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TEORIA

O pioneirismo de Octavio Brandão para a análise da estratégia da revolução brasileira

Jefferson Gustavo Lopes, de Recife, PE
Coleção particular Dionysia Brandão Rocha

Octávio Brandão discursa em comício do Bloco Operário e Camponês (BOC), em 1928, no Rio de Janeiro. Ao seu lado, Minervino de Oliveira

Com o refluxo da agitação operária (1917-1920) a intelectualidade orgânica do movimento operário começou a refletir sobre as causas dos possíveis fracassos de um levante operário. Assim, muitos desses militantes chegaram a conclusão que o país deveria ser alvo de um estudo rigoroso da sua formação sócio-histórica para fins de elaborar uma estratégia revolucionária, objetivando a derrubada do capitalismo no país, assim como fez a vanguarda revolucionária russa. Nesse sentido, quem fez este estudo na chave do materialista histórico foi o alagoano Octávio Brandão.

Octavio Brandão nasceu no dia 12 de setembro de 1896, na cidade de Viçosa, sertão de Alagoas. Oriundo de uma família humilde, o alagoano teve a vida marcada pela perda da mãe quando ainda era criança, aos 4 anos de idade. Foi criado pelo pai em condições muito adversas, tendo que trabalhar muito cedo numa pequena farmácia. O senhor Neco Felix, pai de Octavio Brandão, endividado e doente, envia o jovem para a casa do tio na capital,  Maceió, onde terá uma instrução e melhores condições de vida. Em 1911 matricula-se no curso de Farmácia no Recife, o seu despertar para a ciência da natureza.

O desabrochar para as questões sociais vem primeiramente pela situação da miserabilidade em que o povo da sua cidade estava inserido, sobretudo pelos mandos e desmandos das oligarquias locais, e também a sua própria situação de pobreza que não era muito diferente da maioria dos cidadãos daquela região. Ainda acrescenta a investigação da sua primeira obra chamada Canais e Lagoas, pois, apesar de ser uma obra de geologia e botânica fez com que Brandão convivesse durante a sua investigação científica com os ribeirinhos e pescadores pobres.

Em suas memórias, ele data que foi a conjuntura mundial da Primeira Guerra e da Revolução Russa que o fez ter uma militância pela causa operária: “Sou um homem do século XX. Minha consciência começou a despertar no início do século. Não tinha 18 anos quando estourou a primeira guerra mundial. Tinha 21 anos quando rebentou a grande revolução socialista de outubro de 1917, na Rússia.” (BRANDÃO, 1978, p.30). É a partir destes fatos que Brandão vai ter uma militância orgânica no movimento operário da capital de Alagoas, escrevendo com outro militante destacado: Antônio Bernardo Cannela.

Ambos escreveram para o periódico operário chamado A semana social, na qual denunciavam a situação da classe operária alagoana. Estes dois militantes organizaram algumas greves em Maceió, entre 1917 e o começo de 1919. Entretanto, essa atividade política de Brandão no interior da classe operária vai lhe custar a primeira prisão, sob acusação de maximalismo (em referência aos bolcheviques). Foi solto mediante o pagamento de uma fiança. A perseguição não para por aí, pois foram contratados pistoleiros para assassiná-lo e, sabendo da notícia, ele foge para o Rio de Janeiro.


Octavio Brandão, Bernardo Canellas e Astrojildo Pereira, em 1919
Coleção particular Dionysia Brandão Rocha

Já no Rio de Janeiro, ao se inserir dentro do movimento operário, enxerga no anarquismo a sua teoria social, sobretudo o anarco-sindicalismo, e participa, em 1919, da criação do primeiro partido comunista do Brasil, que era hegemonizado pelos militantes anarquistas e, consequentemente, continha um programa anarquista, na qual não teve vida longa, justamente pelas divergências programáticas entre comunistas e anarquistas. Porém o primeiro impacto que a Revolução Russa acarretou para o autor foi a busca por fontes teóricas do anarquismo russo, com seus dois principais expoentes: Bakunin e Kropotkin. Assim como muitos militantes anarquistas, enxergou a Revolução Russa como uma revolução anarquista.

Ao decorrer do processo da jovem República Soviética, Brandão aponta o seu descontentamento com os rumos que os bolcheviques tomaram em dois aspectos. O primeiro é o fato de que o poder emanado de Outubro não destruiu o Estado, algo que para a concepção anarquista é imperdoável. O segundo foi a repressão que o governo chefiado por Lênin empreendeu contra os anarquistas (Brandão, já convertido ao comunismo, não gostava de reivindicar essa primeira influência e em sua autobiografia, pouco comenta sobre o tempo em que se converteu ao anarquismo e nem as polêmicas que empreendeu contra os bolcheviques).

