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MUNDO

Mulher que aparece em vídeo com Bolsonaro não é embaixadora da Venezuela

Vídeo com embaixadora fake é suprassumo de como ele encara as relações internacionais

Henrique Canary
Reprodução/Redes sociais

O episódio em torno das meninas venezuelanas de Brasília até agora não acabou de maneira satisfatória para Bolsonaro. Depois que a internet explodiu com acusações de pedofilia contra o atual presidente porque ele disse que “pintou um clima” com meninas “bonitinhas” de “14-15 anos”, toda sua campanha se mobilizou para conter o estrago. Além de uma ação no STF, acatada pelo ministro Alexandre de Moraes, a equipe de Bolsonaro foi atrás das próprias meninas para tentar convencê-las a gravar um vídeo de esclarecimento em benefício do presidente. No entanto, as coisas não saíram como planejado e até agora as famílias das garotas se recusaram a aparecer na campanha de Bolsonaro. Assim, Bolsonaro foi obrigado a recorrer às armas que tinha: gravou um vídeo tosco ao lado de Michele Bolsonaro e da embaixadora fake da Venezuela, María Teresa Belandria, onde pede desculpas por um eventual mal-entendido envolvendo sua fala.

Deixemos por enquanto de lado o fato de que a entrevista que gerou o escândalo não foi a primeira ocasião em que Bolsonaro afirmou que refugiadas venezuelas menores de idade se prostituem “para ganhar a vida”. Em setembro deste ano, em entrevista ao podcast Collab, Bolsonaro já havia feito a mesma declaração, de maneira ainda mais explícita.

Todo esse episódio está repleto do grotesco: o suposto “clima” entre um homem de 67 anos e meninas de 14-15 anos, a insinuação de prostituição, a reprodução do mito de que a Venezuela é um país famélico onde as pessoas comem gatos e cachorros para sobreviver e muitos outros. Mas nos detenhamos em um deles: a figura macabra da embaixadora fake venezuelana María Teresa Belandria ao lado de Bolsonaro no famigerado vídeo.

Maria Teresa Belandria não é embaixadora da Venezuela coisa nenhuma. Ela foi “nomeada” para o cargo de embaixadora da Venezuela no Brasil pelo patético autoproclamado presidente interino da Venezuela Juan Guaidó, um farsante e usurpador que poucos líderes mundiais ainda levam a sério (Bolsonaro sendo um deles).

Para quem não lembra, o governo Bolsonaro rompeu relações com o verdadeiro governo da Venezuela no dia 16 de abril de 2020, no auge da pandemia, quando fechou a embaixada brasileira em Caracas e convocou os diplomatas que trabalhavam no local de volta ao Brasil. Mais tarde, no dia 28 de abril de 2020, o Itamaraty expulsou 34 diplomatas venezuelanos do país, o que consolidou a ruptura de fato. As credenciais da autoproclamada embaixadora venezuelana haviam sido aceitas por Bolsonaro ainda antes desse episódio, em
junho de 2019, numa evidente violação do direito internacional.

Todo esse episódio, além de muitas outras coisas, demonstra como o governo Bolsonaro encara as relações internacionais. Bolsonaro ataca a Venezuela, Nicarágua e Cuba e acusa Lula de pretender instaurar no Brasil uma ditadura porque o petista defende o estabelecimento de relações amigáveis com esses países. Mas Bolsonaro não fala de suas relações com Mohammad bin Salman, princípe da Arábia Saudita, país que prende e assassina cristãos e estabelece o sistema de “tutela” sobre as mulheres. Bolsonaro chama Viktor Orbán, ditador da Hungria e perseguidor de imigrantes e da população LGBTQIA+, de “irmão” e segue até hoje defendendo Donald Trump, que tentou dar um golpe nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021, quando ficou clara sua derrota para o democrata Joe Biden.

Desde que assumiu o poder, Bolsonaro tem transformado o Brasil, cada vez mais, em um pária internacional: ataca incessantemente os países latinoamericanos que elegeram presidentes de esquerda, aplica uma agenda climática e ecológica que envergonha o Brasil e o afasta de todos os parceiros importantes, sobretudo na Europa, ataca de maneira xenófoba e preconceituosa a China e os chineses, questiona publicamente as eleições norte-americanas, reúne embaixadores estrangeiros para atacar o sistema eleitoral brasileiro, faz comício no enterro da rainha Elizabeth II, xinga a esposa do presidente francês Emmanuel Macron. O resultado é óbvio.

Como disse Lula a Bolsonaro no debate da Band: “Nenhum país te convida para ir lá e ninguém quer vir aqui”. É claro que as relações internacionais entre países capitalistas são frequentemente marcadas pela hipocrisia e nem sempre atendem os interesses dos povos. Nós, socialistas, defendemos outro tipo de relações internacionais, que sejam marcadas pela verdadeira solidariedade e cooperação internacional. Dito isso, é necessário reconhecer que, historicamente, a política externa brasileira, apesar das flutuações características de cada governo, sempre foi marcada por uma posição fundamentalmente ativa, de diálogo e independência internacional. Foi isso que colocou o Brasil numa localização de prestígio e importância em uma série de órgãos internacionais como a ONU, o G7, o G20 e os BRICS. A política de Bolsonaro tem sido a de destruir esse patrimônio comum, transformando o Brasil em cachorro louco da extrema-direita internacional e vanguarda mundial do atraso.

Fica cada vez mais evidente que a permanência de Bolsonaro no cargo significaria o aprofundamento do isolamento internacional do Brasil, com um retrocesso em política externa que levaria anos, talvez décadas, para recuperar.