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BRASIL

Demonização da Venezuela: a ladainha incansável da extrema-direita

Não é de hoje que a extrema-direita brasileira utiliza o tema da Venezuela como espantalho em sua narrativa anti-povo e anti-soberania nacional

Henrique Canary, da redação
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Recentemente, a Venezuela voltou à tona como tema, desta vez em conexão com a visita de Nicolás Maduro ao Brasil. O presidente venezuelano está no país para participar de um encontro de chefes de Estados sul-americanos que acontece hoje (30) em Brasília. É a primeira vez desde 2015 que Maduro visita o Brasil. A última vinda ocorreu em 2015, por ocasião da posse de Dilma Rousseff. Em 2019, Jair Bolsonaro proibiu a entrada de uma série de autoridades venezuelanas no país e desde então as visitas cessaram. Para surfar a onda de apoio ao farsante Juán Guaidó e ser aceito no clubinho de Donald Trump, o ex-presidente brasileiro chegou a negar reconhecimento ao corpo diplomático venezuelano legitimamente nomeado por Nicolás Maduro e fez um vídeo ao lado de uma diplomata fake.

O fato é que Maduro está de volta ao Brasil. Para evitar especulações na imprensa, seu encontro com Lula não foi incluído na agenda do presidente brasileiro até o último minuto, mas acabou acontecendo ontem (29), no Palácio do Planalto. Ao lado de Maduro, Lula fez importantes declarações, reconhecendo a soberania venezuelana e se opondo à narrativa que busca apresentar a Venezuela de Maduro como o inferno na Terra e o próprio Maduro como um narco-governante aurocrata e sanguinário: “Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil, e nós recuperamos o direito de fazer política de relações internacionais com a seriedade que sempre fizemos, sobretudo com os países que fazem fronteira com o Brasil”, disse o presidente brasileiro.

A declaração de Lula é muito importante. Trata-se exatamente disso: do direito das nações de escolherem seus próprios governos e do direito dos governos de estabelecerem relações diplomáticas com quem bem entenderem.

A Venezuela não sofre apenas com uma campanha mundial de calúnias e demonização. Há anos o país se encontra sob terríveis sanções que solapam pouco a pouco sua economia e a possibilidade do país de reagir aos desafios. Chegou-se ao cúmulo da Inglaterra bloquear 31 toneladas de ouro venezuelano que se encontram em seus cofres porque não reconhece como legítimas as eleições de 2018. Em função desse bloqueio, a Venezuela foi impedida de comprar vacinas contra a Covid-19 durante o auge da crise provocada pelo coronavírus. Eis o tamanho da preocupação humanitária dos Estados Unidos e seus aliados.

Chegou-se ao cúmulo da Inglaterra bloquear 31 toneladas de ouro venezuelano que se encontram em seus cofres porque não reconhece como legítimas as eleições de 2018. Em função desse bloqueio, a Venezuela foi impedida de comprar vacinas contra a Covid-19 durante o auge da crise provocada pelo coronavírus.

O que está em jogo no caso da Venezuela não é a democracia. Se a preocupação do centro imperialista fosse com a democracia, a Arábia Saudita não seria uma aliada estratégica dos Estados Unidos. O que está em jogo ali é a soberania nacional. Acontece que desde a era Chavez a Venezuela resolveu implementar um poderoso programa social e para isso se utiliza amplamente de recursos oriundos de empresas estatais, sobretudo a Petróleos de Venezuela (PDVSA), uma espécie de Petrobrás venezuelana, mas que pertence totalmente ao Estado e cumpre fundamentalmente uma função social.

Na Venezuela ocorrem muitos problemas ligados aos direitos democráticos, inclusive enfrentados pela oposição de esquerda, que defende o país dos ataques imperialistas. Não é preciso nem razoável colocar a mão no fogo pelo regime venezuelano. Mas a Venezuela de Maduro não é o monstro que tentam apresentar. O apoio que Chavez sempre teve e que foi herdado por Maduro provém fundamentalmente dos programas sociais implementados, que promoveram uma importante distribuição de renda que é sentida e reconhecida pela população.

Por isso, Lula se posicionou corretamente ao denunciar o bloqueio norte-americano ao país caribenho como o principal responsável pela difícil situação vivida pelo país: “É culpa dele [de Maduro não ter dólares para arcar com suas exportações]? Não. É culpa dos EUA, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado. Sempre acho que o bloqueio é pior do que uma guerra. A guerra, normalmente, morre soldado que está em batalha. Mas o bloqueio mata criança, mata mulheres, mata pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica que está em jogo”, disse Lula ao lado de Maduro.

A oposição bolsonarista, claro, se aproveitou da visita do mandatário venezuelano para fazer seu showzinho. Uma parte dos deputados e senadores simplesmente denunciou na tribuna do Congresso e nas redes sociais a presença de Maduro no país. Mas uma outra parte resolveu ir além. O ex-ministro do Turismo e deputado Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG) resolveu acionar ninguém menos que a Embaixada Estadounidense para prender Maduro. Não se sabe bem em base a quê e com qual direito. “Enviei um ofício para a embaixada dos EUA, comunicando que Nicolás Maduro, foragido do governo americano, se encontra em território brasileiro, sendo recebido por Luiz Inácio Lula da Silva. Solicitei que o governo americano se manifeste pela prisão de Maduro pela justiça do Brasil”, escreveu em suas redes sociais. O tristemente famoso deputado Zé Trovão (PL-SC) foi pelo mesmo caminho e enviou um documento à Embaixada dos Estados Unidos com conteúdo similar.

De um modo geral, é bastante educativo que os deputados bolsonaristas tenham apelado à Embaixada dos Estados Unidos em sua luta contra a soberania do povo venezuelano. Seu ato demonstra como esses senhores consideram o Brasil uma mera colônia estadounidense e desejam o mesmo destino para toda a América Latina. A atitude desses deputados da extrema-direita é a repetição em larga escala da patética relação que Bolsonaro sempre manteve com os Estados Unidos em geral e com Trump em particular: saudação à bandeira norte-americana, declarações de amor nos corredores das cúpulas de Estado e outras humilhações. O ex-presidente brasileiro não cansou de passar ridículo em sua relação de amor com o chefe norte-americano. Agora foi a vez de seus seguidores no Congresso Nacional.

A Venezuela não é um país socialista porque o socialismo pressupõe a inexistência de uma classe burguesa nacional e o controle democrático por parte da população da economia e da política. Mas é um país independente e nessa condição deve ser defendido. É por essa simples independência que a Venezuela é odiada e demonizada pelos representantes do imperialismo mundial.

A Venezuela não é um país socialista porque o socialismo pressupõe a inexistência de uma classe burguesa nacional e o controle democrático por parte da população da economia e da política. Mas é um país independente e nessa condição deve ser defendido. É por essa simples independência que a Venezuela é odiada e demonizada pelos representantes do imperialismo mundial.

Por isso, é preciso colocar fim ao bloqueio econômico, liberar todos os fundos venezuelanos retidos em bancos internacionais e normalizar a relação com o país. Gostemos ou não, Nicolás Maduro é o presidente eleito e tem o direito de ser recebido em qualquer país do mundo. Basta de sanções extraterritoriais que significam na prática a expansão do poder de um país para muito além de suas fronteiras! O povo venezuelano não merece sofrer com medidas decididas por meia dúzia de funcionários de Washington.

A integração latino-americana não é a solução para os males provocados pelo capitalismo, mas é progressiva. Nossos povos já viveram muito tempo divididos e de costas uns para os outros. O Brasil, como maior economia do subcontinente, tem sua responsabilidade e portanto um papel a cumprir.

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