No entanto, o já convertido ao comunismo Astrojildo Pereira, que já naquele momento tinha fundado o Partido Comunista do Brasil, visitou Brandão e com o intuito de tentar esclarecê-lo sobre o significado da Revolução Russa e sua base teórica, levou o livro de Karl Marx, O manifesto comunista; os livros de Lênin, Estado e revolução, Imperialismo, fase superior do capitalismo e Terrorismo e comunismo de Leon Trotsky. Esse material “convenceu Brandão de que ele e os outros anarquistas estavam enganados em outubro e novembro de 1920, ao acusarem russos de serem reformistas” (DULLES, 1977, p.151).

Foi em 5 de julho de 1922 sob uma conjuntura de revoltas dos tenentes que Octávio Brandão adere ao PCB, passando a ser um teórico do partido. Tanto Astrojildo como Brandão foram os primeiros que se esforçaram em construir uma tese sobre a formação sócio-histórica do Brasil na chave do materialismo histórico e dialético. Assim, foram os pioneiros do marxismo nacional (ZAIDAN, 2017). Portanto, a revolução bolchevique teve influxos teóricos para estes militantes a ponto de os levarem a estudar a realidade do país na qual estavam inseridos.

Contudo, o papel mais destacado da análise “marxista-leninista” da formação socioeconômica do país, com objetivo de ser uma arma teórica da vanguarda operária na intervenção na realidade brasileira, a fim de derrubar o capitalismo e, estabelecer uma nova ordem social, ou seja, o socialismo. Então, o texto que cumpriria esse papel foi escrito por Octavio Brandão em 1924 e complementado dois anos depois com o pseudônimo de um suposto oficial alemão que estava no Brasil, chamado Fritz Mayer. A brochura tinha o seguinte título: Agrarismo e industrialismo: ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classes no Brasil – 1924.

O revolucionário alagoano, ao analisar a formação econômica e sua inserção na economia internacional, utiliza como base teórica o livro de Lênin, Imperialismo, fase superior do capitalismo. Destaca que o Brasil está inserido na lógica da divisão internacional do trabalho, na qual o país era eminentemente agrário e subordinado aos interesses imperialistas da Inglaterra, que hegemonizava as elites políticas brasileiras da época. Entretanto, por outro lado, Brandão identifica, nos passos da leitura que faz de Lênin sobre o imperialismo, que havia uma disputa interimperialista entre Inglaterra e Estados Unidos e que o segundo representava a burguesia industrial e estava se contrapondo ao domínio inglês por ser mais forte e enraizado no Brasil há muitos anos. Amparado em dados, o intelectual alagoano demonstra esse predomínio:

De um ponto de vista mais estatístico: o Brasil possuía, em 1920, 13 mil estabelecimentos industriais, para 648 mil estabelecimentos rurais. Os primeiros valiam um milhão e 815 mil contos; e os segundos, 10 milhões e 568 mil contos. Os trabalhadores fabris montavam a 275 mil. Os trabalhadores rurais, a cerca de nove milhões. Portanto, economicamente, o Brasil é um país agrário, país dominado pelo agrarismo e não pelo industrialismo, como a Alemanha (BRANDÃO, 2006, p. 34).

Ao analisar a predominância de uma sociedade rural, o autor deixa claro que quem era o detentor destes meios de produção, a grande propriedade latifundiária que estava subordinada aos interesses externos, principalmente da Inglaterra. Para o autor, o exercício de uma dominação semicolonial sobre o Brasil, uma vez que a estrutura política brasileira e seus agentes, como Arthur Bernardes, seus intelectuais orgânicos, como Rui Barbosa, eram subalternos à Inglaterra. Nesse sentido, Brandão, ao utilizar a dialética na realidade brasileira, vai denominar que essa estrutura representaria a tese.

Já a antítese, nas formulações do revolucionário alagoano, estava representada pela revolta dos tenentes, sob a liderança em São Paulo de Isidoro Dias Lopes, que era um oficial. Para o autor, esse movimento, apesar de ter um projeto moralista pequeno burguês, era manipulado pela grande burguesia imperialista norte-americana que entrava naquele momento em rota de colisão com o imperialismo inglês, criando uma conjuntura revolucionária. Mas o fechamento da dialética, ou seja, a síntese seria a revolução operária, que concluiria com a implantação do socialismo no Brasil.

Vejamos como é esquematizada a dialética nas suas palavras: “Com Bernardes, centralização – tese. Com Isidoro, tentativa de descentralização – antítese. Com a ditadura proletária, nova centralização, superior a todas outras – síntese de todas sínteses passadas. E fecha-se o décimo ciclo da história Nacional” (BRANDÃO, 2006, p.141).

