No último dia 10 de janeiro, Nicolás Maduro tomou posse para o seu segundo mandato como presidente da Venezuela, pelo qual governará o país por seis anos (2019-2025). No entanto, a posse de Maduro foi rechaçada pela Assembleia Nacional, eleita em 2015, cuja maioria parlamentar é composta pela oposição de direita encabeçada pela Mesa de Unidade Democrática (MUD) e pelo deputado Juan Guaidó.
O pleito que deu origem ao segundo mandato de Maduro estava previsto para o final de 2018, mas foi antecipado pela Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 2017, para 20 de maio de 2018. Mesmo com a antecipação do processo eleitoral, a posse ficou mantida para janeiro de 2019.
Na ocasião, a MUD, principal agrupamento da oposição de direita, não participou do pleito por considerar o processo eleitoral fraudulento, na medida em que o mesmo foi convocado pela Assembleia Nacional Constituinte, instituída em 2017, e contestado pela Assembleia Nacional, eleita em 2015.
Portanto, para a MUD, a Assembleia Nacional de 2015 e Juan Guaidó a antecipação das eleições presidenciais representou uma “fraude” para perpetuar Maduro no poder, particularmente porque os dois maiores representantes da oposição de direita já estavam impedidos de concorrer: Leopoldo López está preso e Henrique Capriles foi impedido de se candidatar a qualquer cargo por um período de 15 anos.
Aqui cabe um parêntese: o que vale para o Brasil, a prisão de Lula e o impedimento de sua candidatura, que facilitou sobremaneira a vitória de Jair Bolsonaro nas presidenciais de 2018, não vale para a Venezuela. A prisão de López e o impedimento político de Caprilles, dois grandes representantes da direita golpista e pró-imperialista, foram suficientes para que o imperialismo estadunidense, a OEA, o Grupo de Lima e a grande imprensa internacional fizessem um escândalo e não reconhecessem a eleição do segundo mandato de Maduro.
Esses dois pesos e duas medidas seriam cômicos, se não fossem uma trágica desculpa para justificar desde um golpe parlamentar até uma possível intervenção militar. Qualquer semelhança com a “descoberta” de armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein, no final do século XX, não é mera coincidência.
Dualidade do Poder Legislativo
A rigor, vive-se hoje na Venezuela uma dualidade do Poder Legislativo. De um lado, a Assembleia Nacional, eleita em 2015, composta majoritariamente pela oposição de direita; de outro lado, a nova Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 2017, boicotada pela oposição de direita e composta quase que exclusivamente pelos apoiadores do governo Maduro. Uma análise séria sobre a situação da superestrutura política e institucional da Venezuela não pode abstrair alegremente a presente dualidade do Poder Legislativo.
Esta dualidade de poderes, desgraçadamente, não se dá a partir de sovietes ou outro tipo de organização democrática-revolucionária das massas contra o governo Maduro e a direita golpista e pró-imperialista, que fosse capaz de disputar o poder político de maneira independente através de uma revolução socialista triunfante. Ao contrário, a atual dualidade de poderes é impulsionada pela direita golpista a partir de sua vitória nas eleições parlamentares de 2015.
Quando da posse de Maduro para o seu segundo mandato, no dia 10 de janeiro, a grande discussão que se estabeleceu em nível internacional impulsionada pelo governo estadunidense de Donald Trump, pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo Grupo de Lima, que reúne atualmente os governos direitistas da América Latina alinhados com os Estados Unidos, foi: o segundo mandato de Maduro não é legítimo porque sua eleição não foi reconhecida pela Assembleia Nacional eleita em 2015.
Ato seguido, na sexta-feira, 11 de janeiro, apenas um dia após a posse de Maduro, a oposição de direita venezuelana, com o apoio do imperialismo estadunidense, da OEA e do Grupo de Lima lança o nome de Juan Guaidó para assumir interinamente a Presidência da República, desconsiderando olimpicamente a eleição pelo voto universal, direto e secreto de Nicolás Maduro para o novo mandato. Ou seja, a oposição de direita e seus apoiadores imperialistas e lacaios dos Estados Unidos insuflaram como presidente interino a um deputado nacional que não concorreu sequer às últimas eleições presidenciais e não obteve, portanto, nenhum único voto para o cargo que postulava. Não há outra definição para esta manobra do que um golpe parlamentar.
