Nem morrer de Covid, nem morrer de fome, que os ricos paguem pelo isolamento!

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

Bolsonaro disse recentemente que aguarda um “sinal da população” para tomar providências quanto à pandemia. Não disse quais seriam esses sinais e nem quais providências iria tomar. Mas o conteúdo das redes sociais bolsonaristas nos dá uma ideia do que ele está falando.

Os mesmos que acusam quem recebe bolsa-família de preguiçoso(a), defendem o assassinato de sem-tetos e sem-terras e atacam o padre Lancelotti, que distribui sopa para moradores de rua em São Paulo, agora fingem se importar com a pobreza. As postagens deles geralmente falam da “crise de fome causada pelo lockdown dos governadores e prefeitos”.

A mentira é dupla. Em primeiro lugar, o que acontece na maioria dos locais não é um lockdown, mas um fechamento do comércio parcial e mal organizado. Isto afeta a economia porque se prolonga por várias semanas. Um fechamento total de alguns dias poderia permitir uma reabertura mais rápida das empresas.

Em segundo lugar, as pessoas estão passando fome porque o governo se recusa a ajuda-las. O programa de socorro para as pequenas empresas foi mal feito e fracassou. O auxílio emergencial é insuficiente. O governo poderia tomar medidas que garantiriam empréstimos aos pequenos empresários e ainda daria para aumentar o valor do auxílio emergencial.

Mas é verdade que a fome se alastra pelo país. Quase 60% da população está em insegurança alimentar e 44% dos brasileiros deixaram de comer carne depois da pandemia. Basta uma ida ao supermercado para ver um número maior de pessoas em situação de miséria pedindo ajuda. O problema é real e não podemos ignorar.

“Melhor morrer de Covid do que morrer de fome”, dizem

Muitos foram convencidos que abrir todo o comércio é o único caminho para que o desemprego e a fome sejam reduzidos. A morte de dezenas de milhares de pessoas pela Covid-19 seria um sacrifício necessário. Afinal, evitaria um desastre maior.

Não podemos negar a força deste discurso. Afinal, os doentes estão fechados nos hospitais e o cidadão comum não está vendo as pessoas morrendo sufocadas. Mas este mesmo cidadão conhece um vizinho ou um parente que está passando necessidade. Ele anda pelas ruas e percebe a miséria por todo lado. A fome é um problema já conhecido, todo brasileiro que não é nascido em berço de ouro sabe o quanto ela é parte de nosso cotidiano. A novo corona vírus só existe desde 2020.

A tática do bolsonarismo é manipular a justa comoção do povo brasileiro com a fome. Fazer com que as pessoas enxerguem nas medidas de isolamento social a causa do aumento da miséria. Se acontecer rebeliões e saques, o problema vai para a conta de quem disse “fique em casa”.  É a oportunidade que o presidente precisa para tomar medidas autoritárias e abrir todo o comércio, se vendendo como salvador da pátria. Quem sabe ele aproveite a ocasião para dar o golpe que tanto deseja.

Existe uma solução, mas os ricos não vão gostar

Em julho de 2020, foi publicado o estudo com o nome Tributar os Super Ricos para Reconstruir o País. Ele é resultado de uma parceria entre várias entidades, como a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip). O documento aponta várias medidas. Em resumo, a solução é cobrar mais impostos de quem tem mais dinheiro para bancar a população que mais precisa durante a crise.

Uma das medidas é o imposto sobre grandes fortunas, que já está previsto na Constituição, mas nunca foi regulamentado. A proposta é cobrar bens com valor superior a R$ 10 milhões. A taxa anual seria de meio porcento a um porcento e meio. De acordo com o estudo da Anfip, daria para aumentar a arrecadação em até R$ 40 bilhões por ano.

O número de contribuintes seria bem pequeno, cerca de 60 mil pessoas. Não vai ser difícil ter uma boa vigilância sobre a movimentação delas. Com a tecnologia atual, hoje temos muito mais chances de pegar quem sonegar o imposto ou tentar esconder o patrimônio.

