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MUNDO

Nakba: 70 anos depois, a bandeira da Palestina Livre tremula em Gaza

Editorial de 15 de maio de 2018

Neste dia 15 de maio, recordamos os 70 anos da Nakba, em meio aos ataques de Israel à Marcha do Retorno, que no dia anterior mobilizou cerca de 50 mil palestinos em Gaza e teve 60 mortos e 2.400 feridos. Nabka em árabe significa “catástrofe”, em referência à expulsão de cerca de 80% da população palestina do país, com a criação de Israel. Centenas de milhares de palestinos transformados em refugiados, que, com seus descendentes, somam cinco milhões de pessoas, a maioria vivendo em precários campos em países vizinhos, a poucos quilômetros de suas terras.

Israel domina desde 1967 todo o território do que foi a Palestina Histórica e submete seus habitantes a graus variados de opressão.

É um regime de apartheid legalizado. Os palestinos que são cidadãos israelenses possuem direitos civis limitados, mas não direitos nacionais, e são discriminados duramente na distribuição de verbas, na moradia, saúde e educação. Além de estarem sob suspeita permanente de serem leais a seus irmãos que não são cidadãos.

Os 300 mil palestinos de Jerusalém Oriental, anexada por Israel após a guerra de 1967, possuem residência permanente no país, mas não são cidadãos e podem perder esse status a qualquer momento e sofrem cada vez mais um processo de “israelização” ou “judaização” (assim chamado pelos próprios israelenses) patrocinado pelo governo.

Os palestinos da Cisjordânia são submetidos à presença cada vez mais agressiva de centenas de milhares de colonos judeus, que recebem subsídios do Estado, proteção militar e são regidos pelas leis de Israel, ao passo que para os palestinos vale a legislação da ocupação, herdada do Mandato Britânico.

Já os habitantes de Gaza ocupam o patamar mais baixo na intrincada hierarquia de opressão organizada pelo estado de Israel. Gaza era uma pequena cidade de 80 mil habitantes em 1948 e tornou-se um dos lugares com maior densidade populacional do planeta com a chegada de 250 mil refugiados em 1948, até chegar aos dois milhões hoje. O Egito, em particular a partir dos anos 1980, participa ativamente no controle da população da Faixa.

Seus habitantes nunca se resignaram e sempre procuraram retornar a suas terras. Muito antes do surgimento do Hamas – movimento nacionalista islâmico – já sofriam as “expedições punitivas” do exército de Israel que resultaram em incontáveis mortes. A ocupação de 1967 piorou muito sua vida. Como era impossível colonizar a Faixa, a alternativa foi a de sufocá-lacada vez. Em 1988, a primeira grande rebelião contra a ocupação, conhecida como Intifada, começou justamente em Jabaliah, o maior campo de refugiados de Gaza e se expandiu para toda a Palestina ocupada.

A Primeira Intifada só foi encerrada com os Acordos de Oslo, em 1993, nos quais Israel prometeu atender às demandas palestinas, mas nunca cumpriu. Somente ganhou tempo para retomar o controle absoluto da região, mesmo aceitando a existência de um autogoverno que alguns como Edward Said – intelectual e ativista palestino (1935-2003) – chamavam de governo de colaboração com a ocupação, o que se mostrou tragicamente correto.

Os sionistas aproveitaram a ilusão de Oslo para acelerar drasticamente a colonização e esmagar militarmente as tentativas de resistência palestina. Em 2005, Israel realiza um simulacro de “desocupação” de Gaza, retirando os poucos colonos judeus e impondo um bloqueio quase absoluto por meio do controle da “fronteira” que construiu para impedir a livre movimentação dos seus habitantes. Contou para isso com a colaboração dos diversos governos egípcios das últimas décadas.

Em 2006, em eleições livres, os palestinos deram a maioria relativa em seu parlamento para o Hamas. É bom recordar que nos anos 1980, o Hamas foi estimulado por Israel a fazer oposição à OLP (Organização de Libertação da Palestina) de Yasser Arafat, à época mais radical. Em 2007, com apoio dos israelenses, o Fatah, principal organização da OLP, tenta depor o governo e o Hamas reage e mantém o controle de Gaza, ficando a Cisjordânia com Mahmoud Abbas, do Fatah. Isso selou a divisão ainda maior entre os palestinos e o isolamento de Gaza.

