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BRASIL

Após cinco anos, familiares seguem na busca por justiça para três jovens executados em Manaus

Oito policiais militares serão levados à Júri Popular pelo homicídio e ocultação de cadáver dos jovens Alex Júlio Roque de Melo, 25 anos, Rita de Cássia Castro da Silva, 19 anos, e Weverton Marinho Gonçalves, 21 anos, ocorrido em 29 de outubro de 2016. “Meu filho tem voz, eu vou lutar até o dia que eu tiver o meu último suspiro, eu vou lutar por justiça,” diz Arlete Roque, mãe de Alex.

Pedro Medeiros Muniz*, de São Paulo, SP.
Arquivo Pessoal

cinco anos, policiais militares abordaram e conduziram três jovens até a 4ª Companhia Interativa Comunitária (CICOM), localizada no bairro São José Operário, em Manaus, conforme filmagem1 que integra o processo criminal. Na ocasião, não houve registro da entrada ou da saída dos jovens da delegacia, demonstrando flagrante irregularidade na atuação dos agentes do Estado.

Na mesma madrugada, disparos contínuos, semelhantes aos de arma de fogo, foram ouvidos na Comunidade Agrícola João Paulo II, em Manaus, de acordo com informações prestadas por testemunhas que moram no local2. Na região do Ramal da Caixa D`água, local conhecido pela “desova de corpos”, foi encontrado rastro de sangue e uma sandália ensanguentada, objeto identificado pelo Sr. Julio Cesar Roque como sendo de seu filho, Alex, uma das vítimas do crime.

Desde o dia 29 de outubro de 2021, familiares e amigos procuram pelo paradeiro dos três jovens que desapareceram após a abordagem policial e seguem mobilizados na busca por memória e justiça.

Arquivo pessoal
Arlete Roque, mãe do Alex Júlio Roque de Melo

Investigação e processo judicial

O processo judicial está em andamento na 3ª Vara do Júri da Comarca de Manaus, por se tratar de crime doloso contra a vida3, isto é, aquele em que o agente possui intenção de realizar o crime. Ao longo das investigações ocorreu decretação da prisão temporária, quebra de sigilo telefônico, além da busca e apreensão domiciliar dos oito policiais que serão levados à Júri: Luiz da Silva Ramos, Jose Fabiano Alves da Silva, Edson Ribeiro da Costa, Ronaldo Cortez da Cosa, Eldeson Alves de Moura, Cleydeson Enéas Dantas, Denilson de Lima Correa e Isaac Loureiro da Silva.4

Atualmente, os policiais respondem ao processo em liberdade, o que causa revolta, insegurança e medo nas famílias dos três jovens. O juiz do caso, Sr. Mauro Moraes Antony, determinou a impossibilidade dos policiais realizarem trabalho de rua e ostensivo na corporação e também de se ausentarem do Município de Manaus sem autorização judicial. Essas medidas são consideradas insuficientes pelos familiares, uma vez que não garantem a integridade e tranquilidade das testemunhas e familiares das vítimas.

Após o esgotamento de todos os atos de investigação e existindo fortes elementos de autoria dos policiais pelos crimes, a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra os investigados foi julgada procedente, submetendo os acusados a julgamento perante o tribunal do Júri5 pelos crimes de homicídio qualificado (impossibilidade de defesa da vítima), ocultação de cadáver e concurso de agentes.6 As defesas dos acusados recorreram à segunda instância tentando reverter a sentença de primeiro grau, que recebeu a denúncia do Ministério Público e pronunciou os policiais, porém sem sucesso.7

Aluta dos familiares por memória e justiça

Ao Esquerda Online, a Sra. Arlete Roque, mãe do Alex, transmitiu a dor e a revolta da perda irreparável do seu filho pelas mãos do Estado e a aflição constante de não ter conseguido realizar o enterro: “o Estado tem matado nossos filhos, tem tirado nossos filhos e o direito de uma mãe é enterrar o seu filho, mas eu não tive esse direito, de enterrar o meu filho”.

Arlete lembra das consequências profundas e arrasadoras para a saúde de todas as famílias envolvidas, ressaltando que a violência e a pressão sobre os familiares têm sido uma constante após o desaparecimento dos três jovens: “Porque meu marido foi reconhecer três policiais no dia 07 de março de 2016, quando foi dia 08 de março meu marido teve dois AVCs e um aneurisma cerebral, meu marido ficou 22 dias dentro de um hospital”.

A Sra. Iraci Marinho, mãe do Weverton, fala sobre seu coração e mente atentos na busca constante pelo paradeiro do seu filho: “se eu for em um mato, em um rio, um terreno, eu imagino que o meu filho está enterrado aqui”. O prolongamento da impunidade dos agentes do Estado é um fator que acentua sua dor, nas suas palavras: “o que mais me dói mesmo é a injustiça, a injustiça vai matando a gente aos poucos”.

 

Essa reportagem não seria possível sem a colaboração do Movimento Luta Popular e do advogado Avanilson Araújo, com os quais tenho orgulho de estar lado a lado nas lutas.

*Pedro Medeiros Muniz é advogado.

NOTAS

1   Fls. 10 do processo sob o nº0246607-43.2016.8.04.0001 – 3ª Vara do Juri da Comarca de Manaus,(TJMA)

2  A qualificação da maior parte das testemunhas do processo segue em caráter confidencial diante da necessidade de preservação de sua segurança e integridade física.

3  O inciso XXXVIII do artigo 5º da Constituição estabelece que todo crime doloso contra a vida será processado pelo tribunal do Júri, isto é, por um tribunal formado por cidadão “leigos”.

4  Fls. 131 – 139 do processo sob nº0246607-43.2016.8.04.0001 (TJMA)

5  Em caso de crimes dolosos contra a vida existindo indícios de autoria e materialidade o juiz realiza a pronúncia, nos termos do artigo 413 do Código de Processo, remetendo o caso para julgamento perante o Tribunal do Júri.

6  Fls. 8301 – 8313 do processo sob nº0246607-43.2016.8.04.0001 (TJMA)

7  A defesa dos policiais interpuseram recurso especial e extraordinário, direcionados, respetivamente, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para o Supremo Tribunal Federal (STF), o que pode prolongar ainda mais o processo.