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EDITORIAL

O último Dia do Orgulho LGBTI+ durante um governo Bolsonaro

Editorial
Stonewall bandeira LGBTI+
Reprodução

53 anos atrás, num 28 de junho como esse, eclodiu o que seria considerado um marco para o movimento LGBT moderno: a Revolta de Stonewall. Durante uma semana, os frequentadores do bar Stonewall Inn, em Nova York, em sua maioria gays afeminados, lésbicas masculinizadas, drag queens e mulheres trans, sobretudo negras, latinas e periféricas, se rebelaram contra os constantes ataques policiais contra o gueto LGBT de Manhattan. O motim entrou para a história e o dia 28 de junho passou a marcar o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+.

Apesar de ser um dia de afirmação do orgulho das pessoas LGBTIs, o 28 de junho é uma data de reflexão sobre a realidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas intersexo e toda a comunidade sexodiversa. Assim como há 53 anos, hoje é um dia de resistência contra a violência, o preconceito e a discriminação contra as pessoas LGBTIs.

No Brasil, os últimos ‘28 de junhos’ têm sido preocupantes. Sob o governo de um LGBTfóbico assumido e orgulhoso, o Brasil, que já era o país do mundo onde mais morrem pessoas por conta da sua orientação sexual ou identidade de gênero, tem regredido a largos passos em políticas para a diversidade.

O movimento LGBTI+ brasileiro conhece Jair Messias Bolsonaro muito antes dele se tornar presidente. Quando ainda era um deputado folclórico, com uma produção legislativa nula, Bolsonaro encontrou projeção midiática produzindo factóides contra a comunidade LGBTI+. Jean Wyllys, então deputado federal pelo PSOL e único LGBTI+ assumido no Congresso, foi uma das primeiras vítimas da máquina de difamações e ódio que seria aperfeiçoada nas eleições de 2018. Bolsonaro foi um dos expoentes da campanha de desinformação contra o Programa Escola Sem Homofobia, que apelidou de “kit gay”. Por isso, já em 2018, a comunidade LGBT votou majoritariamente em Fernando Haddad para derrotar Bolsonaro no 2º turno das eleições.

Desde que assumiu, Bolsonaro aparelhou o governo com fundamentalistas religiosos, teóricos da conspiração e propagandistas do “pânico moral”. Logo na primeira semana de mandato, um vídeo da fundamentalista-chefe do governo, Damares Alves, empossada como ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, comemorando o início de uma “nova era” onde meninos vestiriam azul e meninas rosa deu o tom da nova administração. Na sequência veio a extinção do Departamento de IST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde e o veto a filmes com temática LGBT que buscavam recursos da Ancine.

Três anos e meio se passaram e o governo Bolsonaro superou todas as expectativas contra si próprio. Na pandemia, Bolsonaro e a extrema-direita mostraram todo o seu desprestígio pela vida humana, negligenciado a compra de vacinas, combatendo as medidas sanitárias, espalhando desinformação (sugerindo a ligação entre as vacinas e a disseminação da AIDS, ressuscitando o pânico sorofóbico) e aproveitando da instabilidade social para atentar contra as instituições democráticas. A vulnerabilidade das pessoas LGBTIs também aumentou durante a pandemia. Junto com Paulo Guedes, Bolsonaro promoveu a retirada de direitos da população, o desmonte de serviços públicos, a volta de carestia e o aumento do custo de vida.

Impedir a reeleição de Bolsonaro é uma necessidade do movimento LGBTI+ para evitar o aprofundamento da violência contra as sexualidades e identidades dissidentes e um retrocesso histórico nas políticas para a diversidade sexual e de gênero.

Embora a LGBTIfobia não tenha começado – e não vá terminar – com o governo Bolsonaro, ela se intensificou muito tendo como aliado o presidente da República. Impedir a reeleição de Bolsonaro, portanto, é uma necessidade do movimento LGBTI+ para evitar o aprofundamento da violência contra as sexualidades e identidades dissidentes e um retrocesso histórico nas políticas para a diversidade sexual e de gênero.

Não por outro motivo, há uma grande euforia pela possibilidade de derrotar Bolsonaro nas urnas em outubro, uma vez que a blindagem do governo no Congresso impediu a abertura de um processo de impeachment. A pré-candidatura de Lula expressa hoje a possibilidade concreta de vencer Bolsonaro ainda no 1º turno das eleições e por isso reúne a simpatia da ampla maioria do movimento LGBTI+ brasileiro. Segundo uma pesquisa realizada durante a Parada do Orgulho LGBTI+ de São Paulo e os eventos que a antecedem, Lula desponta com 86% das intenções de voto do público, seguido por Ciro com 2,5% e Bolsonaro com apenas 1,6%.

Votar em Lula para derrotar Bolsonaro é a principal palavra de ordem do movimento LGBTI+ em 2022, mas impedir que ele se reeleja será só o primeiro passo. É preciso reverter o legado de intolerância e desmonte das políticas públicas voltadas para a comunidade LGBTI+ deixados pela extrema-direita e promover uma agenda política que avance na promoção da cidadania e inclusão da comunidade sexodiversa: reconstruir as políticas de combate às infecções sexuais transmissíveis, incentivar as produções artísticas e culturais que abordem a diversidade sexual e de gênero, tornar lei a criminalização da LGBTfobia, estabelecer uma política nacional de segurança pública para as pessoas LGBTIs e discutir o respeito à diversidade em todos os espaços da sociedade.

Tudo isso só será possível superando a lógica de conciliação com o fundamentalismo religioso, que se fortalece atacando a comunidade LGBT, as religiões de matriz africana e os direitos reprodutivos das mulheres. Secundarizar e esconder essas pautas é dar munição para a extrema-direita criar factóides e avançar com sua campanha de desinformação e pânico moral. Compreender sua centralidade é reconhecer que o povo brasileiro é diverso, que as questões de sexualidade e gênero compõem a vivência de cada pessoa e carecem de respostas políticas concretas. A campanha Lula precisa enfrentar o discurso de ódio bolsonarista e incorporar em seu programa a agenda histórica do movimento LGBTI+ brasileiro.