Este tipo de taxação já é aplicado em países como Noruega, Suíça, Colômbia, Itália, entre outros. Na Espanha, ela havia sido extinta e foi recriada recentemente. Nenhum desses países quebrou ou teve grande fuga de capitais.

Outra medida seria o aumento do imposto sobre heranças. Ele já existe no Brasil. Mas a taxa varia de estado para estado e vai de 3% a 8 %. Nos Estados Unidos, ela pode chegar a 40%, no Japão é de 55% e no Chile é de 35%. Isto quer dizer que o Brasil cobra muito pouco imposto de quem ganhou muito dinheiro tendo como mérito esperar o pai rico ou a mãe rica morrer.

Ninguém está falando em tirar a poupança ou a casa que um trabalhador deixa para o filho. Mas em cobrar uma taxa maior de quem ganha uma herança mais alta. Se este imposto no Brasil ir de um mínimo de 8% a um máximo de 30%, seria possível arrecadar por ano aproximadamente R$ 14 bilhões a mais.

Uma outra medida seria aumentar o imposto sobre o rendimento dos bancos. Ele já existe, mas o valor é baixo, apenas de 25% sobre o lucro. A proposta da Anfip seria aumentar essa taxação para 40%. Os maiores bancos privados do Brasil lucraram mais de 50 bilhões de reais em 2020, nenhum deles iria falir se pagasse um pouco a mais de imposto. Se eles aumentarem as tarifas, o governo pode usar os bancos públicos para cobrar tarifas menores. Essa taxação geraria um aumento de R$ 29 bilhões no orçamento anual.

Se essas mudanças fossem aprovadas em 2020, daria para arrecadar em 2021 R$ 83 bilhões a mais. O suficiente para aumentar a nova rodada do auxílio emergencial para uma média de R$ 600,00 por mês para cada beneficiário e ainda sobrariam R$ 20 bilhões. Existem outras medidas que poderiam aumentar ainda mais a arrecadação.

Em outros países, os ricos são taxados. Aqui, querem camarote de vacina

É possível que o governo se endivide para garantir um mês de renda para população durante um lockdown e pagar a dívida de forma parcelada com a cobrança de impostos sobre os mais ricos. Mas tente defender isto para alguém que se diz “liberal”. Essa pessoa vai dizer que aumentar impostos é um absurdo e endividar o estado é um escândalo.

Escandaloso e absurdo é o povo ter que escolher entre morrer de fome e morrer de Covid-19. Taxar os mais ricos está longe de ser “coisa de comunista”. Foi aprovada na Argentina a criação de um imposto sobre grandes fortunas para cobrir os custos da pandemia. Nos Estados Unidos, o programa de recuperação econômica inclui aumentar a taxação das grandes empresas.

Mas para a elite brasileira, perder nem que seja uma pequena parte de seus privilégios é pior do que ver milhares de pessoas morrendo. Esta elite quer comprar vacinas privadas enquanto o povo sofre com a doença e a fome.

A saída está na luta de classes

Os mais ricos estão seguros em suas casas e ao mesmo tempo têm sua renda garantida. Já o povo, é obrigado a sair para trabalhar e ainda não tem dinheiro para sustentar a família. Nenhum bilionário vai falir se parte de sua renda for usada para salvar vidas. Ele apenas ficará um pouco menos bilionário. Mas esta ajuda não vai vir de boa vontade. A mobilização popular é que deve obrigar a elite a pagar mais impostos para que o isolamento seja garantido.

Muitos trabalhadores ainda não conseguem imaginar outra saída sem ser aquela apontada pela burguesia. Mas, aos poucos, uma parte começa a mudar de ideia. Os metroviários de São Paulo e Brasília marcaram greve. A ocupação do CCBB em Brasília foi um exemplo de resistência. A popularidade do governo genocida começa a cair. Movimentos sociais se organizam em campanhas de arrecadação de alimentos, demonstrando solidariedade e dialogando com a população.

Não sabemos qual vai ser o futuro da pandemia. Mas ele vai depender da boa e velha luta de classes.

 

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