Recentemente, o jornalista Mario Sergio Conti escreveu na Folha de S. Paulo um corajoso artigo defendendo o afastamento de Bolsonaro. Quando importantes jornalistas do establishment e grandes grupos econômicos se movem para depor aqueles que ajudaram a eleger, as estruturas se abalam quase que com a mesma intensidade que acontece quando as massas se movem através de lutas e greves. Isso acontece quando a correlação de forças está prestes a se alterar ou aquilo que até então existia chega num ponto de impasse, cujas saídas, embora imprevisíveis em toda a sua extensão, precisam ser buscadas.
Conti defende que Bolsonaro “não tem jeito”. Por sua “ignorância vaidosa, o gosto pelo sórdido e o exibicionismo bufo”, que estariam entranhados em sua personalidade, lhe impedindo “mudanças racionais”, algo que lhe tornaria “impermeável ao diálogo franco, a estudar e aprender, porque se orgulha de sua mente miúda e alma perversa”, Bolsonaro teria se convertido num problema de saúde pública para o país. Então defende que o presidente precisa ser afastado por qualquer meio, pois com uma pandemia que está prestes a matar milhares de pessoas e atinge em cheio um “Brasil frágil” que ainda por cima tem um presidente que “abraça seu rebanho”, faz piada e tripudia do cenário, não haveria outra saída senão seu afastamento.
Assumindo a necessidade para a consumação do ato, Conti especula sobre duas possibilidades: a primeira em que “um setor parrudo da elite inventaria um rito sumário para outro impeachment. Algo como se fez com Dilma Rousseff” mas com uma “pirueta parlamentar” a ser “perpetrada na velocidade da luz” e com “gambiarras jurídicas providenciadas pelo Supremo —que não se furta a essas tramoias”, ou seja por “um golpe” (sim, ele admite que Dilma sofreu um golpe); e a segunda forma seria a de o Brasil renunciar a Bolsonaro, desobedecê-lo”, como os brasileiros se organizando por sua conta e risco por outros meios.
O artigo de Conti pareceu um vaticínio de duas soluções que, combinadas, ganharam o país nos dias seguintes, porque o Brasil começa a funcionar (no caso, deixar de funcionar para conter a pandemia) à revelia dos desejos genocidas do tresloucado capitão, do mesmo modo, em que um setor “parrudo da elite”, que inclui o Congresso, os governadores e frações importantes das classes dominantes, já se movimentam para escorraçar o inepto governante da cadeira presidencial.
Às vezes a história caminha pra frente quando tiranos ou regimes são depostos ou vem abaixo por meio da força. Foi assim que acabou a República Velha no Brasil em 1930, quando abriram-se as portas para o desenvolvimento e industrialização nos termos de uma revolução passiva, e também quando o MFA em Portugal derrubou uma das mais longas ditaduras do século XX, abrindo as portas para a Revolução. E que assim seja entre nós.
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