Por que o Hezbollah ainda está de pé, apesar de Israel ter assassinado Hassan Nasrallah?
Não há dúvida de que o assassinato de Hassan Nasrallah por Israel enfraqueceu o Hezbollah. Joseph Daher explica por que este não é o fim para ele.
Publicado em: 10 de outubro de 2024
A sangrenta escalada de violência de Israel contra o Líbano nas últimas semanas desferiu um grande golpe ao Hezbollah, especialmente após o assassinato de Hassan Nasrallah. Isso começou com a explosão de dispositivos de comunicação usados por membros do Hezbollah, incluindo civis e soldados, que mataram 39 pessoas e feriram vários milhares. O ataque foi seguido por uma catastrófica campanha de bombardeio que levou ao assassinato de altas personalidades militares e políticas do partido, bem como à morte de quase dois mil civis e ao deslocamento de mais de um milhão de pessoas.
Culto à personalidade
Nas últimas décadas, um culto à personalidade se desenvolveu na propaganda do partido em torno de Hassan Nasrallah. Isso se refletiu notavelmente no rescaldo da guerra de Israel contra o Líbano em 2006, quando seu slogan inicial “Al-Nasr al-îlâhi” foi alterado para “Nasr (un) min Allah” que tinham a mesma significação (Uma Vitória de Deus), mas era uma instrumentalização do nome de Hassan Nasrallah. Isso fazia parte do culto da imagem do líder nas campanhas midiáticas do Partido.
Enquanto o Hezbollah gozava de popularidade significativa entre outras seitas religiosas libanesas e até mesmo em todo o Oriente Médio e Norte da África, a popularidade de Nasrallah fora da base do partido havia diminuído consideravelmente após a guerra de 2006. Havia uma série de razões para isso, incluindo o [fato de] Hezbollah usar suas capacidades militares contra outros atores nacionais. Por exemplo, em 2008, o partido invadiu bairros específicos no oeste de Beirute e confrontos militares ocorreram em outras regiões, principalmente no Chouf, depois que o governo libanês anunciou que queria desmantelar a rede de comunicações do partido.
Além disso, o Partido mais tarde participou da repressão sangrenta do levante sírio ao lado do regime despótico sírio, que também criou tensões sectárias no Líbano.
O Hezbollah também está entre os partidos considerados responsáveis pela crise econômica e financeira de 2019, pois fez parte de todos os governos de unidade nacional desde 2005. Nasrallah se opôs veementemente ao movimento de protesto naquele ano e chegou a acusar aqueles que saíam às ruas de serem financiados por embaixadas estrangeiras. Membros do Hezbollah foram enviados para atacar os manifestantes.
Nos últimos anos, membros do Hezbollah estiveram envolvidos em várias tensões sectárias com membros de outras seitas religiosas e foram acusados de ser um dos principais atores que obstruíram a investigação sobre as explosões no porto de Beirute em agosto de 2020.
Por todas essas razões, o Hezbollah tem ficado cada vez mais isolado política e socialmente fora de sua base popular xiita. Em vez de ser visto como uma figura da resistência nacional, Nasrallah também era cada vez mais visto como um “Chefe” sectário que defende os interesses políticos de seu próprio partido e os de regimes autoritários, como a Síria e o Irã.
É esse isolamento que contribuiu para que o partido quisesse evitar uma guerra total com Israel após o 7 de outubro. Ao adotar uma ação calculada e moderada contra alvos militares israelenses, o Hezbollah tentou evitar que o conflito fosse explorado por inimigos políticos internos no Líbano, pois isso tornaria o partido o principal responsável por todos os infortúnios do país. No entanto, a atual guerra de Israel contra o Líbano, com o apoio dos EUA, minou severamente esse plano.
E agora?
Nesse contexto, os funcionários do Hezbollah estão tentando demonstrar que o partido continua no caminho do ex-secretário-geral do partido após seu assassinato e o de vários altos quadros militares e políticos. O líder interino, Naim Qassem, enfatizou isso aos apoiadores e membros em seu discurso, quando ele declarou: “Continuamos o caminho de Hassan Nasrallah”.
Para o Hezbollah, as prioridades agora são, em primeiro lugar, proteger suas estruturas internas e cadeia de comandos, inclusive preenchendo o vazio no topo do partido em relação às várias responsabilidades políticas e militares e elegendo um novo secretário-geral.