Esta política da direita venezuelana, guardadas as devidas proporções e particularidades, é muito semelhante ao golpe parlamentar ocorrido contra a presidente Dilma, em 2016, no Brasil. Portanto, a derrubada imediata do governo Maduro, sob as atuais condições objetivas e subjetivas da luta de classes, só teria como resultado concreto e imediato a ascensão de um governo da direita golpista e pró-imperialista, encabeçado pela Assembleia Nacional de 2015 e tendo como presidente interino o deputado Juan Guaidó.
Golpe parlamentar em movimento
No dia 23 de janeiro, Juan Guaidó se autoproclamou numa praça pública de Caracas presidente interino da Venezuela, sendo reconhecido imediatamente pelos governos de Donald Trump (EUA), Iván Duque (Colômbia) e Jair Bolsonaro (Brasil), bem como pelos governos de Paraguai, Peru, Canadá, Equador, Chile e Argentina.
Quase que imediatamente, Luiz Almagro, presidente da OEA, cumprimentou Guaidó em uma mensagem no Twitter. “Nossas felicitações a Juan Guaidó como presidente interino de Venezuela. Tem todo nosso reconhecimento para impulsionar o retorno do país à democracia”, escreveu.
Tão rápido quanto Luiz Almagro, o vice-presidente americano, Mike Pence, se manifestou por sua conta no Twitter: “A @JGuaido e o povo da Venezuela: os EUA estão com vocês e vão continuar com vocês até que a #Liberdade seja restaurada!”.
No dia 24, em resposta ao apoio estadunidense à autoproclamação de Guaidó como presidente interino, Maduro declarou a ruptura de relações diplomáticas e políticas com o governo de Donald Trump e ordenou aos diplomatas venezuelanos nos Estados Unidos que deixassem o país, ao mesmo tempo em que reiterou que os diplomatas estadunidenses devem deixar o território venezuelano, ameaçando inclusive cortar água e luz dos prédios da embaixada e consulados.
Ato seguido à declaração de Maduro, Guaidó pediu a todas as embaixadas que mantenham suas portas abertas, inclusive a dos Estados Unidos. Da sua parte, o governo de Donald Trump, numa clara violação da soberania nacional venezuelana, afirmou que, por não reconhecer Maduro como chefe de Estado, não lhe obedecerá e manterá sua missão diplomática na Venezuela. Como se não bastasse, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU para discutir a crise na Venezuela.
Os Estados Unidos buscam operar em meio a essa grave tempestade política e institucional na Venezuela, realizando manobras de todo o tipo que possam vir a justificar, num futuro próximo, o apoio a ações militares da oposição de direita no país ou mesmo incentivar governos lacaios, como os de Bolsonaro e Iván Duque, a protagonizarem uma ação militar “humanitária” com o aval do conselho de segurança da ONU.
O apoio de Rússia e China ao governo Maduro
A tentativa de golpe parlamentar na Venezuela tem seus desdobramentos também no tabuleiro das disputas geopolíticas atuais. Rússia e China não poderiam e não podem ficar fora dessa disputa, na medida em que são atualmente os principais protagonistas do questionamento da hegemonia estadunidense sobre o globo.
Rússia e China, a rigor, são os principais aliados do regime chavista, não titubearam em dar seu apoio a Nicolás Maduro e advertiram os Estados unidos que se oporão a uma “intervenção militar” que tenha por objetivo apoiar Guaidó. Moscou demonstrou forte apoio público a Maduro, que definiu como “parceiro estratégico”. O primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, falou em “pseudogolpe apoiado por líderes de vários países”.
Entre os anos de 2001 e 2011, a Venezuela se tornou um dos principais clientes mundiais da indústria russa de armamentos. Em dezembro, Moscou enviou dois bombardeiros TU-160 com capacidade nuclear ao país em uma demonstração de apoio. Embora o principal investidor no país seja a China, o governo russo aportou à Venezuela desde 2006 ao menos 17 bilhões de dólares (cerca de 64 bilhões de reais) na forma de empréstimos, linhas de crédito e investimentos.
A China mostrou seu apoio ao presidente Maduro e censurou a “intrusão” dos EUA nos “assuntos internos” da Venezuela. “A China apoia os esforços do Governo da Venezuela para manter sua soberania, independência e estabilidade”, disse, no dia 24, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying.
Diferentemente da tentativa golpista de 2002 contra o então presidente Hugo Chávez, quando os Estados Unidos nadaram de braçadas em seu apoio inconteste ao então presidente interino, o dirigente da Fedecamaras (Confederação Nacional da Indústria de lá), Pedro Carmona, agora, qualquer ameaça de intervenção militar contará imediatamente com a oposição frontal de Rússia e China.
