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MUNDO

Venezuela: Enfrentar a crise e o bloqueio do imperialismo com medidas anticapitalistas

David Cavalcante, de Recife (PE)

Venezuelana usa velas durante o primeiro apagão na Venezuela

As grandes agências empresariais de comunicação globais e seus sócios nacionais como a Rede Globo no Brasil se esforçaram muito, mas depois da tentativa de invasão do território venezuelano ocorrida no dia 23 de fevereiro, sob a fachada de uma falsa ajuda humanitária, que foi dirigida pessoalmente desde a Colômbia pelo vice-presidente norte-americano, Mike Pence, ficou impossível para quem acompanha minimamente a situação na Venezuela e conhece o histórico intervencionista dos Estados Unidos, não entender que Donald Trump quer de fato espoliar os nossos irmãos vizinhos e roubar as riquezas naturais daquele país, como o ouro e o gás e principalmente o petróleo que são as maiores reservas globais.

As ações diplomáticas e políticas, através da OEA e do Grupo de Lima, combinadas com o boicote econômico não deixam dúvidas que o imperialismo norte-americano deseja recolonizar não somente a Venezuela, mas toda a América Latina, e para tal necessita de governos serviçais ao império do Norte. Mas os trabalhadores venezuelanos e as mobilizações cívico-militares tem revelado uma exemplar tenacidade, mesmo diante de uma forte crise econômica, para enfrentar a crise com uma total bravura anti-imperialista.

A última derrota do imperialismo foi a revelação ao mundo da farsa em nome da ajuda humanitária que foi condenada até mesmo pela organização independente da Cruz Vermelha Internacional. Não encontrando apoio e participação de nenhuma organização séria de Direitos Humanos, sua operação teve a logística organizada pelos governos vassalos de Ivan Duque da Colômbia e de Bolsonaro no Brasil. O próprio Grupo de Lima (formado por 14 países) diante do fracasso do intento golpista de Trump/Guaidó, reafirmou a necessidade de priorizar ações diplomáticas em detrimento de ações intervencionistas.

Após o fracasso da invasão territorial, o imperialismo tentou imputar ao governo Maduro o fogo ateado nos caminhões de comida cuja ação teria sido perpetrada pela Guarda Bolivariana. Aí já ficou patético, pois o jornal New York Times, que não pode ser acusado de ser “chavista”, revelou ao mundo, através de vídeos e fotografias, que a queima dos produtos alimentícios e dos caminhões foi resultante da ação de mercenários a serviço de Guaidó, que jogaram coquetéis Molotov nos caminhões cheios de comida para na sequência a impressa tentar criar mais factoides contra o governo de Maduro.

A nova derrota do imperialismo na batalha da “guerra elétrica”

Não satisfeito com sua derrota e desmoralização na farsa da ajuda humanitária, entre os dias 7 e 9 de março, o imperialismo organizou múltiplos ataques cibernéticos, eletrônicos e diretamente físicos como o corte de cabos de eletricidade e incêndios criminosos, em evidentes ações terroristas contra o Sistema Elétrico Nacional da Venezuela, a empresa estatal Corporação Elétrica Nacional-CORPOELEC e a Central Hidroelétrica Simon Bolivar, onde fica a represa Guri, no Estado de Bolivar, que deixou o país pelo menos 72 horas sem energia total ou parcial em 18 Estados do país, sendo que até mesmo o metrô de Caracas teve sua circulação suspensa.

As principais vítimas dos covardes ataques criminosos foram a população em geral e principalmente as que mais necessitam dos diversos serviços estatais, que foram suspensos ou debilitados como educação, metrô, hospitais e fornecimento de água potável, além da suspensão do funcionamento de várias empresas, agravando ainda mais a situação de crise econômica e escassez gerados pelo bloqueio imperialista e suas corporações.

Mas tanto a tentativa de violação do território venezuelano quanto os ataques terroristas ao sistema elétrico, para além do escândalo da grande mídia empresarial, foram rechaçadas pelo povo e ao contrário de gerarem manifestações de oposição ao governo, somente geraram mais unidade nacional em torno do regime de Maduro. No próprio sábado, dia 9 de março, houve uma marcha anti-imperialista em Caracas, numa maré vermelha de manifestação que se solidarizou com o governo.

O boicote imperialista é a principal causa da crise econômica

A Venezuela os anos de 1960 aprofundou sua especialização produtiva no petróleo e, em consequência, é altamente dependente das importações de produtos de bens de consumo. Nestas condições, não rompidas pelo chavismo, deter altas reservas de dólar é fundamental para o seu sistema produtivo depende do financiamento do exterior e para poder seguir reproduzindo sua própria economia. O boicote econômico que a Venezuela atinge diretamente as reservas de dólares que por sua vez impacta fortemente na produção petroleira e na importação de produtos não produzidos no país, como medicamentos por exemplo.

O bloqueio econômico dos Estados Unidos contra a economia venezuelana, associada à baixa do preço do petróleo a praticamente 1/3 do que era antes recrudesceu a crise depois que Nicolás Maduro assumiu em 2013, com efeitos catastróficos para a economia popular, gerando situações de escassez no abastecimento e como consequência o mercado ilegal de mercadorias e altas taxas de inflação.