A aplicação da dialética na história do Brasil, e especialmente nos eventos de 1924, é bastante problemática do ponto de vista teórico e metodológico, pois era movida ao mecanicismo e evolucionismo, muito influenciada por sua formação nas ciências naturais. Mas, apesar disso, foi um esboço bastante valioso, posto que basta lembrar que o nosso autor era praticamente um autodidata, não tendo uma formação sólida marxista. 

No entanto, a interpretação dialética, feita pelo alagoano de Viçosa, tinha como principal objetivo estudar a realidade sócio-histórica para poder intervir na mesma, ou seja, foi com base nesta tese sobre o Brasil que houve a primeira formulação da revolução brasileira. Brandão (2006) via com bons olhos a revolta dos tenentes que, apesar da sua derrota, não deixaria de cessar mais levantes contra a dominação imperialista inglesa que representava o que havia de mais atrasado em todos os aspectos da sociedade brasileira, mas ele não depositava na pequena burguesia: os tenentes – um conteúdo revolucionário, e sim moralizador e defensor de liberdade políticas e participação desse setor das forças armadas. Mesmo assim, para as formulações de Brandão, os tenentes seriam peças fundamentais para:

Impelir a fundo a revolta pequeno-burguesa, fazendo pressão sobre ela, transformando-a em revolução permanente no sentido marxista-leninista, prolongando-a mais possível, afim de agitar as camadas mais profundas das multidões proletárias e lavar os revoltos às concessões mais amplas, criando um abismo entre eles e o passado feudal. Empurremos a revolução da burguesia industrial – o 1789  brasileiro, o nosso 12 de março de 1917 – aos últimos limites, a fim de, transposta a etapa da revolução burguesa, abria-se proletária, comunista. (2006, p.133).

Essa teoria das etapas da revolução, contida nesse fragmento do texto de Brandão (2006), não é uma novidade no pensamento marxista quando se trata de um capitalismo periférico, porém a grande originalidade da tese da revolução socialista no Brasil está na estratégia desenvolvida pelo  autor, pois a revolução democrática pequeno-burguesa urbana, na qual os tenentes seriam a força social motriz do movimento revolucionário, mas que pela sua debilidade ideológica e instabilidade entre a pequena burguesia seria a função do partido revolucionário (PCB) manter a independência ideológica destes, seria fazer uma aliança prestes a conquistar a direção e, posteriormente a hegemonia do movimento. Fazendo com que a vanguarda operária apoiasse os tenentes (pequeno-burgueses urbanos), objetivando a aniquilação dos resquícios semifeudais da sociedade agrarista, mas posteriormente contra o industrialismo representado pela pequena burguesia. E daí a revolução passava para a fase socialista. Usando como exemplo da insurreição de outubro na Rússia:

Muitos elementos da pequena-burguesia, influenciados pela vanguarda proletária, já começaram a entrever que, depois da vitória do Isidoro atual ou do futuro Isidoro, haverá alguma coisa. Lembram-se de que o Czar Nicolau era agrário, feudal, como Bernardes. Lembram-se de Kerensky, “democrata” pequeno-burguês, como Isidoro atual ou o futuro Isidoro. Lembram-se de que o pequeno-burguês Kerensky substituiu Nicolau, o feudalista, par depois ser derrubado pela revolução proletária… (BRANDÃO, 2006, p.144).

O grande mérito deste autor foi traçar uma estratégia da revolução com os sujeitos sociais que não se colocava em cena, como a pequena-burguesia, representada pelos tenentes que iniciariam a etapa que iria abrir espaço para o operariado se organizar e daí se tornar o sujeito da última etapa da revolução: a comunista.

No entanto, o impacto da Revolução Russa no pensamento de Octávio Brandão (2006), vai para além da sua militância, pois a sua preocupação maior junto com Astrojildo Pereira era realizar um estudo do Brasil na chave do materialismo histórico, especificamente do marxismo-leninismo, o qual foi pioneiro no Brasil. Porém este esboço de conhecer a realidade socioeconômica do país tinha como a sua principal finalidade intervir na realidade e transformá-la. Portanto, podemos dizer que Brandão foi o primeiro a elaborar um estudo marxista do Brasil, levando em consideração as particularidades brasileiras, fazendo as devidas mediações.

 

Referências:

DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil (1930-1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

BRANDÃO, Octavio. Combates e batalhas. Memórias – 1° volume. São Paulo: Editora Alfa-Omêga, 1978.

—————————Agrarismo e industrialismo: ensaio marxista leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classes no Brasil – 1924. 2° edição. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006. 

FILHO, Michel Zaidan. A Formação do primeiro grupo dirigente do PCB: as raízes culturais e políticas da formação dos primeiros comunistas no Brasil. Recife: Novas edições acadêmicas, 2017.

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