Tendo crescido nesta superexplorada e rural colônia belga, totalmente desprovida de estruturas de assistência social aos nativos, foi obrigado a estudar em colégios missionários, sendo esta a única forma de acesso à escolarização. Embora não tenha cursado graduação, leu como autodidata autores iluministas e tinha uma excelente oratória, sendo reconhecido por suas capacidades intelectuais pela casta patronal branca da empresa de mineração onde trabalhava desde os 18 anos em tarefas burocráticas. Após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 se muda para a capital Leopoldville trabalhando no serviço de correios nacional e exercendo também atividade jornalística.
O ano de 1954 seria importante em sua trajetória, tendo sido eleito presidente do sindicato de funcionários públicos local, além de receber uma certidão que o concedia as prerrogativas de um cidadão belga (documento raríssimas vezes concedido aos nativos em 8 décadas de colonialismo).
Em 1955, se filiaria ao Partido Liberal Belga, agremiação política do ministro colonial August Buisseret, o primeiro a empreender a construção de um sistema de educação laico no Congo desde a invasão belga, em 1885. Ainda em 1955 fundaria a Associação de indígenas da Colônia. Já em 1956 viajaria à Bélgica para estudos, participando também da política local. Ao retornar ao Congo é acusado pela autoridade colonial de fraude nos correios e é preso por um ano. Apesar de nesta época possuir posições moderadas, defendendo a autonomia congolesa sem romper definitivamente com a Bélgica, sua crescente influência era perigosa. Suas relações com os liberais irão se deteriorar até que a ruptura definitiva acontece após a Exposição Universal de Bruxelas de 1958, na qual uma vila congolesa é retrata na forma de zoológico humano. A partir daí Lumumba irá radicalizar seu discurso e neste mesmo ano fundará o independentista Movimento Nacional Congolês (MNC), ao qual irá representar em dezembro na Conferência dos Povos Africanos. Neste encontro pan-africanista irá conhecer e se tornará amigo dos líderes anti-coloniais marxistas Franz Fanon (representante da Frente de Libertação Nacional argelina) e Kwame Nkrumah (governante de Gana, país anfitrião do evento e primeira nação da África negra a se tornar independente).
O ano de 1959 seria marcado pela forte perseguição às organizações independentistas congolesas dos mais diversos matizes políticos com um comício da ABAKO sendo reprimido com o saldo de dezenas de mortos e o congresso do MNC sendo fechado com 30 mortos e centenas de feridos, com a prisão de Lumumba decreta dias depois por incitar a insurreição. Os protestos se intensificam e as autoridades coloniais chamam as lideranças congolesas mais moderadas à negociar em Bruxelas, porém todos se negam a negociar sem a presença de Lumumba, que é transferido diretamente da cadeia, em janeiro de 1960, para um avião rumo a Bruxelas. Na Bélgica Lumumba defende a independência imediata e eleições gerais são convocadas para maio. O MNC sai vitorioso, mas sem maioria absoluta é obrigado a negociar cargos, assim Joseph Kasavubu da ABAKO é eleito presidente e Lumumba primeiro-ministro. A partir de então o país viverá uma dualidade de poderes expressa desde os discursos na cerimônia de independência no dia 30 de junho de 1960, quando Kasavubu ligado aos negócios da antiga metrópole agradece ao rei belga pela independência, enquanto Lumumba afirma que a independência foi conquistada pela luta do povo congolês e denúncia as atrocidades do colonialismo belga.
No espírito da Conferência de Bandung, Lumumba adota uma política anti-imperialista não-alinhada à nenhuma potência da Guerra Fria e propõe a unidade nacional acima das disputas étnicas, estas sempre incentivadas pelos colonizadores para facilitar o seu domínio. Seus opositores são lideranças locais étnicas, uma destas, Moses Tshombe, apoiada pela Bélgica, que possuía grandes negócio de mineração no país, declara a secessão da rica província de Katanga apenas duas semanas após a independência do país, iniciando uma guerra civil. Em poucos dias milhares de soldados Belgas chegam ao Congo para apoiar Tshombe. Lumumba apela à ONU para que condene a tentativa de separação nacional. A União Soviética condena o separatismo, mas a ONU apenas determina que as tropas belgas se retirem e classifica o ocorrido como conflito interno, na prática legitimando a possibilidade de secessão. Após muitos apelos à ONU, que não condenará a atitude de Tshombe, Lumumba se aproxima da União Soviética e aceita sua ajuda em suprimentos e armas para combater o separatista. Em meio a todo esse caos político ainda conseguirá organizar como país anfitrião uma nova Conferência de Povos Africanos, reforçando seu compromisso terceiro-mundista de independência e unidade da África.