Na análise econômica da crise é importante destacar que se livrar do dólar como moeda de transação no mercado global não é tarefa fácil. Ainda que o chavismo tenha tomado medidas para fugir do domínio do dólar, a exemplo do SUCRE (Sistema Unitário de Compensação Regional de pagamentos), acordos bilaterais com outros países em outras moedas a exemplo do yuan chinês, tentativas de criar um sistema bancário de financiamento internacional como o Banco do Sul ou ainda criação da cripto-moeda Petro, vinculada ao preço do petróleo, os desafios ao domínio do dólar não foram suficientes, já que o bloqueio norte-americano envolve pressões no sistema financeiro global e empresarial para que não comercializem com o país que vem defendendo sua soberania.

Apesar das tentativas de outras moedas como o euro, yuan e o petro, entre outras, iniciativas impulsionadas pela Venezuela, o dólar segue representando 62% da dívida global, 56% dos empréstimos internacionais e cerca de 44% das transações no mercado de cambio, bem como quase 63% das reservas de moedas no mercado global.

O imperialismo americano tem consciência do peso do petróleo para furar ainda que parcialmente o poderio do dólar como moeda de transação, bem como a relação geopolítica que significa uma maior presença da China e da Rússia em transações comerciais na América Latina, ante o acirramento da crise global do capital desde 2008 e a perda relativa da influência do imperialismo no mundo, após a reorganização da Rússia como potência regional e a consolidação da China como um novo imperialismo e seu domínio na região asiática e expansão mundial.

Neste terreno destacam-se as reservas de petróleo venezuelano representam 18% do total de reservas globais da principal matriz energética do planeta, alcançando as maiores o pódio das maiores reservas mundiais que chegam 1,65 trilhões de barris, onde a Venezuela conta com 300,9 bilhões. Considerando que as reservas globais estão estimadas para uma duração de 50 anos, a Venezuela tem quase 1/5 dessas reservas no tempo.

Além das reservas de gás que chegam a 5,7 trilhões de metros cúbicos, alcançando a 8ª posição global e a 2ª maior reserva de ouro com 8.900 toneladas, 5ª maior reserva de ferro. Por sua vez, os Estados Unidos consomem quase 20% dos 98 milhões de barris diários do globo. Aí está o segredo da agressividade imperialista, onde as migalhas das supostas ajudas humanitárias são verdadeiras esmolas se comparadas com esse montante econômico.

O bloqueio imperialista à economia da Venezuela significa o bloqueio direito às atividades da estatal petroleira PDVSA cuja renda possibilidade divisas em dólar para viabilizar as importações. Para se ter uma ideia do impacto na economia, as importações do país caíram de 60 bilhões de dólares até 2013 caíram para 12 bilhões em 2017.

Ao bloqueio econômico, somou-se o bloqueio financeiro, quando em 2017, uma ordem executiva do governo norte-americano implicou as seguintes proibições: que o Governo venezuelano adquira novas dívidas com vencimentos maiores que 30 dias; que a PDVSA adquira nova dívida maior que 90 dias; nova obtenção de ações por parte do Governo da Venezuela; pagamento de dividendos ou distribuição de lucros ao Governo da Venezuela por parte de empresas que operam nos EUA, o que afeta especialmente a refinaria CITGO, subsidiária da PDVSA.

Em 2018, o bloqueio aumenta ainda mais as proibições: os credores internacionais não podem renegociar a dívida emitida com datas anteriores a agosto de 2017; qualquer cidadão ou instituição financeira estadunidense são proibidas de fazer transações com a criptomoeda Petro; realização de investimentos em ativos venezuelanos para cidadãos estadunidense e em solo estadunidense.

O boicote econômico é a principal causa da queda das importações, da atividade produtiva no país, do aumento do desemprego e da inflação, bem como da falta de alimentos, medicamentos e vacinas, que por sua vez tem empurrado setores da população para imigração em massa. De forma que a primeira medida humanitária em favor do povo venezuelano é exigir do fim do boicote econômico sem isso migalhas de caminhões com cestas básicas são somente espetáculo a serviço do golpismo da direita do governo Trump.

Para enfrentar a crise econômica é preciso avançar com medidas anticapitalistas

Independentemente de quaisquer críticas que se pode fazer contra o governo Maduro, relacionadas à falta de estímulo à democracia de classe onde se pudesse avançar no controle operário e comunal das empresas e do Estado, é preciso reconhecer que houve o chamado à mobilização nacional cívico-militar contra a violação territorial da farsa da ajuda humanitária do fantoche do Guaidó que foi a mesma base para a derrota do ataque cibernético ao sistema elétrico.

Mas Trump e seus aliados serviçais, não se contentaram e preparam novos ataques ao povo venezuelano. Para enfrentar tais ataques neocoloniais é preciso para além da mobilização popular e a ajuda financeira e militar de outros países. É preciso medidas anticapitalistas cada vez mais profundas e ousadas para viabilizar para além do controle de preços, uma planificação da economia sob controle estatal com a participação dos trabalhadores e do povo de forma democrática. Também e preciso avançar na relação civil democrática com as forças armadas e expandir o treinamento militar da população civil para enfrentar qualquer tentativa de invasão do imperialismo. Desta forma, é possível aumentar a resistência ao boicote, convocando igualmente os trabalhadores a governar através dos conselhos comunais, também nas empresas estatais.

É fundamental também mobilizar e exigir da Assembleia Nacional Constituinte a expropriação do sistema financeiro e dos grupos de alimentação, a exemplo do Grupo Polar. As medidas de transição para uma economia planificada não podem estar dissociadas à democracia socialista sob pena de perdermos setores sociais fundamentais na luta para enfrentar e derrotar de vez o movimento golpista do Guaidó e se livrar totalmente da dependência do imperialismo.