Contradições e vacilações do chavismo
A Venezuela, apesar de ser um país semicolonial, é um dos principais produtores de petróleo do mundo e um dos maiores fornecedores do ouro negro para os EUA. Atualmente detém as maiores jazidas petrolíferas do planeta, superando inclusive a Arábia Saudita. Enquanto Arábia Saudita detém reservas com a cifra de 267 bilhões de barris de petróleo e uma participação mundial de 15,7%, a Venezuela já conta com 298,3 bilhões de barris, com uma participação mundial de 17,5%.
A baixa significativa do preço do petróleo nos últimos dez anos, que tem permanecido em torno dos 50 dólares, trouxe inúmeros problemas para a balança de importação e exportação do país e, consequentemente, para o seu orçamento nacional. É importante frisar que o país não possui soberania alimentar ou de produção de medicamentos, importando quase toda a comida e remédios que consome.
Além disso, sua indústria vem sendo sucateada pela burguesia local, que tem migrado seus investimentos em massa para a especulação com o câmbio e os petrodólares. Este é o grande pano de fundo do brutal retrocesso do Produto Interno Bruto no país de Bolívar.
Some-se ao anterior uma política econômica desastrosa do chavismo mesclada com um verdadeiro boicote econômico, ao qual o governo Bolsonaro pretende aderir, e uma absurda escalada inflacionária que leva ao desabastecimento, bem como ao crescimento de um terrível mercado negro de alimentos e remédios.
Nem Chávez era nem, muito menos, Maduro é socialista. O chavismo representa um movimento nacionalista burguês, baseado numa política econômica rentista que depende quase que exclusivamente de petrodólares. Em vinte anos à frente do Poder Executivo, o chavismo foi incapaz de desenvolver uma política de substituição de importações e criar um Estado de Bem-Estar Social, mesmo nos marcos do capitalismo. Além disso, apesar de seu discurso antiimperialista, o chavismo continua exportando praticamente metade do petróleo venezuelano para os EUA.
Mas isso não é tudo. O governo Maduro segue pagando a dívida externa, mantém um sistema bancário privado, garante a presença em território venezuelano de megacorporações imperialistas, particularmente na área petrolífera e, manteve, apesar de todas as ameaças e chantagens, até a presente crise com a tentativa do golpe parlamentar, relações diplomáticas com os Estados Unidos.
Enfim, depois de vinte anos de governo, Chávez e, agora, Maduro demonstraram-se incapazes de romper com o caráter semicolonial e extrativista do país, sequer tiveram uma política capaz de liquidar a dependência econômica com o imperialismo estadunidense e, sobretudo, evitaram dar passos significativos em direção ao socialismo.
O ovo da serpente está na cúpula das Forças Armadas
Apesar do ministro da Defesa, General Vladmir Padrino López, dar uma entrevista coletiva, no último dia 24, cercado por comandantes dos principais regimentos da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) e da maioria dos comandantes regionais da FANB jurar lealdade ao presidente Maduro, pensamos que o ovo da serpente, que pode virar definitivamente a correlação de forças institucionais em favor da Assembleia Nacional de 2015 e de Juan Guaidó está plantado na alta oficialidade da FANB.
Desde o ano passado, o governo de Donald Trump e seus principais secretários junto com a oposição golpista venezuelana vem realizando sucessivos apelos aos oficiais do alto comando da FANB. Não nos enganemos, onde há fumaça há fogo.
Dito isto, por enquanto o plano “A” do imperialismo seria apostar na ruptura da cúpula da FANB, contando que a maioria dos oficiais do alto comando bandeiem-se para o lado da Assembleia Nacional de 2015 e de Juan Guaidó. Por quê? Respondemos.
Na Venezuela, apesar do chavismo não compor um governo com parcelas da direita, como fez o PT no Brasil, sua política de incentivo à alta oficialidade para que esta se converta, além de gestora da administração direta, em proprietária privada de negócios em torno do aparato do Estado, pôde transformar esta mesma alta oficialidade no ovo da serpente do governo de Nicolás Maduro.
Cabe destacar que a promoção da alta oficialidade em gestora de inúmeros órgãos estatais e dos serviços públicos, bem como a sua conversão em proprietária privada, têm aumentado significativamente os casos de corrupção governamental que atingem a cúpula da própria FANB.
A grande questão é: o imperialismo estadunidense e a oposição golpista da Venezuela conseguirão, através da proposição de maiores vantagens econômicas à alta oficialidade da FANB, fazer com que essa rompa com Maduro e apoie Guaidó ou outro futuro autoproclamando presidente interino? Ainda que essa hipótese não seja hoje a mais provável, será preciso acompanhar passo a passo sua evolução, na medida em que ela se converte no nó górdio da permanência ou não de Maduro no poder.
