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Avanços e limites do programa de governo de Lula

Lula e Alckmin
Suamy Beydoun/ A Gazeta

Gabriel Casoni

Gabriel Casoni, de São Paulo (SP), é professor de sociologia, mestre em História Econômica pela USP e faz parte da coordenação nacional da Resistência, corrente interna do PSOL.

As diretrizes do programa de governo da chapa Lula-Alckmin, divulgadas em 21 de junho, apresentam, num texto com 121 pontos, o correto sentido de reversão das políticas do governo Bolsonaro nas mais diversas áreas e de aplicação de medidas em prol da justiça social e da preservação ambiental e de um modelo econômico com maior participação estatal.

Há pontos concretos importantes, entre os quais, a defesa do fim do Teto dos Gastos públicos, da valorização real do salário mínimo, de um reforma tributária progressiva e de um plano de obras públicas nas áreas sociais e de infraestrutura para geração de empregos e desenvolvimento econômico. Vale destacar, também, a acertada oposição à privatização da Eletrobrás, da Petrobrás e dos Correios.

Porém, há recuos e ausências significativas, assim como diversos pontos vagos. Embora o documento se estruture em torno da necessária crítica ao que foi feito pelo governo Bolsonaro, não existe a defesa da revogação de algumas medidas centrais executadas desde o golpe contra Dilma, em 2016.

As diretrizes não falam, por exemplo, da retomada dos direitos suprimidos pela Reforma da Previdência aprovada em 2019. A defesa da revogação da Reforma Trabalhista foi substituída por uma afirmação bem menos direta e comprometida, que fala apenas de retiradas dos “marcos regressivos” da  atual legislação trabalhista, sem citar quais seriam esses esses pontos nocivos. Não há a defesa da anulação das privatizações e vendas de ativos públicos realizadas no último período, como refinarias e subsidiárias da Petrobrás.

Na versão apresentada, também ficou ausente a defesa dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. O texto também não menciona a criação do ministério de povos indígenas e é bastante vago sobre políticas concretas de combate ao racismo estrutural em suas mais variadas facetas. Não há, por exemplo, a defesa de uma mudança radical de modelo da polícia no país, aspecto chave no processo de genocídio da juventude negra nas periferias e favelas.

No tema ambiental, existem avanços que devem ser notados, como a maior centralidade conferida à proteção do meio ambiente e dos povos indígenas e quilombolas. Mas há também recuos e ausências. A proposta de desmatamento zero foi substituída pela do “desmatamento líquido zero”, um passo atrás. E não existe o compromisso explícito com a demarcação de todas terras indígenas e quilombolas. (Uma abordagem mais completa sobre a questão do programa ambiental no programa de Lula pode ser conferida neste texto).

Em alianças com a direita e setores da classe dominante, não haverá mudanças estruturais

As diretrizes do programa de governo de Lula contém, como vimos, vários pontos positivos, mas também diversos recuos e ausências importantes. Contudo, a questão primordial não está naquilo que consta ou não no documento. Afinal, o papel aceita tudo. O ponto nodal está no pacto político e social que está sendo construído para governar, caso se vença as eleições.

Nas últimas semanas, segundo o que foi divulgado pela imprensa, Lula e Alckmin tiveram várias reuniões e “jantares” com grandes empresários. O objetivo é o de contornar a desconfiança das elites em relação ao projeto da chapa. Alckmin, inclusive, encontrou Michel Temer recentemente para costurar pontes com o MDB. Segundo o noticiado, o ex-tucano negou ao líder do golpe que haverá revogação da Reforma Trabalhista, mas somente algumas revisões pontuais.

As alianças com setores da direita, como Alckmin, setores do MDB e de outras forças burguesas, podem ser úteis para governar dentro dos parâmetros permitidos pela classe dominante e seu regime de dominação. Mas tornam impossíveis mudanças estruturais a favor das maiorias exploradas e oprimidas. Pelo motivo simples de que as elites brasileiras asseguram sua riqueza monumental e privilégios seculares em base a um padrão agressivo de exploração e opressão da maioria do povo, com destaque ao papel cumprido pelo racismo estrutural.

Em tempos de crise econômica e presença de uma extrema direita com influência de massas (o bolsonarismo seguirá como uma potente força política mesmo se perder a eleição desse ano), será muito difícil que um novo governo Lula encontre as condições econômicas, sociais e políticas que permitiram agradar, durante os governos petistas de conciliação de classes, entre 2003 e 2013, tantos os mais ricos como os mais pobres. Quando os tempos de bonança acabaram, a burguesia passou à desestabilização do governo Dilma (em 2014 e 2015) e depois ao golpe parlamentar (em 2016), instaurando o governo Temer e abrindo portas para Bolsonaro.

Portanto, um programa de reversão do legado do golpe e de mudanças estruturais, em benefício do povo trabalhador e oprimido, exige uma estratégia política diferente, que passe pela aposta na organização e na mobilização popular de massas para mudar a relação de forças sociais e políticas no país (que deve ser acionada já diante das ameaças golpistas de Bolsonaro). Isso se traduz na luta por um governo de esquerda sem alianças com setores da classe dominante e da direita, que garanta a “governabilidade” com e por meio da força do povo.

O PSOL deve fortalecer essa perspectiva estratégica e programática, que é crítica à conciliação de classes. Nesse sentido, é um erro as afirmações exageradamente  elogiosas (sem nenhuma crítica ou diferenciação) do presidente do partido, Juliano Medeiros, às diretrizes do programa de governo Lula-Alckmin. O PSOL apoia firmemente Lula para derrotar Bolsonaro, mas apresenta diversos pontos programáticos à esquerda que não estão contemplados no documento da coligação da chapa Lula-Alckmin, como pode ser conferido na plataforma Direito ao Futuro (https://programa.psol50.org.br).

 

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