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MUNDO

Venezuela sob o perigo da extrema direita

Por David Cavalcante, da Redação
Instagram/Edmundo González

Edmundo González, candidato dos empresários e da extrema-direita venezuela, ao centro

No próximo domingo, 28, haverá eleições presidenciais no país vizinho. O mandato do Presidente é de 6 anos e cerca de 21,4 milhões de eleitores estão aptos a votar. São 10 candidatos que disputarão o voto popular de apenas um turno. Na legislação do país não existem limites para reeleição.

O atual Presidente, Nicolás Maduro, foi eleito em 2013 e reeleito em 2018, e atualmente busca um terceiro mandato pelo PSUV, Partido Socialista Unido da Venezuela, num contexto de agravamento de uma forte crise econômica e social e acirramento da disputa política contra uma extrema-direita radical, apoiada pelos Estados Unidos, principalmente de setores de extrema direita do Partido Republicano.

O principal candidato da oposição de direita é Edmundo González Urrutia, mas, na verdade, a sua alavanca eleitoral é Maria Corina Machado, uma pré-candidata alinhada de joelhos aos interesses norte-americanos, vinculada aos grupos capitalistas do país como o Grupo Polar, que venceu as prévias internas da oposição de direita, mas que foi impugnada por ter tido irregularidades em prestação de contas do seu mandato parlamentar.

Enquanto Presidente dos EUA, Donaldo Trump (janeiro de 2017 a janeiro de 2021), através do seu Secretário de Estado Mike Pompeo (ex-Diretor da CIA) e membro do movimento de extrema-direita estadunidense, conhecido como Tea Party, o imperialismo norte-americano, com respaldo da direita colombiana e da OEA e de parte dos governos europeus, patrocinou toda sorte de tentativas de golpes contra o governo de Maduro, apoiando e financiando a oposição interna de extrema-direita no país com suporte até de grupos paramilitares.

A oposição de direita venezuelana tem um longo histórico de ações violentas e golpistas

A oposição de direita venezuelana tem um longo histórico de ações violentas e golpistas, desde que o Coronel Hugo Chávez, dirigente de uma ala nacionalista de esquerda de segmentos da média oficialidade das forças armadas, foi eleito em 1998 pelo então Movimento V República, o MVR.

Esta semana, a grande mídia empresarial pró-estadunidense, muito agitou a frase “banho de sangue”, com referência a uma fala de Maduro que alertou que se a oposição ganhasse o país poderia entrar numa guerra civil.

Na verdade, na Venezuela já houve um banho de sangue em 27 de fevereiro de 1989, há 35 anos, quando governava Carlos Andrés Perez, perpetrado por aqueles partidos e seguimentos empresariais que depois constituíram a oposição antichavista.

Foi um massacre contra populares a resposta que aquele governo ofereceu a um levante de massas que enfrentou nas ruas um pacote econômico determinado pelo FMI seguindo à risca os planos neoliberais do “Consenso de Washington”. A rebelião popular ficou conhecida como Caracazo cujo saldo foi um banho de sangue contra uma população trabalhadora pobre e desarmada: mais de 300 mortos, 3000 desaparecidas e milhares de feridos.

A oposição de direita venezuelana já patrocinou diferentes ações com o objetivo de defender seus interesses econômicos, desestabilizar as instituições do país e acirrar confrontos violentos como o golpe de Estado e sequestro de Chávez, lockout da produção petroleira, atentados violentos contra a infraestrutura do país, quarteladas visando divisão das forças armadas, linchamentos contra militantes chavistas (guarimbas) e tentativas de assassinato do atual Presidente com grupos mercenários. E quase invasão do território venezuelano apoiado pelo então Presidente da Colômbia, o direitista Ivan Duque.

Todas essas tentativas golpistas cujo ápice foi a patética autoproclamação como Presidente interino do marionete de Trump, Juan Guaidó – ocorrida no meio da rua – foram derrotadas porque até um determinado período houve conquistas sociais importantes na Venezuela.

A chamada revolução bolivariana teve apoio real na mobilização popular e dos trabalhadores em derrotar a direita golpista e o imperialismo, mesmo havendo críticas aos governos de Chávez e principalmente ao governo Maduro.

Bloqueio econômico e os erros do governo Maduro

Sabe-se que o país vive uma forte crise econômica e social. Mas qualquer análise eleitoral minimamente séria deve levar em consideração as macrodeterminações globais que geraram a crise econômica, a hiperinflação e a escassez de produtos no país. Para tanto é preciso se afastar do jornalismo raso da Globo e da CNN que agitam “ditadura” na Venezuela sem discutir quais os verdadeiros interesses das corporações petroleiras e mineradoras no país.

Por um lado a gravidade de um país está submetido a um bloqueio econômico internacional, nestes tempos de economia globalizada. Destaque-se que as reservas de petróleo venezuelano representam 18% do total de reservas globais da ainda principal matriz energética do planeta. As reservas mundiais que chegam 1,65 trilhões de barris, na qual a Venezuela conta com mais 300 bilhões. Vejam gráfico abaixo:

Considerando que as reservas globais estão estimadas para uma duração de 50 anos, significa ter quase 1/5 dessas reservas no longo prazo o que torna o território do país ainda mais foco de tensões e de cobiça das petroleiras imperialistas, agora ainda mais agravado com a Guerra da Ucrânia e do aumento do conflito geopolítico entre o imperialismo americano e o chinês pela hegemonia global.