A tentativa de romper o bloqueio por parte dos habitantes de Gaza, de qualquer forma que fosse, sempre encontrou uma agressividade israelense, cada vez mais brutal. A partir de 2008, Israel efetuou três ataques militares a Gaza, incluindo bombardeios aéreos e com tanques. O último dos quais, em 2014, deixou milhares de mortos. Há um mês, o ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman, declarou que “não há gente inocente” em Gaza.

Trump: um novo momento, uma nova ofensiva
A ascensão de Donald Trump fez com que Israel se animasse a aumentar o cerco sobre a população de Gaza. Seu objetivo é tornar a vida tão miserável que uma parte importante da população aceite a “transferência” para qualquer lugar, inclusive o mais óbvio, o deserto do Sinai. Mas não contava que surgisse um movimento das organizações sociais e políticas palestinas que planejou a “Marcha do Retorno”, uma série de manifestações de massas, sem o uso de armas, que tentaria por várias semanas, se aproximar da “fronteira” de Gaza.

Jerusalém e Tel-Aviv fazem festa. Gaza sangra.
A atitude de Israel foi brutal: desde o primeiro dia de manifestações, posicionou seus atiradores de elite para assassinar a sangue frio os que se atreviam a desafiar o domínio colonial. O total de mortos já chegou a mais de 100, os feridos se contam aos milhares.
Em um contraste de um simbolismo macabro, a poucas dezenas de quilômetros da Gaza, em Jerusalém havia uma festa de Gala na inauguração da embaixada americana. Como em todo o passado colonial. Enquanto se divertiam, riam, comiam, bebiam e tramavam maldades contra os povos da região, seus soldados assassinavam o povo rebelde de Gaza. E em Tel Aviv, milhares festejavam nas ruas a vitória inédita de uma cantora israelense no Festival Eurovisão. Vida normal.

Nenhuma emoção com os dois milhões aprisionados, massacrados, desesperados, esfomeados, sem emprego, sem saúde (nem para tratar seus feridos) – mas não rendidos.

Alguns, inclusive no Brasil, atribuem as manifestações do Dia do Regresso a uma possível manipulação do Hamas. A disposição das pessoas para a Marcha do Regresso só se explica por motivos sociais profundos. Nada explica a quantidade de pessoas dispostas a encarar a morte, tendo diante de si um exército assassino, em uma ação friamente calculada e preparada por seu regime e seu estado.

Impedir o massacre em Gaza. Palestina Livre!
Esse massacre precisa ser parado imediatamente. Qualquer que seja a opinião sobre a solução definitiva para a Palestina e Israel, não há desculpa para a omissão. Nenhuma organização dos trabalhadores, do movimento popular e democrático pode se omitir. É preciso realizar atos e manifestações em apoio ao povo palestino, e fortalecer os que já estão marcados no dia de hoje, a exemplo da grande manifestação que ocorreu ontem em Istambul.

Devemos exigir o posicionamento dos países, como o da África do Sul, que retirou seu embaixador de Israel, e vários outros governos, que condenaram a repressão de Israel. Precisamos exigir do governo ilegítimo brasileiro que adote uma medida imediata e rompa relações diplomáticas com Israel, suspendendo ainda os acordos comerciais, em especial, a compra de armamentos, tecnologia e treinamento militar. O Brasil é hoje um dos maiores compradores de Israel, inclusive de blindados, que são utilizados nas comunidades do Rio de Janeiro e nas periferias das grandes cidades, para reprimir a população negra e pobre, que vive em um regime de apartheid social, agravado com a ocupação militar.

Não há um minuto a perder. O massacre mostrou para todos a real natureza do estado de Israel, baseado na colonização e opressão contra outro povo e que promove uma política de extermínio.

Que os que caíram lutando pelos seus direitos iluminem as lutas dos que sobreviveram na Palestina e no mundo. Pelo fim imediato ao massacre e fim incondicional do bloqueio a Gaza. Hoje, tanto quanto a 70 anos atrás, ainda tremula bem alto junto aos palestinos na “Marcha do Retorno” a bandeira da Palestina Livre. Essa é também a nossa bandeira.

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