No último dia 30/10, um evento acadêmico organizado pelo departamento de Ciências Sociais da UFC, cujo título era “Entre a barbárie e o messianismo: perspectivas para o dia seguinte na atual crise do conflito [sic] palestino-israelense”, foi implodido diante de uma intervenção política protagonizada por um grupo de ativistas pró-palestina. Não é a primeira atividade de boicote contra Israel, no âmbito da Universidade. No começo do ano, um amplo movimento de pressão por parte dos estudantes, conseguiu suspender uma parceria da UFC com a Ben-Gurion University (BGU), de Israel.
Contudo, diferentemente do movimento ocorrido no começo do ano, a recente implosão da mesa com os dois notórios sionistas gerou certa insatisfação entre parte dos estudantes da universidade. É compreensível e legítimo que muitos estudantes não estejam de acordo com a abordagem dos ativistas nessa atividade, diante de muitas pessoas que compareceram naquele auditório. Nesse momento, é fundamental o diálogo com o máximo de estudantes sobre a importância da causa palestina, como um freio ao belicismo israelense que ameça conduzir o mundo a um conflito generalizado.
Contudo, não pode haver dúvidas quando à necessidade de firmes medidas de combate ao sionismo e de boicote acadêmico contra o estado de Israel e contra seus porta-vozes.
Um dos palestrantes presentes na atividade em questão é ligado ao grupo Stand With Us, notório lobby sionista e de extrema-direita que, nas universidades dos Estados Unidos, constrange, persegue e promove assédio judicial contra estudantes solidários ao povo palestino, além de atuar para criminalizar a solidariedade com a palestina e implodir reuniões estudantis pró-palestina, em uma atuação típica de grupos reacionários como MBL, por exemplo. No Brasil, esse grupo ganhou espaço nas redes e na grande imprensa, através de seu presidente, que chegou a condenar a declaração do presidente Lula, acertadamente crítica ao genocídio e corretamente solidária ao povo palestino. O outro palestrante, um professor da UFRJ, até pouco tempo era vinculado ao Instituto Brasil-Israel, já tendo emitido declarações em suas redes sociais (imagem ao lado) de que, se estivesse no lugar de Netanyahu teria feito “a mesma coisa”, ou seja, promover limpeza étnica e genocídio contra crianças, mulheres grávidas e anciãos.
Segundo o coordenador do Programa, Prof. Gentile, tratava-se, naquela atividade de um debate “cientifico”. Contudo, esse argumento é equívocado e perigoso, afinal não se trata cientificamente do racismo. Ou seja, é perigoso “dar voz” ao racismo. Por exemplo, é cabível que programas de pós-graduação convidem nazistas para defender que a Alemanha tenha direito de anexar a Áustria, os sudetos ou ivadir a Polônia? A algum professor da UFC seria cabível convidar um defensor do apartheid sul-africano para uma conferência sobre os “conflitos” entre branco e negros, naquele país? Pensar nessa hipótese é algo absurdo. Assim, não deveria também ser absurdo convidar notáveis defensores de um estado supremacista, vinculados a aparelhos ideológicos de hegemonia, no caso o SWU e o IBI?
É inaceitável que, a pretexto da ideia enganosa de dar voz aos “dois lados”, a Universidade Federal do Ceará seja usada como palco para figuras vinculadas a essa corrente racista, colonialista e promotora do apartheid, diversas vezes denunciada na ONU, mundialmente execrada em razão de crimes contra a humanidade e inclusive rechaçada pela África do Sul, país cujo povo também viveu o horror do apartheid no passado.
Não vem ao caso se os palestrantes em questão são vinculados a este ou aquele segmento interno do sionismo. Vem menos ainda ao caso se são ou não a favor, deste ou daquele governo israelense de turno. Assim, como nas universidades dos EUA, sionistas ligados a ongs e think tanks vêm atuando para cooptar pessoas, com o objetivo de legitimar Israel e relativizar sua sanha sanguinária contra os palestinos e demais povos da região, como os libaneses, iranianos, etc. Esse é o risco de ceder espaço e legitimar o sionismo, mesmo que apresente-se em uma versão light, moderada, “paz e amor”, “do bem”, etc.
Ao mesmo tempo que sionistas reclamam por democracia para si dentro das universidades públicas, esses mesmos sionistas buscam encobrir ou relativizar as ações do estado de Israel em Gaza, particularmente aquilo que a professora palestina Karma Nabulsi chama, desde de 2009, de escolasticídio, ou seja, a barbárie educacional que Israel promoveu e vem promovendo em Gaza: destruição das 11 universidades que lá funcionam; destruição de inúmeras bibliotecas; detruição de mais de 80% das escolas de Gaza; matança de mais de 100 professores universitários só no último ano (incluindo o proeminente poeta e professor de Literartura árabe da Universidade Islâmica de Gaza, Refaat Alareer), segundo dados do UNICEF.
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Antes que alguém evoque o surrado espantalho dos “túneis do Hamas” que supostamente passam em baixo de escolas e universidades, para justificar esse injustificável crime, fazemos questão de lembrar que, há 10 anos, ou seja, em 2014, no contexto da macabra “operação Margem protetora”, Israel bombardeou Gaza por 7 semanas seguidas, detruíndo jardins de infância, escolas primárias e secundárias, além de instalações de ensino administradas pela ONU e diversos centros de educação superior. Ao menos 2.251 palestinos foram mortos, sendo 500 crianças. Diga-se de passagem que, em 2014 não havia nenhum israelense retido pelo Hamas em Gaza, pretexto atualmente usado por Israel para massacrar mais de 40 000 palestinos.
No Brasil, o sionismo goza de evidente simpatia da extrema-direita, particularmente do bolsonarismo, tendência política que é inimiga declarada da universidade pública e das liberdades democráticas. Extrema-direita e sionismo são irmãos siameses. Não por acaso a farta presença de bandeiras israeleneses nas marchas golpistas promovidas por Bolsonaro e seus aliados.
Aliás. Nesse momento, é possível que as entidades em questão já estejam articulando algum tipo de resposta à implosão da atividade do último dia 30, através de assédio judicial, etc. Nesse sentido, não pode haver dúvida quanto à necessidade de impedir que isso concretize e tenha êxito. Permitir que isso ocorra, significa permitir que o sionismo ganhe ainda mais espaço dentro da universidade.
É fundamental fazer de cada universidade brasileira um espaço livre do sionismo, unindo a voz dos estudantes, TAEs e professores aos que em todo o mundo gritam pelo imediato cessar-fogo, pelo fim do apartheid, pela condenação dos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos por Israel, contra o sionismo e pela Palestina livre, laica e multiétnica.
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