Tanto o imperialismo estadunidense quanto a direita venezuelana sabem que não basta a dualidade do Poder Legislativo para derrubar Maduro. Para superar essa limitação de forças será necessário dividir e ganhar uma parte significativa da oficialidade e, consequentemente, da tropa para apoiar a queda de Maduro e a transferência do Poder Executivo à Assembleia Nacional de 2015.
Nas atuais condições político-institucionais da Venezuela, aonde o chavismo domina o Poder Executivo, o Judiciário e tem em suas mãos a Assembleia Nacional Constituinte de 2017, insistimos: a instituição chave que decidirá o futuro do governo Maduro não será nenhuma das duas Assembleias Nacionais, mas a cúpula das Forças Armadas.
A fragilidade de uma saída independente dos trabalhadores
Atualmente, a força social consciente e em movimento dos trabalhadores e do povo venezuelano não possui o vigor necessário para levar adiante um projeto de poder independente. O governo dos trabalhadores e do povo, que ascenda de uma possível queda de Maduro, deve ser reivindicado corretamente como a estratégia-programa da esquerda socialista para a Venezuela, mas, desgraçadamente, esta estratégia-programa não corresponde hoje ao plano da tática, da política imediata, da prática pensada em sua concretude.
A grande pergunta é: como conquistar um governo dos trabalhadores e do povo, sem antes reconstruir a força social e política autônoma dos próprios trabalhadores e do povo? Ora, só se reconstrói o que foi destruído ou não existe mais ou, na melhor das hipóteses, o que está ainda muito frágil. Obviamente que esta realidade do movimento de massas venezuelano é de responsabilidade do próprio chavismo, depois de vinte anos de sucessivos governos de conciliação de classes.
Parafraseando M. Casanova sobre o desfecho da guerra civil espanhola: a frente popular abriu as portas a Franco. No caso do Brasil, a frente popular abriu as portas a um golpe parlamentar contra Dilma, que foi coroado com a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro.
A mesma fórmula, com suas variantes e particularidades locais está sendo gestada na Venezuela. Aí será decisiva, como explicamos anteriormente, a divisão ou não do alto-comando da FANB, se este se manterá fiel à Maduro, à Assembleia Nacional Constituinte de 2017 e ao Tribunal Superior de Justiça (TSJ) ou se bandeará para o lado de Juan Guaidó, da Assembleia Nacional de 2015, do Grupo de Lima, da OEA e do imperialismo estadunidense. Nisso está o xis da questão.
É hora de exigir e denunciar e não de derrubar
Insistimos que, diante dessas condições objetivas e subjetivas, seria um grave erro político defender a derrubada imediata do governo Maduro, abstraindo o cerco imperialista, a localização superestrutural da oposição de direita como hegemônica na Assembleia Nacional de 2015 e a fragilidade do movimento de massas diante do embate entre as forças do governo Maduro e da oposição de direita.
Cair na tentação de defender a “imediata derrubada do governo Maduro pelas massas”, mesmo que essas sejam majoritariamente oriundas das classes médias proprietárias e assalariadas, defendam um programa reacionário, sejam dirigidas pela direita e que o resultado disso seja a ascensão de um governo golpista e pró-imperialista, seria ter para a Venezuela uma política igual ou pior a que certas organizações da esquerda socialista tiveram para o Brasil, quando, de fato, apoiaram o impeachment de Dilma e a Operação Lava Jato.
Ao contrário, não defender a derrubada imediata de Maduro, não significa estar a favor das medidas políticas e econômicas do seu governo, que são erráticas e vacilantes no enfrentamento ao imperialismo e aos monopólios privados, particularmente no que diz respeito às condições de vida, salário e trabalho do povo venezuelano, sobretudo no tocante à produção e comercialização de alimentos e remédios.
Quer queiramos ou não, quer gostemos ou não, para reconstruir a força social e política autônoma dos trabalhadores e do povo venezuelano será ainda necessário passar pelo terreno movediço de uma política de exigências e denúncias ao governo Maduro.
Um programa e uma política da esquerda socialista
O programa e a política da esquerda socialista para a Venezuela devem partir da defesa incondicional da soberania do país contra o cerco imperialista. Como nos ensinou Trotsky: numa luta entre o imperialismo europeu e o rei do Congo, estaremos do lado do rei do Congo. Ou seja, independentemente do caráter do governo Maduro, defendemos a Venezuela do cerco imperialista e ou de qualquer ataque militar patrocinado pelos EUA.
