A partida entre Marrocos e Irã estava prestes a começar. Ouço os seguintes comentários dos colegas de trabalho: “ali os caras vão jogar chutando uma bomba”, “vão explodir o jogo” (…). No horário do almoço, ouço o garçom do restaurante responder sobre quem estava jogando: “são uns países vizinhos um do outro lá das Arábia (sic)”.
Comentários dessa natureza sempre me entristecem, seja por demonstrar enorme desconhecimento a respeito de diferentes povos e suas culturas, seja porque também mostram uma enorme incapacidade de pensarmos a respeito de nossa própria realidade.
Generalizações desse tipo sobre os povos árabes ignoram que no Marrocos e no Irã existem homens e mulheres, meninas e meninos, que são apaixonados por futebol tanto quanto nós. Alguns deles estão realizando um sonho hoje ao jogar a Copa do Mundo. Sequer somos capazes de lembrar que aqui em terras tupiniquim temos o nosso próprio fundamentalismo para lidar…
Falando mais do confronto destes países que não são nada vizinhos, é curioso observar que o Marrocos, bem mais distante da Arábia, assimilou muito mais do que o Irã a cultura e religiosidade arábes. A conquista islâmica no Magreb se consolidou com o tempo e os diferentes califados desenvolveram as principais cidades do país (Fez, Marrakesh e Rabat, por exemplo). A Pérsia (antes do Irã) sempre foi palco de invasões e tentativas de hegemonia por arábes, mongóis e otomanos. Mesmo mais próximo da Arábia, a cultura persa persiste e resiste no Irã. Curiosamente, Marrocos é a seleção com maior número de jogadores estrangeiros.
Nas arquibancadas se fez presente a campanha #NoBan4Women em apoio ao direito das mulheres iranianas de poderem assistir jogos nos estádios. Em março passado, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, assistia uma partida em solo iraniano (Esthegal x Persépolis) em que duas mulheres foram detidas tentando assistir das arquibancadas o mesmo jogo. Garantiu que essa situação mudaria, porém desde 1979 as mulheres são proibidas de frequentar estádios. A FIFA bradou algumas vezes, mas sem ser capaz de apoiar ações efetivas para garantir esse direito às iranianas. Continua preocupada somente com seu balcão de negócios.
Sobre o jogo em si, Marrocos foi melhor durante a maior parte do jogo com mais ações ofensivas. No primeiro tempo, porém, o iraniano Azmoun (versão persa de Messi) teve uma chance clara num contra ataque e desperdiçou. No segundo tempo, o jogo caiu na (pouca) técnica e os confrontos se deram fisicamente com um show de pancadas. Nos acréscimos, uma falta lateral na esquerda do ataque iraniano. Algo me chama a atenção: Azmoun pega a bola e a beija. Trata-a pequena com carinho após tantas porradas. Espero e… GOL do Irã! O atacante marroquino Bouhaddouz entrou para marcar o gol contra mais próximo de um final de jogo da história das Copas.
Fim de jogo e um acerto no bolão!
Leia a crônica da partida Marrocos 0 x 1 Irã
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