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BRASIL

A hora é agora: cotas para pessoas trans nas universidades públicas já!

Às vésperas do 59º Conune queremos emplacar uma campanha nacional do movimento estudantil pelas cotas para as pessoas trans

Lucas Marques, do Afronte!

Toda pessoa trans já passou pela experiência de ir a um médico que não tem ideia de como funcionam nossos corpos, de estar em uma sala de aula com um professor que nunca deu aula para uma pessoa trans, de ser atendida em diferentes serviços nos quais as pessoas não tem ideia de como nos tratar.

Fato é que os corpos trans ainda estão ausentes da maior parte dos espaços públicos, somos relegadas a espaços de marginalização, à prostituição e aos subempregos. Alguns estudos indicam que até 90% das mulheres trans e travestis tem a prostituição como principal fonte de renda. Não é de hoje que debatemos a questão do emprego e da renda como uma das maiores dificuldades que as pessoas trans enfrentam.

As travestis negras estão entre as que mais morrem vítimas da violência transfóbica no Brasil: 82% das pessoas trans assassinadas são negras, a maioria trabalhadoras do sexo que trabalham nas ruas.

Além da transfobia que nos expulsa dos espaços, apenas 0,02% das pessoas trans conseguem acessar a universidade. Cerca de 72% das pessoas trans não concluíram o ensino médio e 56% não concluíram nem mesmo o ensino fundamental. A exclusão familiar e escolar é parte importante da violência e da lógica que perpetua a exclusão das pessoas trans dos espaços públicos e de poder na sociedade.

A luta por reparação

A realidade de transfobia nas escolas é gritante e piora significativamente com a luta da extrema direita para coibir e até proibir os debates de gênero. A discussão da nossa existência se torna proibida, portanto, a nossa existência nesse espaço se torna proibida. Sofremos todo tipo de perseguição e constrangimento até para o uso de banheiros. É necessária a adoção de políticas de combate à transfobia nas escolas, esse é o passo número um para garantir que as pessoas trans consigam concluir o ensino básico e possam ter melhores perspectivas de emprego e obtenção de renda.

Para acessar o ensino superior, é preciso, além de concluir a educação básica, vencer o filtro social do vestibular. Esse tem sido um grande desafio para os grupos historicamente excluídos no nosso país. As políticas afirmativas como as cotas étnico-raciais e o vestibular indígena tem sido fundamentais para a inclusão da juventude preta e periférica e dos povos originários nas universidades públicas.

No país que mais mata travestis e transsexuais no mundo, no qual a expectativa de vida da população trans gira em torno de 35 anos, é mais do que urgente colocar em pauta o debate sobre as cotas para pessoas trans no ensino superior público!

Nada sobre nós sem nós

Se de um lado temos a questão da exclusão sistemática das pessoas trans e a necessidade de reparação, de outro temos a universidade pública como um espaço de produção de conhecimento e de pesquisa que dão subsídio para a formulação de políticas públicas.

A presença de pessoas trans na universidade transforma profundamente seu perfil social e tem impacto direto no conhecimento produzido. Estudantes trans no curso de medicina, presentes com seus corpos, pressionam materialmente para que nossos corpos passem a ser discutidos em disciplinas. Essa é uma das chaves para que passemos a ter médicos que compreendem nossas realidades.

Diversos estudos de gênero são produzidos nas humanidades, muitos tem pessoas trans como objeto de estudo, mas a esmagadora maioria é desenvolvido por pessoas cis. Não queremos mais ser apenas objeto de estudos, queremos ser sujeitos da produção científica sobre nós mesmos e, por que não, sobre as pessoas cisgêneras também!

A hora é agora: lutar pelas cotas trans nas universidades públicas

A luta pelas cotas para pessoas trans vem na esteira das conquistas recentes das cotas étnico-raciais e do vestibular indígena, seja desde 2008 nas federais, seja a partir de 2017 nas universidades estaduais paulistas (USP, UNESP e Unicamp). Universidades como a UFABC e a UNEB já adotaram cotas para pessoas trans nos cursos de graduação.

Um dos maiores desafios do movimento estudantil no último período tem sido a luta por uma política de assistência estudantil que dê conta de responder à transformação do perfil social da universidade obtida através das políticas de acesso. Além de conseguir acessar, é preciso conseguir permanecer: nossa luta deve ser centrada na combinação entre a ampliação das políticas de acesso (através das cotas para pessoas trans, PCDs e vestibular indígena onde ainda não houver) e das políticas de assistência estudantil.

Às vésperas do 59º congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), queremos debater com o movimento estudantil a necessidade de uma ampla campanha nacional pelas cotas para pessoas trans na graduação e na pós-graduação, que também dê conta de lutar por condições dignas de permanência estudantil para as pessoas LGBTQIAP+.