Por outro lado, devemos considerar a reeleição de Maduro legítima, no marco da democracia representativa, do voto universal, direto e secreto e exigir o reconhecimento de seu governo pela comunidade internacional, ressaltando a defesa da soberania do país, particularmente diante das ameaças do imperialismo estadunidense e dos governos de extrema-direita do Continente, como o de Bolsonaro, no Brasil, e Iván Duque, na Colômbia.
Mas, o anterior não significa defender as medidas políticas e econômicas do governo Maduro. Muito pelo contrário.
A profundidade e a gravidade da crise exigem medidas de transição socialista para a Venezuela. Não será apenas com medidas econômicas superficiais, limitadas a mudanças cambiais, financeiras ou de circulação de mercadorias, que o país conseguirá retomar o crescimento das suas forças produtivas.
Portanto, a base para qualquer política econômica séria, que se disponha a combater os monopólios privados e o cerco imperialista deve partir da estatização do sistema financeiro, do monopólio estatal do comércio exterior e do planejamento da economia.
Através da estatização do sistema financeiro, o pagamento das dívidas externa e interna aos bancos privados nacionais e estrangeiros seria suspenso, haveria um rigoroso controle de câmbio e o grosso dos recursos financeiros oriundos da venda do petróleo poderia ser canalizado para uma política de substituição de importações, com vistas a construir uma poderosa indústria nacional, inclusive uma agroindústria estatal, que garantisse a soberania alimentar e uma indústria farmacêutica, que quebrasse patentes e fabricasse remédios a baixo custo para a população.
O monopólio estatal do comércio exterior acabaria com a farra do mercado negro de importados, particularmente de alimentos e remédios, priorizando a importação pelo Estado desses gêneros de primeira necessidade até que sua produção interna seja suficiente para atender as necessidades da população. Mas, em última instância, a prioridade máxima do Estado venezuelano seria a importação de máquinas, equipamentos e tecnologia com vistas a construção de uma grande indústria e agroindústria nacionais.
O planejamento da Economia seria o coroamento desse tripé. A partir dos recursos de um sistema financeiro estatal e do monopólio do comércio exterior, o planejamento da economia deveria ser implementado de acordo com as necessidades dos trabalhadores e do povo em substituição à anarquia do mercado, que visa fundamentalmente o lucro às custas da fome e miséria da maioria da população.
Somente com base nestas três medidas socialistas transitórias seria possível garantir uma política orçamentária que priorize a produção e distribuição de alimentos e remédios, uma política salarial digna, a universalização do direito à saúde e educação públicas e gratuitas, bem como a realização de um plano de obras públicas para gerar empregos e construir moradias populares, escolas, hospitais, etc. Também, a partir do tripé acima, estariam colocadas bases seguras para a expropriação dos monopólios privados e sua transformação em propriedade social.
Reconstruir a força social e política autônoma dos trabalhadores
Com base neste programa e numa política de exigências e denúncias ao governo Maduro poderiam ser dados os primeiros passos para reconstruir a força social e política autônoma dos trabalhadores e do povo venezuelano.
Ao contrário, caso a direita golpista consiga dividir a cúpula da FANB e galgar seu apoio ou, no mínimo, sua neutralidade perante a Assembleia Nacional de 2015, não titubearemos em afirmar que a unidade da ação, inclusive militar, deve se dar com o chavismo e o governo Maduro contra qualquer tipo de golpe.
A derrota de um possível golpe na Venezuela, através da mobilização das massas, fortaleceria sobremaneira a reconstrução da força social e política autônoma dos trabalhadores e do povo venezuelano. Ao contrário, o triunfo desse golpe não seria um golpe somente contra o governo Maduro e o chavismo, mas jogaria ainda mais para trás o já frágil movimento de massas venezuelano.
Para concluir, a tática, a política imediata entendida como prática pensada em sua concretude, exige que primeiro sejam acertadas as contas com a direita golpista e pró-imperialista, no que diz respeito ao impedimento de sua ascensão ao poder por qualquer via, seja parlamentar ou a partir de uma intervenção militar. Enquanto isso, é preciso lutar também com unhas e dentes para reconstruir a força social e política autônoma dos trabalhadores e do povo venezuelano, com vistas a superar o chavismo e construir as condições de possibilidade para alcançar, o quanto antes, a estratégia-programa do governo socialista dos trabalhadores e do povo.
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