Além das reservas de gás que chegam a 5,7 trilhões de metros cúbicos, alcançando a 8ª posição global e a 2ª maior reserva de ouro com 8.900 toneladas, 6ª maior reserva de diamante com 33,8 milhões de toneladas, 2ª maior reserva de ferro, entre outros minerais localizados no Arco Mineiro cujo território é maior que Portugal. Por sua vez, os Estados Unidos consomem quase 20% dos 98 milhões de barris diários do globo. Aí está o segredo da agressividade imperialista em tentar impor um governo títere a exemplo do Milei ou do Bukele.

O bloqueio imperialista à economia da Venezuela significa o bloqueio direto às atividades da estatal petroleira PDVSA cuja renda possibilita divisas em dólar para viabilizar as importações. Somente entre 2013 e 2017, as importações do país caíram de 60 bilhões de dólares para 12 bilhões.

Ao bloqueio econômico, somou-se o bloqueio financeiro, que limita todas as negociações no comércio internacional, feitas em dólar e pelo sistema bancário e de pagamentos controlado pelos principais bancos sediados nos países imperialistas. Sem falar do assalto que foi feito às reservas de ouro do país, com o bloqueio de 31 toneladas de ouro venezuelano, equivalente a US$ 2 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões), depositados no Banco da Inglaterra.

Em 2018 e 2019, o bloqueio aumentou ainda mais as proibições. Os credores internacionais não podem renegociar a dívida emitida com datas anteriores a agosto de 2017. Qualquer cidadão ou instituição financeira estadunidense são proibidas de fazer transações com a criptomoeda Petro e realizar investimentos em ativos venezuelanos e em solo estadunidense.

O boicote econômico é a principal causa da queda das importações, da atividade produtiva no país, do aumento do desemprego e da inflação, bem como da falta de alimentos, insumos produtivos e tecnológicos, medicamentos e vacinas, que por sua vez tem empurrado setores da população para imigração em massa. Isso não exime o governo da responsabilidade de como tratar a diminuição da renda nacional de forma transparente e democrática, sem gerar privilégios para a alta cúpula estatal e sem beneficiar a corrupção.

De forma que qualquer oposição séria que fala em nome da democracia deveria partir da defesa do fim do bloqueio econômico como medida democrática em defesa da soberania nacional sem o qual não haverá governo que consiga tirar o país do sufoco da escassez e da inflação. Mesmo o relaxamento parcial do bloqueio petroleiro feito recentemente pelo governo Biden para se contrapor à Rússia não resolveu em nada a situação, pois ocorreu em condições draconianas e neocoloniais com a compra do petróleo por baixíssimo preço comparado ao mercado internacional.

Um governo de extrema-direita que venha a substituir maduro será muito pior e aprofundará a crise do país, abrindo sem restrições a espoliação do país para as grandes corporações. Não à toa a direita pretende realizar um ajuste fiscal com choque econômico semelhante ao que faz o governo Milei, mas também privatizar todas estatais e os serviços de saúde, educação e previdência, em especial a joia da coroa que é a PDVSA já que a Venezuela é detentora das maiores reservas de petróleo.

Outro objetivo que busca o imperialismo americano e europeu é dividir o território do país, arrancando o território de Essequibo de uma vez por todas da gestão venezuelana e entregando-o às petroleiras transnacionais, sob a bandeira da Guiana, onde há igualmente gigantescas reservas de petróleo e onde será mais fácil tutelar e espoliar o petróleo.

É preciso criticar e combater a dinâmica autocrática que Maduro assumiu e aprofundou que não ajuda em nada o enfrentamento contra a extrema-direita. Há notícias de corretos processamentos, prisões e interdições dos guarimbeiros que atearam fogo em ativistas sociais, conspiradores militares e líderes golpistas, mas também de sindicalistas, ativistas sociais e lideranças da esquerda socialista. Partidos de esquerda e movimentos sociais devem ter plena liberdade de funcionamento e apresentação de candidaturas, sem interferência do Estado como ocorreu com o Partido Comunista, o PPT e outros.

Por outro, seria um erro gigantesco partir da insatisfação dos grupos de esquerda ou de segmentos dos movimentos sociais e sindicais para justificar o apoio à candidatura de oposição pró-imperialista. Nenhuma saída progressiva, em nome da democracia, poderá ser construída ao lado da extrema-direita, seja quem for o partido ou liderança, estando ou não ilegalizado.

A hierarquia política primeira e fundamental da luta de classes e da classe trabalhadora mundial, no capitalismo, desde a sua consolidação como sistema mundial de Estados no Século XX, é combater a ordem imperialista. Construir uma alternativa independente, dos setores explorados e oprimidos do país que hoje mais sofrem com o bloqueio econômico e com os erros de Maduro deve partir desse princípio básico e elementar.

As organizações da esquerda socialista não têm candidatura própria nas eleições venezuelanas, mas há uma ameaça maior que é a possibilidade de vitória da candidatura do imperialismo. A violência dos grupos de extrema-direita e a autocracia a que será submetido o país para impor o neocolonialismo será 10 vezes mais grave. Lembremos do que ocorreu com o Iraque. Em nome da democracia, os EUA destruíram o país e mataram milhares para saquear as reservas de petróleo.

Tratar a indicação do voto é um tema tático, mas opções eleitorais como voto nulo historicamente não ajudam a construir saídas organizativas. Pode-se sim indicar um voto crítico em Maduro contra a extrema-direita, mas visando a necessária retomada da auto-organização popular, partindo da recuperação e autonomia das comunas e demais organizações populares, passando pela luta por liberdades democráticas contra a criminalização das lutas e pela defesa dos direitos e condições de vida dos trabalhadores e do povo.