O fato de alguns dos covardes assassinos do trabalhador congolês serem negros não elimina, em nada, o racismo do ocorrido, e, sim, do contrário, o potencializa. A força de uma ideologia dominante – e o racismo, na acepção marxiana do termo, é também uma ideologia – se evidencia pelo seu alcance em uma formação social, por conseguir se espraiar em praticamente todos os seus espaços e, sobretudo, por ir além das fileiras dos estratos dominantes que a forjaram.
Nesses tempos horrivelmente virais, o neofascismo se alastra, amalgamando “todas as exalações pútridas da sociedade burguesa em decomposição”, como disse certa feita Trotsky acerca da ideologia hitlerista. O racismo sem rebuços se junta à xenofobia escancarada e à apologia do trabalhador (“colaborador”) sem vínculos, intermitente, sem direitos, sem nada, salvo o direito, claro, de ser tratado a pauladas no caso de vir a cobrar seu salário em meio a uma das raras intermitências do seu trabalho, quase escravo. Os assassinos de Moïse não são senão a versão miliciana e ultraneoliberal do capitão do mato do mato de antanho.
Os assassinos de Moïse não são senão a versão miliciana e ultraneoliberal do capitão do mato.
Antes que, como um incêndio duradouro, devaste por completo o país, o neofascismo ultraneoliberal, que reatualiza as mais ancestrais e cruentas formas de opressão da nossa formação social, deve ser ele mesmo queimado para que sejamos salvos, e quem sabe as chamas da Tropicália – cujo as letras e sons mesclavam dialeticamente o arcaico e o moderno – não façam as vezes de faísca, porque por vezes só o fogo pode, Mateus, acender nossa alma, “pois o coração desse povo se tornou insensível”.
Comentários