Em segundo lugar, o Partido procura manter seus objetivos em relação à guerra com Israel: não separar as frentes de Gaza e do Líbano até um cessar-fogo na Faixa de Gaza, e manter e proteger suas infraestruturas e capacidades militares, incluindo mísseis e foguetes de longo alcance, dos ataques e ofensivas terrestres de Israel.
É importante notar que, apesar dos golpes consideráveis, o Partido ainda continua sendo o ator político mais importante no Líbano. Também mantém uma influência que ultrapassa suas fronteiras nacionais, particularmente na Síria, representando também os interesses políticos regionais de Teerã.
De fato, as capacidades militares do Hezbollah permanecem como seus principais ativos, apesar da infiltração israelense, do enfraquecimento das comunicações internas e de um grande número de seus comandantes militares experientes terem sido assassinados. Notavelmente, possui um vasto arsenal de foguetes e mísseis. Pela primeira vez desde 7 de outubro, o Partido usou recentemente vários mísseis Fadi (mísseis de médio alcance) para atacar instalações militares nos arredores das cidades de Haifa e Tel Aviv. Além disso, durante as tentativas iniciais do exército israelense de se infiltrar nos territórios libaneses, os soldados do Hezbollah destruíram seus tanques Merkava, ferindo e matando alguns de seus soldados.
Paralelamente ao seu movimento armado, o partido possui uma grande rede de instituições que prestam serviços-chave e essenciais, embora isso tenha sido parcialmente prejudicado pela guerra e, consequentemente, pelas necessidades cada vez maiores da população. Nesse contexto, a base popular do Hezbollah provavelmente permanecerá – especialmente na ausência de uma alternativa política inclusiva e em meio a uma crise econômica contínua com um Estado que não funciona.
No nível regional, o Hezbollah ainda se beneficia do apoio do Irã, mesmo que a força disso tenha sido minada entre setores do partido após os recentes assassinatos e a destruição feitos por Israel. De fato, os objetivos estratégicos de Teerã, particularmente desde 7 de outubro, têm sido o de melhorar sua posição geopolítica regional para fortalecer seu futuro poder de negociação com os EUA em questões e sanções nucleares. [Os governantes iranianos] também veem isso como uma forma de garantir interesses políticos e de segurança, evitando um conflito regional direto com Israel e os EUA.
A mais recente retaliação do Irã contra Israel, que não resultou em danos significativos, deve ser vista nesse contexto. É claro que, com isso, eles também tentaram reafirmar uma forma de dissuasão, embora tenha sido desigual em comparação com a superioridade das capacidades militares israelenses e o apoio fornecido por Washington. Além disso, isso não impedirá a guerra de Israel contra o Líbano.
É justo dizer que o Hezbollah está na situação mais perigosa desde a sua fundação, que provavelmente não melhorará em breve, dados os contínuos ataques de Israel e o isolamento do partido no Líbano.
Embora os principais pontos fortes do movimento tenham sido os de construir uma organização forte e disciplinada, e não um “show de um só homem” – apesar do apoio ao estilo de um culto a Nasrallah, a capacidade do partido de ampliar sua base é muito restrita por sua estratégia e orientação política. O Hezbollah não se envolveu na construção de um projeto contra-hegemônico que desafiasse o sistema sectário e neoliberal libanês. Na verdade, ele o apoiou ativamente, tornando-se um de seus principais defensores.
Além disso, o partido tem atuado como o principal elo da influência e dos interesses iranianos na região, particularmente após a erupção de revoltas na Síria e em todo o Oriente Médio e Norte da África desde 2011, que também promove uma ordem autoritária neoliberal que se opõe à emancipação e libertação das classes populares.
Em outras palavras, o Hezbollah, como outros atores políticos regionais envolvidos na resistência contra Israel, é incapaz de construir um grande movimento que ligue questões democráticas e sociais, opondo-se a todas as forças imperialistas e subimperialistas, enquanto promove a transformação social a partir da base através da construção de movimentos nos quais as classes populares sejam os verdadeiros atores de sua emancipação.
Joseph Daher leciona na Universidade de Lausanne, na Suíça, e na Universidade de Ghent, na Bélgica. Ele é o autor de Síria após os levantes, A Economia Política da Resiliência do Estado; Hezbollah: a economia política do Partido de Deus do Líbano; Marxismo e Palestina.
Siga-o no Twitter: @JosephDaher19
Texto original em The New Arab.
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