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BRASIL

Do choque: sobre as recentes ameaças às universidades estaduais fluminenses

Lia Rocha*, do Rio de Janeiro, RJ
Divulgação / Uerj

Na segunda-feira o Governador Wilson Witzel enviou à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro uma mensagem para retomar o Programa Estadual de Desestatização, criado em 1995. Além disso ele propôs revogar dois dispositivos de uma lei de 2018, que proíbem a extinção das universidades públicas estaduais (Uerj, Uenf e Uezo), todas as empresas públicas do estado, fundações como a Faperj e o Cecierj, entre outras. Esses nomes não são estranhos ao público que acompanha a política fluminense há alguns anos: estivemos sob ataque no Governo Pezão (só pra falar dos últimos cinco anos), que já tinha encaminhado proposta parecida em 2018.

Muda o “patrão” mas a lógica permanece! A crise que temos vivido no Rio de Janeiro, e que agora alcança dimensão ainda maior com a pandemia de COVID-19, tem servido sempre como justificativa para propostas de austeridade, que cortam investimentos públicos e deixam a população sem acesso aos serviços que garantem o exercício de direitos e, cada vez mais, a própria sobrevivência. A ideia de excepcionalidade é fundamento para a exceção.

Contudo, não se trata de excepcionalidade nem de exceção, como querem nos fazer crer nossos governantes e seus defensores. Já vimos essa história muitas vezes antes. Não apenas no que diz respeito ao uso da crise como justificativa, mas também na tática de fazer propostas absurdas e inaceitáveis e voltar atrás. Quando as universidades estavam fechadas por falta de recursos, em 2017, Pezão propôs cortar os salários dos professores e técnicos em 30%. Voltou atrás. Recentemente, o Ministério da Educação cortou mais de seis mil bolsas de pós-graduação. Voltou atrás. Agora, há poucas horas, Witzel disse que sua proposta não prevê a privatização das universidades. Ao que tudo indica, já voltou atrás. Mas por que nossos carrascos agem dessa forma?

Naomi Klein publicou em 2007 um livro chamado A Doutrina do Choque: A ascensão do capitalismo do desastre (Nova Fronteira, 2008). Nele, a autora argumenta que as crises são parte do sistema capitalista, são frequentes, e são vistas como excelentes momentos para a aplicação de ideias liberais radicais, que, em condições “normais”, não encontrariam a mesma legitimidade. Golpes, guerras e desastres naturais são exemplos dessas crises, e a desorientação que produzem nas pessoas nos deixam sem reação a propostas que parecem soluções, mas são ataques.

Pensando no “choque” como Klein argumenta, podemos pensar que as medidas adotadas pelos governantes que são consideradas absurdas pela opinião pública e posteriormente “desfeitas” por conta dessa indignação deixam uma “herança”, produzem um “efeito”, ainda que não aquele por elas expresso. Elas provocam em nós um aumento na tolerância, um adormecimento na indignação. “É ruim tirarem nossos adicionais, mas é pior cortarem nosso salário”, ou “é ruim venderem a Cedae, mas pelo menos não é a Uerj”. Elas colocam um “bode” na sala. E quem será o bode dessa vez?

A experiência na luta em defesa da educação pública e em defesa da Uerj ensina que ninguém está a salvo da ânsia de destruição de tudo que é patrimônio da classe trabalhadora, dos que vivem do seu trabalho. O ataque a nós hoje é ameaça para outros, e por isso toda solidariedade é necessária. Não podemos deixar o choque nos anestesiar. É claro que teremos que repensar formas de luta. Teremos que produzir novas resistências. Eu não sei como, mas sei que nós, estudantes e trabalhadores das universidades e fundações estaduais, assim como os trabalhadores das empresas públicas, resistiremos. Essa tem sido a nossa trincheira há tempos, e daqui não sairemos.

* Lia Rocha é professora da Uerj

 

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