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BRASIL

UERJ: A odisseia da resistência

Maria Eduarda Ichida*, do Rio de Janeiro, RJ.
Reprodução
Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica.
Paulo Freire

No ano do centenário de Paulo Freire é importante rememorar frases como essa acima que tornam-se atuais à medida que o tempo passa e, infelizmente, os sucateamentos contra a educação pública de qualidade se intensificam. O pensamento crítico é um risco para o privilégio dos que integram o 1%, enquanto os outros 99% ao menos sabem se terão comida no prato, pois estão vulneráveis à fome, à doença, a contas com aumentos abusivos e por aí vai. No entanto, é bom destacar que em tempos obscuros como os que estamos enfrentando, uma das instituições mais ameaçadas pelas gestões públicas anteriores e também pela atual, se mostrou um suporte socioeconômico para muitos estudantes e fez ciência no caos.

Além da bolsa permanência direcionada para estudantes cotistas ter aumento em seu valor durante a pandemia, a universidade também ofereceu aparelhos tecnológicos para a realização do EAD à todos que não possuíam acesso a internet ou ao menos tinha um aparelho para poder acompanhar as aulas. No primeiro semestre de 2021, a UERJ desenvolveu também um auxílio alimentício até mesmo para estudantes da ampla concorrência (afetados consequentemente pelo cenário brasileiro) e para os docentes e servidores da instituição. Em nada a UERJ de 2021 se assemelha com a que vimos em 2016/2017, correndo sério risco de fechar suas portas decorrente da falência do Estado do Rio de Janeiro.

Se a UERJ segue existindo muito se deve aos funcionários e aos alunos que acreditaram em sua potência e na sua contribuição para o país. Afinal, desde a sua fundação até os dias de hoje, a instituição segue sendo uma das maiores faculdades estaduais do Brasil, com cursos bem ranqueados pelo MEC, inclusive. Porém, esse status não a blindou das crises político-financeiras nas quais o Estado se afundou. E, como efeito da calamidade pública enfrentada em 2016, a UERJ teve seu corte reduzido em mais de 50%.

O ano de 2017 foi marcado pela eclosão de greves por parte de professores, funcionários, alunos e ex-alunos reivindicado a atenção do governo para a instituição. Não havia condições de trabalho e muito menos a realização da manutenção de um espaço acadêmico digno. Mas, não bastava todas essas problemáticas… Surgiu então, o levantamento de um projeto que visava privatizar a UERJ, o que gerou extrema indignação, e felizmente, não deu frutos concretos para a tristeza neoliberal.

A UERJ só veio a encontrar algum nível de normalidade em 2018, e aos poucos, como num engatinhar, voltou a fazer brilhar os olhos dos vestibulandos que durante um período temeram entrar na universidade e não conseguir se formar. Atualmente, não desfruta de plenitude, pelo contrário, segue sendo colocada nos últimos planos de maior interesse por parte do Estado. E os protestos seguem contra os atrasos das bolsas de permanência dos cotistas, contra os muitos cortes que são levantados contra a universidade.

Os ataques contra a soberania da instituição continuam também. Em pleno 2021, um deputado do PSL-RJ sugeriu um projeto que visava extinguir a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e apesar de não ter tido êxito em sua proposta, apenas a ideia de exterminar uma instituição que é fonte de conhecimento e expansão social para muitos jovens diz muito sobre o momento que estamos enfrentando.

Porém, a UERJ responde da melhor forma: com ciência, com pesquisa, com conhecimento, com resistência e luta. Em meio à uma pandemia, desenvolveu tecnologias para detectar o vírus e até mesmo bactérias no ar de ambientes fechados, sendo um avanço singular para o estudo de contágios. Sem falar em outras vitórias, como o fato de alguns pesquisadores da instituição terem integrado a lista dos cientistas mais influentes do mundo organizada pela Universidade de Stanford.

A UERJ possui atmosfera natural de superação, pois foi colocada em prova muitas vezes. E todos que estão lá também estão dispostos a lutar por ela, não apenas pela sua existência, mas pela sua resistência ao descaso de um país com políticas neoliberais que buscam o encarceramento dos corpos plurais que têm espaço na instituição, mas também o encarceramento de suas mentes. Pois, quando a lucidez nos atinge, sabemos que a rua é o lugar de disputarmos por um mundo melhor para nós.

*Estudante de Ciências Sociais da UERJ, militante do Afronte- RJ.

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UERJ / uerj resiste