Com a acirramento da crise e a aproximação dos soviéticos Lumumba será amplamente taxado de comunista, embora ele assim não se considerasse, definindo a si como um lutador do povo pelo progresso e contra o imperialismo; o que na África segundo ele seria suficiente para ser considerado “comunista e agente de Moscou”. Ele irá ironizar a direita golpista por não tirar da boca a palavra comunismo, sendo eles os difusores do termo na esfera pública, ao invés do próprio Lumumba e seus partidários, supostos comunistas. Ao olharmos para o Brasil do século XXI vemos o quão requentada é a pauta política da direita, sempre lançando mão do espantalho da ameaça comunista.
Em 5 de setembro de 1960, Kasavubu demitiria Lumumba e seus ministros pela crise instalada no país. Lumumba consideraria a demissão ilegal e demitiria Kasavubu da presidência. Após duas semanas de extremo dualismo o desfecho dessa situação seria um golpe de Estado comandado pelo Coronel Mobuto com apoio dos Estados Unidos e Bélgica. Nas semanas seguintes Lumumba denunciou o golpe e continuou agindo como se ainda detivesse o poder, se encontrando com ministros e congressistas. A União Soviética conclamaria a defesa da democracia condenando o golpe. É posto sob prisão domiciliar, mas em 27 de novembro foge da capital com sua família e alguns apoiadores rumo a Stanleyville, onde seu aliado Antoine Gizenga estabelecera a resistência. No entanto, resolve discursar para a população local no caminho e perde tempo. Sua esposa e filhos são capturados e ele se vê obrigado a se entregar para salvá-los. Com a guerra em Katanga ainda em curso Lumumba é enviado a Tshombe por Mobuto. Após vários dias de tortura Lumumba é fuzilado, em 17 de janeiro de 1961, e seu corpo é despedaçado e dissolvido em ácido, afinal, seu túmulo poderia se tornar um símbolo. O país seria reunificado entre 1964 e 1965, e Tshombe receberia de presente o cargo de primeiro-ministro.
Mobuto em um gesto cínico reabilitaria Lumumba como herói da independência nacional, esvaziando sua luta anti-imperialista alinhando o país à velha metrópole e aos Estados Unidos, adotando apenas uma estética tradicionalista étnica em seu regime. Já a Bélgica tentaria recuperar a imagem do Lumumba moderado da primeira metade da década de 1950. Em contrapartida, a União Soviética, ainda em 1961, combatendo esse revisionismo histórico de direita publicaria uma pequena antologia de seus discursos e textos do período da independência do Congo até a sua morte (Fighter for Africa’s Freedom), além de nomear a Universidade da Amizade dos Povos de Patrice Lumumba, recuperando nesse movimento o caráter radical de sua luta por autodeterminação dos povos. A editora da célebre revista pan-africanista Presença Africana seguiria o exemplo soviético ao publicar uma antologia de maior fôlego, longamente prefaciada por Jean Paul Sartre, do pensamento político de Lumumba, cobrindo todo o seu período radical de 1958 a 1961.
Sobre a tentativa de distorcer o legado de Lumumba podemos recordar a reflexão de Lênin em O Estado e a Revolução:
As classes opressoras, durante a vida dos grandes revolucionários, retribuíam-nos com incessantes perseguições, acolhiam sua doutrina com a fúria mais selvagem, com o ódio mais feroz, com as mais furibundas campanhas de mentiras e calúnias. Depois da morte deles, tentam transformá-los em ícones inofensivos, canonizá-los, por assim dizer, conceder a seu nome certa glória para “consolar” as classes oprimidas e para enganá-las, castrando o conteúdo da doutrina revolucionária, embotando seu gume revolucionário, vulgarizando-a.
Os protestos antirrascistas recentes na Bélgica são a prova de que apesar de todo o ocorrido as ideias de Lumumba seguem vivas. Nesses protestos sua memória e a luta do povo congolês foram reivindicados e estátuas do genocida rei belga Leopoldo II, responsável por milhões de mortes no Congo, foram pichadas. Estes atos simbólicos são importantes, mas seguindo o exemplo de Lumumba se faz necessário ir além e tomar o poder e não apenas incidir sobre quem detém o poder. Só assim poderá ser construída uma sociedade radicalmente antirrascista, superando todo resquício do passado colonial. Nas palavras de Lumumba:
A República do Congo foi proclamada e agora se encontra nas mãos de seus próprios filhos. Juntos vamos começar uma nova luta, uma luta sublime… Vamos mostrar ao mundo o que o homem negro é capaz de fazer quando trabalha em liberdade.
Viva a autodeterminação dos povos!
Abaixo o racismo!
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