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Cloroquina, ozônio via anal e as soluções mágicas do governo Bolsonaro 

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Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

Muitos se espantaram com a “politização” da cloroquina, droga eleita por Bolsonaro como uma poção mágica para curar o coronavírus. Essa briga entre aqueles que defendem o distanciamento social e os que acham que a solução está em um remédio é mais profunda e antiga do que parece. É a disputa entre a medicina preventiva e a chamada “medicalização” da vida. 

Segundo estudo do Ministério da Saúde de 2019, o Brasil é o maior consumidor de clonazepam, midazolam e diazepam no mundo, além de ser o terceiro maior consumidor de medicamentos ansiolíticos benzodiazepínicos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. São remédios fortes e com efeitos colaterais perigosos. Este mesmo estudo aponta o excesso de consumo de medicamentos sem necessidade como um problema para a saúde pública. 

O professor Leonardo Régis, do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), relatou em entrevista para o Estadão, sua preocupação com o uso irracional de medicamentos. “Talvez a medicalização da sociedade esteja mais ligada aos tempos modernos, a uma pressão maior para cumprir metas, ao estresse”, diz o estudioso. Ele critica o hábito criado por algumas pessoas que “entram nos consultórios esperando sair com uma receita na mão”. Isto acontece, entre outros fatores, por causa da propaganda de remédios na mídia. 

Não é de se espantar que alguém como Bolsonaro reforce a crença errada de que pílulas têm efeitos curativos que podem substituir a prevenção. Isto fortalece aqueles que querem tratar a saúde como mercadoria e que enxergam a doença como uma questão individual, não levando em conta os cuidados coletivos e o investimento na saúde pública e na educação. 

O governo apostou no discurso populista de que as pessoas não precisam se organizar nem fazer esforços coletivos para evitar as mortes. Bastaria comprar o remédio mágico que tudo estaria resolvido. Não vamos nos enganar, esse discurso é bastante atraente para alguns dos milhões de trabalhadores que tiveram sua renda reduzida em função da quarentena. Afinal, realmente seria bem melhor se o fechamento do comércio fosse desnecessário. Uma mentira fácil de se acreditar muitas vezes é no que a pessoa se agarra diante de uma verdade difícil de aceitar. 

Diante disso, o Conselho Federal de Medicina recomendou que a cloroquina não fosse usada, mas permitiu que os médicos receitassem. Isto foi um meio de não entrar na polêmica, já que houve uma pressão dos apoiadores de Bolsonaro em favor da droga. Após esta posição, a porteira foi aberta para a “medicalização” da pandemia, com uma série de tratamentos sem eficácia comprovada sendo vendidos. 

Um exemplo é a ivermectina, remédio com efeitos colaterais menos nocivos que a cloroquina. O remédio está em teste e até funcionou em laboratório, mas não há nada que comprove sua eficácia em humanos. Alguns médicos estão receitando esta droga inclusive em pessoas que não tem sintomas, como forma de “prevenção”. Se realmente a ivermectina previne a Covid-19, então porque o mundo está desesperado por uma vacina?  

Há casos bizarros, como o do prefeito de Itajaí (SC), que receitou cânfora e aplicação de ozônio pelo ânus. Pode parecer piada, mas representantes da “ozonioterapia” foram recebidos pelo ministro interino da Saúde, Eduardo Pazzuelo. A já conhecida fixação de Bolsonaro pelo ânus alheio pode fazer com que o tratamento seja chancelado pelo presidente. Não ria. O risco é sério. 

O índice de infecção em pessoas que cumpriram o isolamento é de 8,5%, já naquelas que não respeitaram o distanciamento, 25,2% se infectaram.

Pode até ser que algum remédio ajude a reduzir a mortalidade da Covid-19. Mas a única solução comprovada é a prevenção. De acordo com pesquisa da prefeitura de São Paulo, o índice de infecção em pessoas que cumpriram o isolamento é de 8,5%, já naquelas que não respeitaram o distanciamento, 25,2% se infectaram.

Por anos as pessoas aprenderam de forma errada que para cada doença tem que existir um remédio. A realidade não funciona assim. A solução da Covid-19 e de vários problemas de saúde inclui cuidado interdisciplinar, prevenção, mudança de hábitos, cuidados coletivos e investimentos públicos. Mas há aqueles que querem convencer as pessoas de que tudo pode ser resolvido com uma pílula mágica. Em especial empresários que querem lucrar com a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS) e os políticos que representam seus interesses.  Essa é a verdadeira disputa por trás da “politização” da cloroquina.

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