na condução da pandemia. A terceira é que essa é uma posição que permite abrir um leque de outras reivindicações que se contrapõem ao neoliberalismo selvagem que tem sido implementado no país nos últimos anos.

Uma proposta consequente de lockdown nacional precisa ser acompanhada da proposição de um auxílio emergencial robusto, de garantia da estabilidade no emprego e de empréstimos a fundo perdido para os pequenos negócios (isso como um ponto de partida, havendo ainda outras possibilidades, como congelamento de alugueis, cancelamento do pagamento de serviços essenciais, etc). Essas medidas, por sua vez, demandariam a completa revisão dos fundamentos fiscais do neoliberalismo selvagem, uma vez que teriam que ser financiadas pela extinção do Teto de Gastos, pela interrupção do pagamento da dívida pública, pela taxação de grandes fortunas, etc. Como a crise econômica, o desemprego e a pauperização vão se estender muito além do período da pandemia, esse programa lança raízes para um enfrentamento à política econômica que produz a forma mais exacerbada de nossa desgraça coletiva.

O problema da correlação de forças

Excetuando-se os poucos setores que acreditam que um lockdown seria uma violação de liberdades individuais, de maneira geral, há razoável convergência no interior da esquerda em torno desses pontos. Polêmicas mais acaloradas aparecem quando se passa para a avaliação das possibilidades de efetivação do lockdown nacional em meio à atual correlação de forças. Nesse ponto, emergem duas objeções principais à sua defesa nessa conjuntura: o apoio social a essa medida e a absoluta oposição do governo Bolsonaro à sua adoção.

Quanto ao primeiro ponto, vale conferir a recente pesquisa do Datafolha que aponta que 71% dos entrevistados apoiam a restrição do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais e de serviços. Sem dúvida, essa é uma medida muito mais tímida do que um lockdown nacional, mas indica a percepção já robusta e crescente (segundo a oscilação do índice desde dezembro) de que medidas mais restritivas precisam ser adotadas. Há que se considerar, ainda, o espaço que inúmeros veículos dos conglomerados de mídia empresarial têm oferecido para médicos e cientistas que defendem medidas mais restritivas e, até mesmo, o lockdown nacional.

Em relação ao segundo ponto, realmente, não deve haver qualquer esperança de que o governo Bolsonaro vá adotar um lockdown nacional. Entretanto, uma outra forma de implementá-lo poderia ser por articulação dos governadores, via, por exemplo, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Caso mesmo essa alternativa não se concretize, a realização de lockdowns regionais ou locais, por iniciativas isoladas de governadores ou prefeitos, não deixaria de produzir importantes resultados, salvando milhares de vidas, ainda que aquém do necessário.

O papel dos movimentos sociais e partidos de esquerda

Existem, portanto, condições para que essa seja uma reivindicação prioritária na atual conjuntura – que deve ser articulada a outras, como a defesa da aceleração da vacinação –, o que, evidentemente, não é o mesmo que dizer que há certeza de vitória em sua implementação. Entretanto, para que essas condições sejam efetivamente exploradas, é preciso que os partidos de esquerda e movimentos sociais adotem ações mais incisivas em dois sentidos. O primeiro é o fortalecimento das iniciativas de solidariedade de classe que, conjugadas ao auxílio emergencial, podem garantir condições mínimas de sobrevivência aos setores mais precarizados e pauperizados da classe trabalhadora. O segundo é o exercício de formas de ação direta capazes de exercer pressão sobre todos os governos, com destaque para o federal, dentro de condições sanitárias seguras. Sob essas condições, o enfrentamento à política genocida de Bolsonaro para a pandemia pode constituir um passo significativo do movimento para a sua derrubada. Para isso, as mobilizações convocadas por centrais sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda para o próximo dia 24 precisam ser amplamente divulgadas, construídas e fortalecidas.